MINERAÇÃO
O QUE DESTRUIU O PORTO DE
SANTANA? LAVRA AMBICIOSA?
Jhon Silva
Especial para o TA
Especial para o TA
A quinta-feira, 28 de março
de 2013 poderia ter sido apenas mais um dia comum na história do Amapá. O dia
que antecedeu a sexta-feira da paixão, por exemplo, lembrada pelos cristãos
como o dia do julgamento, paixão, crucificação, morte e sepultura de Jesus
Cristo. Porém, para os moradores do município de Santana, distante cerca de 30
quilômetros da capital, Macapá, a data será mais que isso, ela será lembrada
para sempre pela população amapaense como o dia em que o Porto da Icomi,
atualmente administrado pela empresa de mineração Anglo American desabou
ceifando vidas e levando parte da história da mineração para o fundo do rio
Amazonas.
Eram por volta das 00:05 de
quinta feira (28) quando embarcadiços e trabalhadores que atuam no Porto de
Santana foram surpreendidos como uma enorme onda que atingiu às margens do Rio
Amazonas. Sem saber ao certo de qual direção ela vinha, virou barcos, balançou
navios, destruindo tudo que tinha pela frente. O cenário que restou foi de
destruição e mortes.
Poucos minutos após o
acontecido foi identificada que uma imensa área de terras no Porto de embarque
de minérios da Mineradora Anglo American, deslizou, tragando veículos pesados,
maquinários, estrutura de ferro do píer flutuante, arrastando ainda
trabalhadores que estavam em serviço na área.
No momento do sinistro
estava atracado o navio mercante de bandeira chilena Sabrina Venture, que seria
carregado com cerca de 45 mil toneladas de minério armazenados as margens do
porto. Com o deslizamento, a embarcação chocou-se contra o píer de atracação
provocando inúmeras avarias ao mesmo. O navio precisou ser deslocado para outro
ponto do Rio Amazonas já que com o choque o píer flutuante ficou completamente
destruído. Outros barcos que estavam atracados no Porto do Grego, local de embarque
e desembarque de cargas e passageiros, também foram atingidos, e em alguns
deles foram para o fundo.
Algumas horas após o
acidente, o Corpo de Bombeiros já realizava buscas na tentativa de localizar
funcionários da mineradora desaparecidos. Dois deles conseguiram se agarrar em
pilares de sustentação do Terminal Pesqueiro do município, localizado ao lado
do Porto da Anglo American e foram resgatados.
Possíveis Causas do Acidente
Com o sinistro, inúmeras
hipóteses foram levantadas dando conta das possíveis causas do acidente.
Fenômeno natural, deslocamentos de terras no fundo do rio, até o desmoronamento
do porto em virtude da sobre carga e da falta de manutenção, foram cogitados.
Ainda na tarde do dia 28 pesquisadores do Instituto de Pesquisas Científicas e
Tecnológicas do Estado do Amapá (Iepa), estiveram no local realizando análises
preliminares. Os representantes do Núcleo de Hidrometeorologia e Energias
Renováveis (Nhmet), do Programa Estadual de Gerenciamento Costeiro (Gerco/AP) do
Centro de Pesquisas Aquáticas (Cpaq), constataram, preliminarmente, que o acidente
não tem qualquer relação com “ondas gigantes, sísmica ou maré de Sizígia”,
fenômenos considerados naturais.
Apesar de sido sentida na
ilha de Santana, Rômulo Vasconcelos Geógrafo e Especialista na Área Ambiental,
reforçou e descartou a hipótese de fenômeno natural. Para ele o que aconteceu foi
que devido à grande quantidade de minério que estava armazenado no porto que
caiu no rio, provocando um aumento das águas, que foi e voltou como uma espécie
de sugador, afetando, principalmente, as pequenas embarcações que estavam em
torno do píer. “Considero que se fosse um fenômeno natural, o abalo seria em
maior proporção, atingido localidades mais distantes como o bairro Elesbão ou
até mesmo o distrito da Fazendinha. Aqui o que houve foi pontual e partiu
diretamente do deslizamento de terras no porto da mineradora. Não foi fenômeno
natural”.
