Por uma iconoclastia sadia
Digam o que disserem a respeito de sua derrota na última
luta, Anderson Silva tem razão ao afirmar que os brasileiros "querem
derrubar os ídolos". Em uma entrevista para o site Combate, o ex-campeão
dos pesos-médios declarou o seguinte: "É um mal cultural dos brasileiros.
Eles acreditam muito nos ídolos, mas depositam as frustrações neles. Quando
eles não vão bem, querem derrubar os ídolos. Mas o trabalho continua. Vamos
tentar trazer o cinturão de volta para o Brasil".
De fato, os brasileiros não sabem lidar com a derrota
daqueles que colocaram sobre um pedestal. Sofrem junto, de uma maneira não
sadia, e depois de voltam contra os antigos deuses. Esse fenômeno entre os
brasileiros é observável em relação a qualquer nome notório que tenha
despertado comoção nacional, seja por grande ou insignificante feito, e que,
após uma falha, acabou sofrendo rejeição em massa, como é o caso do próprio
Anderson Silva.
O mundo virtual é a principal arma dos arautos de ídolos
decaídos, muito provavelmente pela abrangência, frivolidade e impunidade do
meio. Nas redes sociais e sites com espaço para comentadores, vemos o povo
despejar suas mais ferozes manifestações de apreço ou repulsa por suas
celebridades. Como explicar tal vigor? Parece que exigimos de nossos ídolos não
apenas uma postura que seja digna da admiração que lhe dedicamos, mas também
que sejam perfeitos, sobre-humanos - o que é impossível. Com nossas demandas
irreais, ferimos aos ídolos e a nós mesmos, fazendo de decepções bobas um
motivo de depressão ou ódio.
Apreciadores de luta ou não, fãs de Anderson Silva ou não, o
fato é que todos nós pudemos observar a febre da idolatria dedicada ao Aranha
enquanto este permanecia invicto, defendendo o cinturão de campeão na categoria
Peso-Médio do UFC (Ultimate Fighting Championship). Surgiram então até boatos
de que seria invencível e, se duvidar, inclusive imortal. Dizia-se que algo em
seu DNA o fazia diferente, que sua flexibilidade e agilidade não eram humanas
e, sem mais exageros, que ele poderia ser mesmo o real e único super-herói
nacional. Perdeu a última luta, contra o norte-americano Chris Weidman, e o
Brasil mergulhou em luto, perdendo seu símbolo.
Mas, logo em seguida, deposta a tristeza, veio a rejeição
feroz. Criticando a atuação "brincalhona" de Anderson no octodromo,
coisa que antes era tão aplaudida e celebrada - percebam já a contradição -,
nós, brasileiros, rapidamente viramos a casaca e passamos a perseguir aquilo
que endeusávamos, porque os deuses não corresponderam às expectativas.
O erro, contudo, não está nos notórios nomes que
experimentam derrotas ou momentos difíceis nas carreiras. O erro está em nós
que enxergamos neles uma espécie de messias e, em suas causas, nosso próprio
nirvana. Não é nada disso. Que aprendamos a admirar os que são admiráveis, sem,
contudo, exigir que sejam mais do que são: uma reluzente distração.
Anderson Silva nocauteado por Chris Weidman, para
desesperado dos idólatras
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