"A LBA naquele tempo não atuava como assistencialista, ela tinha crédito rotativo e proporcionava aos mais carentes, condições de trabalhar. Não dávamos o peixe, ensinávamos a pescar, e assim muita gente cresceu profissionalmente e hoje, seus filhos são grandes nomes no Amapá" - Dulcineia da Silva Henriques.
Relembrando esse período de sua infância, Dulcinéia divaga e descreve a sua residência na época que tinha 12 anos. "Era típica ribeirinha, de madeira bruta coberta de palha, localizada bem na entrada do rio. Na frente tinha bancos feitos de toras de madeira, onde sentava para admirar a natureza, lembro bem que ao lado da casa existia um pé de laranja antiga, e nela uma aranha "Caranguejeira" preta, que tecia sua teia. Do outro lado do rio, onde começava o seringal, havia um sabiá, que todos os dias cantava às 06 da manhã e às 06 da tarde. Esse cenário me levou a escrever um poema "A aranha e o sabiá"". Naquela época eram usadas canetas tinteiro e os cadernos eram feitos de papel de embrulho, costurados a mão.
"No interior de uma bela vivenda
Onde morava um Sabiá poeta
Que o dia todo cantava numa clara manhã
Numa clara manhã uma aranha fiava sua teia
Nisso alguém a cautela
Chega e destrói impiedosamente
O trabalho da humilde tecelã,
E ela embora com vontade ficar
Foi obrigada a sair pela janela
Que estava aberta para o sol entrar
Nesse instante o sabiá emudeceu
Pesaroso, ficou a meditar:
- Que estranho mundo, ó Deus,
Eu que amo a liberdade,
Porque fatalidade que me hão de deixar
E no auge da mágoa que o pungia
Cresceu pela prisão a sua sina
Olhando bem longe o sol e as árvores
Teve inveja da aranha.
Contradições da sorte seu destino
Quem o definirá?
E a aranha a soluçar dizia:
- Antes eu fosse aquele sabiá."
Esses devaneios poéticos de Dulcinéia eram demonstração dos muitos sonhos que ela teve na vida. "O meu sonho maior era me formar em Direito Penal, tudo por influência de uma advogada, defensora dos pobres, Doutora Gimena. Nesse tempo eu trabalhava na Legião Brasileira de Assistência (LBA). O Fórum estava localizado na orla de Macapá, onde hoje funciona a OAB/Amapá. Certa vez fui assistir a um júri, onde ela defendia um assassino, o Tibúrcio, de um dos crimes mais bárbaros acontecidos em Macapá. E ela conseguiu absolvê-lo. Ela era tão pequena que precisava subir em uma cadeira para poder ser vista atrás da tribuna. A partir dali fiquei empolgada e quis ser advogada. Casar estava longe dos meus planos".
Mas, uma reviravolta na vida de Dulcinéia, impediu a realização desse sonho. Aos 15 anos, já tinha perdido o pai, quando sua irmã teve um câncer na coluna e não conseguia mais mexer a mão. Nessa época ela residia na Rua da Praia, hoje orla do Macapá Hotel. "Tive de assumir o comando da casa e passei a transportar pedra e areia ao lado da Fortaleza, no antigo Elesbão. Um dia, o doutor Salomão Moises Levy que tinha sido nomeado para abrir a LBA no Amapá, me viu fazendo esse serviço e me levou até minha mãe, que estava em uma rede. Ele disse que era um crime o que estava acontecendo e que eu podia morrer de tuberculose. Minha mãe respondeu que se eu morresse, ela morreria junto, pois quem sustenta a casa na época era eu. Durante a noite eu ainda costurava e fazia os uniformes para o governo".
Na ocasião, recorda-se Dulcinéia, fazia o antigo curso primário na Escola Barão do Rio Branco, onde destaca que o conteúdo pedagógico do curso, era equivalente ao Ensino Médio atual. "Doutor Salomão me levou até a sede da LBA, onde me encaminhou para Dona Palmira que perguntou se eu sabia ler e me deu o livro didático de Felisberto de Carvalho. Fiz um ditado e passei. Assim, fui ao Posto de Puericultura, o Posto I, que ficava ao lado da residência governamental, hoje SEMAT, onde trabalhei por 13 anos. Em seguida trabalhei no Posto II, no Bairro do Trem, a convite do médico Amílcar da Silva Pereira, o quarto governador do Território Federal do Amapá, que exigiu minha presença ao aceitar o cargo de diretor do posto. Na LBA fiz de tudo. Entrei como atendente e acessei todos os cargos, no total trabalhei durante 38 anos e não gostaria de sair, porém fui obrigada por lei".
