Apagões
elétricos
Dano
emergente e lucro cessante
Reinaldo Coelho
Da Reportagem
Vivemos atualmente em uma sociedade
dependente da eletricidade. Em todos os segmentos da população, a eletricidade é usada continuamente.
Na Zona Rural é comum vermos uma antena
parabólica instalada nas casas dos moradores indicando a presença de um
aparelho de televisão. Aparelhos elétricos como chuveiro, ferro de passar
roupa, geladeira, TV, aparelho de som, telefone são comuns nos lares brasileiros.
Podemos imaginar como seria difícil a nossa vida sem o uso desses aparelhos.
Na maioria das empresas vemos computadores,
caixas usando código de barras e cartão de crédito para pagamento. Tudo isso
interligado à rede elétrica e à internet. Todos esses dispositivos são
dependentes da eletricidade. Também vemos o uso intenso da eletricidade nos
hospitais, nos sistemas de comunicação (rádio, televisão e internet), na
administração pública, nos sistemas de transportes, na produção e conservação
de alimentos.
No setor industrial o uso da eletricidade
também é fundamental. É difícil imaginar uma indústria sem motores elétricos
que fazem movimentar os diversos equipamentos.
Na década de 50, Macapá sofria com os apagões
programados, pois a energia do então Território do Amapá era produzida por
usinas termelétricas movidas a óleo diesel e as maiorias dos empresários tinham
de possuir geradores próprios. Isso foi resolvido com a construção da Usina
Hidrelétrica do Paredão, foi um salto para a modernidade na década de 70.
A partir daí o Amapá, com a transformação em
Estado, procurando o seu desenvolvimento econômico, foi incluído na expansão do
Linhão de Tucuruí e a construção de três hidrelétricas, sendo uma no município
de Porto Grande, outra em Ferreira Gomes e a de Santo Antonio em Laranjal do
Jari.
Porém o gargalo energético se manifestou na
distribuição da energia pela velha CEA, a nossa complicada e endividada
Companhia de Eletricidade do Amapá que constantemente vem mantendo
desligamentos zonais, além da energia oscilante, causando queima de
eletroeletrônicos.
Entretanto, o maior prejuízo está recaindo
nas empresas que necessitam da energia elétrica para executarem suas atividades
produtoras. Os que têm mais somados esses problemas são os comerciantes e produtores
de gêneros alimentícios.
Um caso emblemático foi o ocorrido em dose
dupla na Chácara São José, localizada no Distrito de Fazendinha (Macapá). A
empresa atua no ramos de piscicultura, suinocultura e eqüinocultura. O seu
proprietário, Paulo Roberto Melém, recebeu a reportagem indignado com a
situação a qual passou entre os meses de julho e agosto.
60 mil Tambaquis de 200 gramas mortos |
Ele narrou que depois das sucessivas quedas
de energia sofridos no mês de julho, aconteceu um apagão durante três dias, o
que lhe causou a morte de 60 mil tambaquis de 200 gramas, por falta de
ventilação, ou seja, os aradores queimaram deixando de renovar a oxigenação dos
tanques.
“Infelizmente é esse tipo de
irresponsabilidade que temos que cobrar. Não podemos mais aguentar, é assim que
vocês querem desenvolver o Estado paralisando os pequenos empresários, fazendo
a gente demitir, nos fazendo fechar as portas, mas vocês não vão conseguir,
vocês vão ver do que são capazes de fazer os pequenos empresários unidos, nós
vamos nos unir contra essa situação absurda
da falta de energia”, desabafou o empresário.
Os fatos
Nos dias 19, 20 e 21 de julho ocorreu um
apagão no Distrito de Fazendinha. A Piscicultura São José tinha em seu viveiro
70 mil tambaquis do tamanho de 200 gramas, ou seja, de 90 dias de criação, para
eles chegarem aquele tamanho, foi gasto R$ 55 mil de ração, algo em torno de 30
toneladas. “A partir daquele tamanho é feito uma pré-seleção e eles são
distribuídos em outros tanques para crescimento e engorda. Essa é uma fase
muito delicada, pois nesse momento o peixe precisa de muito oxigênio, renovação
de água e sol. E para garantir que isso aconteça e funcione 100%, utilizamos os
aeradores. Possuímos dois deles que atendem uma área de 5000m2, aumentando
assim a capacidade de oxigenação dos tanques. E o que aconteceu? No dia 19 de
julho faltou energia por voltas das 14 horas e começou uma oscilação
intermitente, os aeradores “torraram”. As bombas de 7 mil cavalos foram todas “queimadas”
informou criador de peixes.
De acordo com Paulo Melém sua primeira providência
foi acionar a empresa de distribuição de energia, no caso a CEA. “Eu tenho foto
do meu celular com contatos (veja foto). Por volta de 23:00 horas comecei a
fazer as ligações e não fui atendido.
