sexta-feira, 27 de setembro de 2013

O sertanejo que está revolucionando o ensino no interior do Ceará

Nesta edição quero compartilhar com você caro leitor, está reportagem publicada em O Globo, no dia 22 de setembro (domingo), sobre EDUCAÇÃO. Ela foi feita pelo repórter Mauro Ventura, é um daqueles achados neste Brasil de dimensões continentais que temos que reconhecer.

Tudo começou em 1994, com sete jovens -  seis rapazes e uma moça - estudando numa casa de farinha desativada ou debaixo de pés de juazeiro, sentados em cadeira velhas. Moravam em Cipó, comunidade rural de apenas dez famílias a mais de cem quilômetros de Fortaleza, no Ceará. Hoje eles são milhares e estão provocando uma revolução educacional no estado. É o Prece, é o Programa de Educação em Células Cooperativas, quem em 2014 completa 20 anos, por trás de tudo está  Manoel Andrade, de 53 anos, doutor em Química da Universidade Federal do Ceará (UFC). Um dos dez filhos de um casal de agricultores, o pai mal sabia ler e a mãe tinha apenas a quarta série primária. Como em seu lugarejo não tinha escola. Manoel aos 9 anos foi morar com os avós em Fortaleza para estudar. Quando começou a pós-graduação, passou a voltar todo o final de semana a Cipó, onde teve a ideia do Prece. No programa não há professor. Cada estudante ensina aos demais uma disciplina favorita. Juntos, esses alunos compartilham conhecimentos, apoiam-se mutuamente, superam deficiências de aprendizagem e passam no vestibular.
O GLOBO: Quem eram esses estudantes pioneiros?
MANOEL ANDRADE: Eram todos excluídos educacionalmente e hoje, dos sete, só um abandou os estudos. Os demais se graduaram. Um que na época havia parado na quarta série e estava com 20 anos virou doutor em Química e pesquisador na Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Outro tinha 20 anos e cursava a sexta série está terminando o doutorado em Fitopatologia. Tem ainda um agrônomo uma professora de História, um mestre em História e um graduado em Teologia.
Na época, houve reação dos pais dos jovens da região?
Sim. Os pais eram agricultores analfabetos. Na visão deles, os filhos precisavam trabalhar   para ajudar a sustentar a família. Como aqueles jovens, que liam e escreviam de forma precária, entrariam na universidade? Mas, dois anos depois, um dos estudantes. Francisco Antônio, o Toninho, foi aprovado em primeiro lugar no vestibular de Pedagogia da Universidade Federal do Ceará(UFC). Seis meses depois, outro também passou. Em 1988, eram quatro na UFC. O sucesso deles atraiu outros jovens.
Como surgiu a ideia do Prece?
Tem origem num episódio que me ocorreu aos 16 anos. Um jovem Flávio Tabosa Barroso, me convidou para participar de um grupo de estudos. Perguntou o que mais eu gostava de estudar "Biologia". E ele: "Então você vai nos ensinar Biologia". Cada um ensinava aquilo que mais gostava. Então foi uma revolução na minha vida. Quando comecei a voltar a Cipó, resolvi repetir minha experiência. Eu botava os meninos para estudar juntos e os levava no meu carro para conhecer a universidade. Eles se animavam ao ver alguém de região que teve sucesso graças ao estudo.
O que essa metodologia de aprendizagem em grupo mostra?
A experiência. Dos grupos de estudos (também chamados de células de aprendizagem cooperativa) deu certo. Não pode ser só o professor dando aula, uma transferência impositiva de um ado para o outro. Você aprende muito mais interagindo, cooperando, compartilhando conhecimento e trocando saberes com os outros do que apenas recebendo informação.
Aqueles sete iniciais são milhares....
Estamos influenciando a rede púbica do Ceará. A secretaria de Educação do estado me chamou para montar um programa para cada escola estadual. Já preparamos cerca de 2.500 estudantes para organizarem grupos de estudo. Eles estão se proliferando por todo o estado e já há um programa em Mato Grosso inspirado no nosso. Graças ao Prece, cerca de 500 jovens de origem popular entraram na universidade. E mais de 30 cursam ou já cursaram a pós. E não é um êxodo rural, porque, ao ingressarem na universidade, eles passam a retornar às suas comunidades e fundam novos grupos de estudo no interior, transformando as realidades de suas regiões. Nossa utopia é contribuir para a construção de uma escola pública de qualidade.

Por Mauro Ventura

Nenhum comentário:

Postar um comentário

ARTIGO DO GATO - Amapá no protagonismo

 Amapá no protagonismo Por Roberto Gato  Desde sua criação em 1988, o Amapá nunca esteve tão bem colocado no cenário político nacional. Arri...