Antonio da Justa Feijão é
Geólogo, Auditor Ambiental e Superintendente do Departamento Nacional de Produção
Natural no Amapá, (DNPM), ele enumerou oito itens que podem ser apontados como
as possíveis causas do acidente no Porto de Santana.
1º Fadiga Estrutural
Portuária – Para ele o tempo de uso do Porto da Anglo American construído pela
mineradora Icomi e que esta prestes a completar 60 anos de uso pode ter sido um
fator determinante para o acidente;
2º Movimentação e Estocagem
de Minérios no local - A área atingida corresponde a quatro campos de futebol,
na época da mineradora Icomi o local não era utilizado para armazenagem de
minérios e hoje estariam sendo, além disso, a circulação de veículos pesados
diariamente no espaço pode ter contribuído para o sinistro. Essa hipótese tem
sido a mais forte sobre o acontecido;
3º Excesso de Água em Março
– O volume pluviométrico (águas da chuva) e o período de maré alta (rio),
provocando infiltração e refluxo sub aquático provocou a plasticidade de uma
camada de argila no rio, fator este que pode ter relação e ajudado no
deslizamento de terra;
4º Pique de Maré – Na
madrugada do dia 28 durante a atracação do navio houve uma maré alta, tendo
ainda o aviso dos órgãos competentes, o chamado “in voice” à Capitania dos
Portos. Dessa forma ele considera que seria necessário uma reunião com
operadores do porto para traçar medidas sobre a situação;
5º Sobre Carga no Porto – Em
44 anos a mineradora Icomi explorou cerca de 34 milhões de toneladas de
minério. Somente em 3 anos, a Anglo American já exportou mais de 15 milhões de
toneladas de minério. Ou seja, aproximadamente de 50% e aí logicamente se nota
uma sobre carga no uso do porto;
6º Colapso Geológico – Com o
possível choque do navio, atingindo as camadas de sustentação do píer de
atracação flutuante, mais a fadiga da área pode ter sido um fator que ajudou no
acidente;
7º Ação Física do Navio –
Com a rápida subida da maré, mais a quantidade de terras equivalente a 4 campos
de futebol caindo no rio (refluxo), o navio teria realizado movimentos para se
equilibrar, desta forma provocando danos ao cais flutuante. Mesmo assim o navio
saiu com avarias;
8º Ação Slump – Movimentação
e formação de ondas em duplo sentido, leste oeste, que se formaram na beira do
rio provocando os danos;
De acordo com o Geólogo
Antonio Feijão, todos os itens apontados como as causas estão no campo das
suposições. Para ele somente com a perícia dos órgãos especializados poderá ser
dado um diagnóstico preciso do que ocorreu no Porto de Santana. “Logicamente,
que é preciso cautela na apuração dos fatos. Os órgãos que são os responsáveis
pela investigação é que poderão dar uma resposta à sociedade como um todo”.
Breve História do Porto
O Porto que hoje está locado
a Anglo American foi construído em meados de 1940, pela Indústria e Comércio de
Minérios S/A (ICOMI), para explorar o minério de manganês existentes às margens
do Rio Amaparí. Já em 1951, navio norte-americano Cuthbert, da Boothline,
atraca em frente ao píer provisório da mineradora Icomi trazendo ferragens que
seriam utilizadas na estrutura do porto definitivo. Já no dia 24 de fevereiro
de 1954 o navio cargueiro Mormacdale, chega com mais de 500 toneladas de
equipamentos para a montagem do porto.
O navio trouxe 29 caminhões, 23
tratores, 16 scraps, 07 carros, 01 guindaste-volante (com 64 toneladas de
peso), 256 toneladas de cimento, 300 toneladas de chapa e tubos de aço.
