sexta-feira, 13 de setembro de 2013

O domínio da razão sobre o sentimento na arquitetura

A frase deste artigo foi objeto de uma aula na disciplina de Projeto de Arquitetura no Curso de Arquitetura da Universidade Federal do Pará, naquela época, havia um professor que afirmava a necessidade de se obter o equilíbrio do traço¸ de desenhar uma reta entre dois pontos, sem o uso de uma régua, este efeito dominaria a razão sobre o sentimento, quanto mais à reta fosse uniforme, melhor se aproximaria de um estilo racional, evitando que o traçado fosse influenciado por um forte condutor que move o ser humano, o sentimento.
Naquele momento na condição de acadêmico, não tinha o amadurecimento para compreender a profundidade do que significava o teor desta frase e sua implicação para o exercício da vida profissional como arquiteto. Durante todo o século XX a arquitetura foi fortemente influenciada pelas raízes do movimento modernista que culminou com a criação de Brasília.

Ao pensar o traçado de Brasília anos depois da celebre frase do professor, compreendi o real significado da frase: o domínio da razão sobre o sentimento. Brasília era exatamente isso, o domínio do lado racional de pensar a cidade, isolando o homem, até então, o principio de formação das cidades sempre esteve dentro de uma concepção clara, de integrar as pessoas, Brasília era exatamente o inverso disso, em que momento o sentimento deveria permear o trabalho do arquiteto?

Arquitetura sempre foi a maior referência da cultura edificada de um povo, de uma nação, de uma civilização, não são poucos os exemplos registrados na história que nos permitem refletir profundamente a ideia de que a racionalidade predomina sobre o sentimento. No ano de 2010, conheci o trabalho de Gaudí, arquiteto catalão de Barcelona. A obra de Gaudí é puro sentimento, ao contrário de Brasília, a Sagrada Família une aquilo que é imprescindível muitas vezes no trabalho do arquiteto, o sonho, a utopia e o inesperado, esta obra tem um pouco de tudo isso.                 
A Sagrada Família tem nos esboços de Gaudí, algo que desmistifica a frase do domínio da razão sobre o sentimento, é pura emoção, para criar é preciso um pouco de cada coisa, mas acima de tudo, viver profundamente a plástica como poesia, o transcendentalismo que move a obra de Gaudí é diferenciado de ambientes puramente surreais, o que seria da arquitetura e dos arquitetos se não fosse à emoção e o sentimento?

Mas, é fato que a arquitetura tem caminhado em uma trilha onde na maior parte das vezes tem predominado o lado racional, tudo motivado pela ditadura do cliente, ao arquiteto é imposto o excesso de regras, condutas para que o produto final seja condicionado por interesses especulativos do capital, a velha discussão sobre forma e funcionalidade. A quem interessa isto? A obra deve atender aos requisitos funcionais e não mais aos devaneios do criador (arquiteto). Dominar a razão sobre o sentimento é muito mais que uma frase, é a essência que transformou a arquitetura ao longo de décadas.
 Estará ameaçada a capacidade de invenção do arquiteto? Inovar exige estudos aprofundados e pesquisas, renovar as ideias, é não se conformar apenas com o conservadorismo, ser ousado. 

Conheci um livro importante ao longo da minha formação como acadêmico de arquitetura, chamava-se: A invenção do projeto, a proposta visava mostrar que a criação é parte de um exercício continuo de estimulação visual, o jogo de interação de formas, vem do natural, da necessidade de aguçar a percepção, arquitetura tem disso. Portanto, dominar a razão sobre o sentimento nos leva a outras reflexões sobre as interações entre a cidade e arquitetura, a discussão histórica proposta por grandes arquitetos como Leonardo Benévolo, Giulio Carlo Argan e Bruno Zevi.

O que aconteceu com a ideia de se pensar a cidade. Nos dias atuais existe o que se chama de sentimento racional excessivo, são excessos de regras que condicionam o processo criativo. Na Invenção do projeto, também há aquilo que chamamos de método, o autor do livro nos propõe a discussão sobre intuição e método no trabalho de arquitetura.
 Domínio da razão sobre o sentimento nos leva a pensar também no exercício da critica em arquitetura e nos valores culturais do lugar. Como então, não pensar o que propôs Bratke na essência da Vila de Serra do Navio no formato de uma colher, de pensar em integrar a condição natural a realidade do lugar, não se deixou impregnar pela excessiva ideia racional que lhe imputava a concepção de uma cidade empresa.

Para compreender a lógica no nosso tempo é preciso um amplo exercício de filosofia, isso nos falta, não é somente na arquitetura, mas em todas as outras profissões, tá lógico demais! Talvez, fosse isso que o professor de arquitetura naquela época se referia. Qual o preço da razão sobre o sentimento na arquitetura? E como dominar a razão, sem ser envolvido totalmente, eliminando qualquer possibilidade de usufruir do sentimento como algo necessário e importante no trabalho de criação.


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