De acordo com a legislação, tanto que a
empresa tome conhecimento da situação, ela deve imediatamente mandar uma equipe
para verificar a situação relatada e autorizar o reparo dos danos,
principalmente quando se trata de animais vivos.
Sem manifestação da CEA o empresário teve que providenciar o mais rápido possível a
solução dos problemas causados pelo apagão. Contratou com um técnico particular
que providenciou os consertos, porém, mesmo assim não pode evitar a grande
tragédia, que ele narra indignado.
“No outro dia, amanheceram meus 65 mil
tambaquis mortos pela falta de oxigênio. Pois, a noite o nível de oxigenação
vai para praticamente zero e o aerador segura, porém estava queimado. Meu
prejuízo foi de 15 toneladas de peixe, financeiramente um peixe nesse tamanho
custa R$ 4, totalizando R$ 260 mil. Porém, se eles cumprisse o ciclo de nove
meses para o crescimento e engorda,
teríamos 140 toneladas de pescado que
vendidos a R$ 8 resultaria em R$ 1.120 milhão. Esse quantitativo corresponde a
80% da nossa produção/ano”.
Piscicultura
Paulo
Melém, economista, especialista em gestão pública explicou que atuar na piscicultura
é um dos melhores investimentos, pois peixe se vende em qualquer local em
qualquer hora, ele é a base alimentar do cidadão amazônico. “É um negócio muito
lucrativo. Para iniciar fiz pesquisa de mercado e constatei esse fato. Pode
produzir 300 toneladas de peixe/ano, que tudo será consumido pelo amapaense. O
quantitativo de consumo de peixe aqui no Amapá é diferente do sudeste, a média
é pequena. Na Amazônia é a base alimentar” disse Paulo.
Empreendedorismo rural
A
reportagem analisou junto com o produtor Melém o início das atividades da sua
empresa rural. “Com referência ao meu empreendimento, que foi iniciado em 2007,
com seis tanques, conseguimos chegar hoje a uma escala de produção de 150
toneladas/ ano, podemos assim dizer que em nível de produção a Piscicultura São
José é uma das maiores do Estado” declara Paulo.
Ele
relata que tem abastecido o mercado macapaense e utilizado a estrutura montada
pela PESCAP, pertencente ao Governo Estadual. “Na Semana Santa o governo
estadual, anunciou a colocação de 100 toneladas de pescado para a venda nos
postos da PESCAP, 50 toneladas foram da nossa piscicultura, isso ao preço de R$
8 o quilo do Tambaqui vivo. O GEA entrou com essa estrutura. Porém, ao mesmo
tempo em que ele entra com essa estrutura, a Companhia de Eletricidade do Amapá
(CEA) não nos garante a regularidade de produção” declara.
“Recentemente
conseguimos licença ambiental, para abrirmos mais 10 tanques, e procuramos
executar essa ampliação com meios de baixar o custo dos serviços. Temos todas
as licenças ambientais, tenho autorização do DNPM, tenho parceria com os oleiros,
eles cavam os tanques e pegam a argila licenciada e leva para produzir as
telhas e tijolos com destinos a construção civil. Isso reduz meus custos para a
escavação, pois só cavei seis tanques, pois cada um custa em torno de R$ 40 mil
e com a parceria economizei nos custos do empreendimento e que chega à mesa do
consumidor, pois barateia o quilo do peixe” finalizou Melém.
Denúncias
Pedro
Melém convocou a imprensa e denunciou o descaso da CEA com os pequenos e médios
empreendedores. “Constantemente procurei a CEA e nada foi resolvido então
comecei a por a “boca no trombone”. Pedi um laudo de uma empresa especializada,
no caso a PESCAP, pois os melhores engenheiros de pesca estão atuando na
instituição. Tenho esse laudo do PESCAP, que confirma que as normas são
seguidas, que é realizado análise de água a cada seis meses obrigatoriamente. A
Embrapa é nossa parceira, não tive como
esperar a CEA para consertar a bomba, pois lido com material vivo, sem bomba morreriam mais peixes. Juntei todas as
notas dos serviços de consertos, de acordo com informação eles só ressarcem se
eles observarem. E com esse laudo me preparei para acionar a CEA
administrativamente e pedir o ressarcimento, eu quero o que perdi, pois o
conserto de uma bomba custa R$ 450” declarou Paulo.
Repeteco
Porém
o pior estava por vir, tudo se repetiu no dia nove de agosto, a empresa São
José recebeu uma remessa de 50 mil alevinos às 20hs e mais uma vez tinha
acontecido um apagão, entre as providências anteriores o proprietário adquiriu um gerador pequeno. “Para prevenção em vista
ao apagão de julho e passamos a colocar os alevinos no tanque, e mais uma vez
não tínhamos como ligar o aerador, estava queimado novamente. O resultado qual
foi? A mortandade total da remessa recém adquirida. Mais R$ 15 mil de prejuízo,
parece que não é nada, porem daqui a 12 meses teríamos 100 toneladas em média”
informou.