Já em 5 de janeiro de 1957
ocorre o primeiro embarque. Parte do porto o navio Aretis-X, com destino aos
Estados Unidos levando cerca de 10 mil toneladas de manganês. O primeiro
registro de um sinistro ocorreu em 20 de janeiro de 1993. Uma enorme onda no
Rio Amazonas provocou o desabamento de uma esteira da mineradora Icomi. Não
houve vítimas fatais, apenas danos em embarcações que estavam atracadas. Já era
o anúncio da tragédia que ocorreu este ano.
Fonte: Historiador Emanoel Jordânio
Medidas Após a Tragédia
Após inspeção na área do
Porto o Instituto do Meio Ambiente e Ordenamento Territorial do Estado do Amapá
(Imap) e a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), detectaram que o fato
não possuía características de fenômeno natural, e com isso os órgãos multaram
a mineradora em cerca de R$ 20 milhões, pelo fato de que o acidente provocou
mudanças ao meio ambiente. O valor foi calculado com base no parecer técnico,
que demonstrou alterações sensíveis ao local, o porte do empreendimento e a
gravidade do dano conforme estabelece a legislação ambiental do Estado. Segundo
Mauricio de Souza, Diretor do Imap, foi feito um auto de infração que
responsabiliza a mineradora em programar ações de recuperação à área afetada.
“Temos a prerrogativa de apurar toda a situação e vamos proceder dentro da
legislação local”.
Paralelo ao inquérito dos
órgãos estaduais, a Capitania dos Portos anunciou que também abriu inquérito
sobre fatos e acidentes da navegação, com objetivo de investigar a responsabilidade
pelos danos causados as embarcações afetadas pelo sinistro. De acordo o
Imediato da Capitania Comandante Castro, oficiais do Amapá e do Pará serão
designados para apurarem os fatos. “Nesse momento é necessário toda cautela
para que se chegue ao possível responsável deste acontecido. Importante
salientar que neste caso teremos um prazo de 90 dias para apresentar os
relatórios e com isso proceder às medidas cabíveis”.
A Assembleia Legislativa do
estado instalou uma Comissão Parlamentar Especial (CPE), para acompanhar de
perto a apuração do caso. O presidente da CPE, o Deputado Charles Marques,
disse que o mais importante é identificar as causas do acidente, sem esquecer o
aspecto social das famílias das vitimas. Além disso, o parlamentar destacou que
é necessário ainda verificar se a multinacional, toma todas as precauções em
relação à segurança de seus trabalhadores.
Providências
Logo após o acidente a
Prefeitura do Munícipio de Santana iniciou um trabalho de auxilio aos parentes
das vitimas desaparecidas que se aglomeravam em frente ao portão da Mineradora
Anglo American. Uma ambulância prestava auxilio a familiares que passavam mal.
Desde as primeiras horas da informação do acidente, o prefeito Robson Rocha
esteve também em frente ao portão da Mineradora em busca de informações, ele
também não obteve sucesso. A Defesa Civil recomendou a Prefeitura de Santana à
interdição do porto de ancoragem das Catraias (pequenas embarcações que
transportam passageiros e cargas), situado as proximidades da área atingida.
Ainda como medida, Robson Rocha decretou situação de emergência no município.
Temendo prejuízos maiores
como uma demissão em massa, em virtude da paralisação das atividades da
mineradora, um Grupo de Trabalho que envolve a Companhia Docas de Santana,
(CDSA), Secretaria Nacional de Portos, Governo do Estado e Prefeitura de
Santana, foi criado, para avaliar os
danos econômicos, ambientais e sociais. Uma das ações tratou do escoamento da
produção de minérios. Como alternativa foi proposta a utilização da CDSA para o
embarque do minério da Anglo American, e mineradoras de pequeno porte, com isso
diminuirá os efeitos da paralisação das atividades das empresas, que podem
prejudicar à economia do Estado.