Mesma aposentada Dulcinéia Henriques continuou na LBA, já sob o comando do Domício Campos de Magalhães (falecido) que a encaminhou para um posto na localidade do Curiaú. "A LBA naquele tempo, não atuava como assistencialista, ela tinha um crédito rotativo e proporcionava aos mais carentes condições de trabalhar. Por exemplo, a pessoa atendida era perguntada sobre o que sabia fazer. Por exemplo: se ela costurava, era colocada em um curso de corte e costura e era financiada uma máquina de costura. Não dávamos o peixe, ensinávamos a pescar e assim muita gente cresceu profissionalmente. Hoje seus filhos são grandes nomes no Amapá".
Casamento
Mesmo tendo estabelecido que casamento não fosse prioridade na sua vida, Dulcinéia casou-se e esse casamento aconteceu por necessidade, pois sua irmã ao casar-se a levou e a mãe para morarem juntas, pois tinha medo de fiarem sozinhas e acontecer algum comentário maldoso contra a honra de Dulcinéia. "Minha irmã tinha uma pensão na esquina da Tiradentes com a Avenida Coriolano Juca, onde hoje tem a Casa do Criador. Um dia a minha mãe foi maltrata pelo meu cunhado, nessa época eu já trabalhava e tinha requerido um terreno na Avenida Raimundo Alvares da Costa, tomei a decisão de levar minha mãe para lá, foi minha primeira residência. Foi quando tomei a decisão de me casar, o primeiro maluco que aparecer eu caso".
Foi quando Dulcineia conheceu o jovem de 24 anos Álvaro Lopes Henriques , jornalista, que veio junto com o primeiro governador do território Janary Nunes . "Ele foi funcionário público, trabalhou com secretario em Mazagão, era mais velho dois anos, ficamos casado durante 42 anos, tivemos quatro filhos: Maria Alvanéia da Silva Henrique - Professora; Agostinho Lopes Henrique Neto - Professor de Educação Física ; Aldomário da Silva Henrique - aposentado do Banco do Brasil e hoje atua como parteiro em um hospital em Bragança e Ana Katia Silva Henrique - Professora que me deram 12 netos e quatro bisnetos".
Aconteceu uma separação por iniciativa de Álvaro, pois cumprindo os costumes da época, Dulcinéia tinha conhecimento das constantes puladas de cercas do marido, por quanto se dedicava a criação dos filhos, da casa e dele, ele faleceu há sete anos. "Sempre cumprir meu dever de esposa e mãe, nunca questionei suas fugidas, tanto que um dia ele que questionou seu gostava dele, por nuca querer saber onde andava, lhe respondia: O amor é igual uma planta, se você não rega ela morre. Ele saiu de casa. O que eu tive de positivo desse relacionamento foram os meus filhos que hoje são meus amigos, nunca me deram problemas, apesar de toda a desgraça que se alastra no mundo meus filhos sempre tiveram responsabilidade".
Hoje Dulcinéia Henriques, vive sozinha em uma quitinete na Avenida Mãe Luzia, por opção e por conhecer sua personalidade, o patrimônio que ela e o marido amealharam durante mais de meio século, foi dividido entre os filhos. "Eu moro sozinha, por que não dar certo para mim morar com ninguém, sou independente. Eu fui criada de uma forma e hoje a geração e outra, eu admiro muitas coisa dessa nova geração, tem muita coisa boa, mais tem umas que eu não aceito: o desrespeito aos mais velhos, o tratamento dados aos pais, muitos são espancados e achincalhados pelos filhos, principalmente quando estão idosos. Porém, dou sempre meu palpite e conselhos a eles".
Convidada a passar uma mensagem aos jovens, ela acentua a falta de controle da família na criação dos filhos, excesso de liberdade leva a anarquia e o desrespeito. "Eu sou uma pessoa amada pelas pessoas, mais fiz por merecer. Aqui onde moro só tem jovens. E peço a eles que pensem melhor, que respeitem a si e aos outros. Procurem conversar sejam sinceros no que fazem. E que sejam felizes, como eu sou e meus filhos, netos e bisnetos são".
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