Esses
prejuízos que além de doer no bolso do empreendedor, trás problemas aos que
dele dependem. “Tenho nos quadros da empresa dez funcionários, com carteira
assinada. Com mais esse prejuízo me veio à indignação. Eu tinha um empréstimo
do FNO de R$ 100 mil peguei uma parte desses recursos e comprei um gerador
maior, porque não dá mais para confiar. Porém a CEA terá de me repor os
prejuízos” cobra Paulo.
Biodigestor
A Chácara
São José além de piscicultura trabalha com eqüinocultura e suinocultura, de
acordo com Paulo Melém, devido às circunstâncias catastróficas acelerou a
montagem do projeto de instalação de um Biodigestor para produzir biogás e
biofertilizante. Um biodigestor é um sistema simples para conseguir resolver as
questões energéticas e ambientais, bem como realizar uma gestão adequada dos
resíduos, tanto humana e animal. “Temos 200 porcos de raça que fornecerão os
detritos para a produção do biogás e o meu gerador deverá receber um adaptador
para funcionar com o diesel e o biogás. Então essa será minha saída, para não
depender da energia elétrica incerta fornecida pela CEA e terei gás de graça,
que irei transformar em energia. O gerador deverá ter três pontos, um para o
biogás, outro para o diesel, o terceiro da CEA” relatou Paulo.
O pior
de tudo é que a empresa não realiza um planejamento, pontuado os locais
críticos, onde a energia é essencial para a produção industrial, causa prejuízo
do dono da quitanda ao grande produtor. E não envia uma comunicação aos seus
consumidores, detalhando mensalmente os dias e horas dessas interrupções, para
que as pessoas pudessem se prevenir. “Meu
vizinho Pedro Bastos tem uma olaria aqui próximo com quatro fornos parados há
dias. Como a sua produção é de aproximadamente 40 milheiro por dia/forno, o
prejuízo é enorme, e ele emprega
mais de 150 pessoas que dependem
da produção para terem seus salários. Ele não tem perda material, mais tem
prejuízo econômico” informou.
No Pólo
hortigranjeiro do PA da Fazendinha, existem 560 produtores, que dependem de
irrigação para molhar suas hortaliças, se ficarem sem molhar um dia perderão
tudo. “Hoje faltar energia no Pólo da Fazendinha e no Pólo Industrial é
prejuízo econômico para os empresários e
para o estado e município que não arrecadam” disse.
“Eu
estou procurando uma alternativa, pois a piscicultura para mim é uma fonte
renda, uma garantia de subsistência. Sustento dez pais de famílias com todas as
garantias sociais e previdenciárias. Peixe vende, aonde for ele vende. O
cidadão compra no Mato Grosso do Sul o tambaqui a R$ 6,50 e ele paga por quilo
para chegar congelado aqui a R$ 8 e é vendido de R$ 14 a R$ 18 o kg. Porque o
peixe de lá chega a 2 a 3 kilos? Por que o produtor tem dois mil hectares, sendo
mil de lâminas d’água e mil de plantação de arroz, cevada, etc... E tem sua fábrica
de ração. Aqui temos condições de vendermos a R$ 8 o kilo. O entrave é a falta
de investimento na industrialização local da ração, que serviria para baratear
o preço do peixe.
O
Amapá já tem produção suficiente para industrializar a fabricação de ração
local. O setor agrícola cresceu muito. Na produção de soja de 2013 foi colhido
70 mil sacas. Já a produção de farinha estagnou, pois ainda se mantém numa
produção artesanal. A soja, o milho e o sogo, que são a base para se fazer uma
ração de qualidade, já são produzidos no Amapá.
Paulo
explica que conseguiu “suframar”, através da Área de Livre Comercio de Macapá e
Santana (ALCMS), a sua empresa. “As 60 toneladas que adquiro em Anápolis (GO), já
vem com 14,05% de desconto. E vem a CEA e me quebra no nascedouro do meu
empreendimento” reclama Paulo.
Paulo
lembra que o Amapá já teve uma grande produção avícola, que abastecia o mercado
local. “Eram muitas as granjas que criavam as aves e vendiam in natura para os
amapaenses, com a vinda dos Supermercados, começou a ser importado frangos de
outras unidades e com o preço exorbitante da ração, elas foram fechando e hoje
dependemos totalmente da importação desse segmento. O mesmo aconteceu com o
leiteiro, o município de Amapá, produzia leite e o industrializava,
transformando em iogurte, faliu. Porém com a piscicultura isso não acontecerá”
finalizou Paulo.
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