De acordo com Edval Tork,
presidente da CDSA são necessárias adequações ao Porto da Companhia, caso seja
utilizado para o embarque de minérios. Além disso, a medida poderá evitar
prejuízos incalculáveis não só para a empresa, como para todo o estado. “O que
estamos tentando evitar que o acidente cause o problema de dimensões
gigantescas. Para isso será importante a ajuda de todos os envolvidos”.
Por meio de nota, a
Mineradora Anglo American relatou que esta fazendo tudo o que é possível para
aliviar as dores dos familiares dos mortos e esta prestando todo auxilio aos
parentes. A empresa destaca que contratou tecnologia de ponta e mergulhadores
especialistas, para obter êxito na busca dos corpos das vitimas. Em nota a
empresa lamentou profundamente o incidente.
O Ministério Público Federal
(MPF) instaurou Inquérito Civil Público para apurar a dimensão dos danos
ambientais e a causa do sinistro. A investigação irá solicitar dos órgãos de
meio ambiente, e da mineradora, documentos e imagens que possam elucidar o
fato. O Procurador da República Antonio Carlos Cardoso, disse que o Rio
Amazonas é da união, e é preciso que o MPF tenha conhecimento da extensão dos
danos para que sejam tomadas as providências.
As vitimas
Ao todo seis pessoas
desapareceram no acidente, três já foram encontradas e enterradas. Familiares
das vitimas denunciaram o descaso que a empresa teve em relação à falta de
informações sobre o acidente. Os parentes revoltados com a situação acabaram
quebrando vidraças na portaria da mineradora como forma de protesto. O
professor Reginaldo Ribeiro, parente do funcionário Pedro Ribeiro, reclamou do
descaso que a mineradora teve com os familiares. “A gente fica aqui na frente
da empresa, eles não dão qualquer informação ou apoio. Vem com essa de desastre
natural, foi o excesso de peso juntamente com a cobiça dessa empresa que
explora nosso estado e não dá nenhuma satisfação numa hora dessas”.
Prejuízos
O Prefeito do Munícipio de
Serra do Navio, José Maria disse que teme que com a paralisação das atividades
na mina que fica localizada na cidade, a economia local possa ser afetada. A
preocupação se refere à ameaça de demissão. Segundo José Maria caso isto
ocorra, os prejuízos serão incalculáveis. Nesse momento a paralisação ainda não
afetou o comércio do município. “É inevitável a preocupação que hoje a gente
tem. É certo que muitos trabalhadores da mineradora são de outro estado, porém
temos amapaenses. Imagine se a empresa decide encerrar as atividades? O impacto
social será sem precedentes para a cidade”.
Em entrevista coletiva, o
Prefeito de Santana Robson Rocha disse que o maior receio, é que a paralisação
das atividades venha provocar uma diminuição na arrecadação dos impostos
cobrados pela PMS junto à mineradora. Segundo ele, somente o Imposto Sobre
Serviços de Qualquer Natureza, ISSQN, representa uma arrecadação de
aproximadamente R$ 500 mil/mês. “Certamente que com a diminuição de receita, o
recurso que poderia ser aplicado em melhorias em Santana, fica prejudicado”.
Situação atual
Mergulhadores especialistas,
um helicóptero, Corpo de Bombeiros e a Marinha do Brasil, continuam suas ações
de busca aos desaparecidos no Rio Amazonas. Na intenção de melhorar o serviço,
a Capitania dos Portos esta utilizando a tecnologia de um navio equipado com
sonar de alto alcance que irá mapear o fundo do rio. Esse equipamento ajudará
nos trabalhos do Corpo de Bombeiros e dos mergulhadores. Atualmente, três
corpos continuam desaparecidos, e segundo as últimas informações repassadas
pela assessoria de imprensa da unidade, há a possibilidade dos mesmos estarem
presos em meio às ferragens ou debaixo do minério que deslizou para o rio.
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