quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O Preço das tragédias urbanas: o caso do Perpetuo Socorro


A tragédia ocorrida na cidade de Macapá no Bairro do Perpetuo Socorro é um episódio para ser pensadas e refletidas amplamente, tragédias deste tipo, tem causa certa, a desestruturação do espaço urbano. O incêndio registrado nesta área trouxe inúmeras lembranças de outra área que convive no limite, a cidade de Laranjal do Jari. Nos últimos quarenta anos, Laranjal do Jari na área de várzea se caracterizou, assim como no Perpetuo Socorro como uma área aglomerada, as casas estão agregadas em filas extensas, sem o afastamento lateral ou dos fundos, dando a sensação de um ambiente único. Neste tipo de casas aglomeradas, os riscos são múltiplos, qualquer situação de adversidade, como um foco de incêndio localizado rapidamente atinge um número grande de edificações.
Ao longo de décadas tem sido cômodo para os governos em todas as esferas agirem de forma pontual e menos estrutural. Nesta última década, concentrou-se os investimentos basicamente na construção de casas através dos programas Minha Casa Minha Vida e do PAC, pouco ou quase nada foi aplicado na revitalização ou reestruturação de áreas ocupadas principalmente as proximidades de áreas centrais ou com características ribeirinhas, bem típico da região amazônica. Este pensamento pragmático de pensar o desenvolvimento urbano das cidades no Brasil tem provocado profundos danos, não somente de natureza material, mas psicológica e principalmente na alteração dos níveis mínimos de qualidade de vida urbana.
Áreas aglutinadas ou agregadas como do Perpetuo Socorro podem passar anos sem ter nenhum tipo de adversidade, porém, basta um acontecimento trágico para as consequências serem devastadoras. Um dos principais fundamentos neste tipo de episodio é a assistência dos setores públicos e da população em geral em prestar o apoio necessário a todos que perderam praticamente tudo, porém, é preocupante quando tais tragédias  se trata o efeito e não a causa. O problema das pessoas que foram vitimas desta tragédia, não é somente da falta de casa, mas do direito ao entorno. 
O planejamento tem sido tão secundário no Brasil, ao longo das últimas duas décadas, quem condicionou a atuação dos governantes foram os órgãos de imprensa, a mídia em geral passou quase que cotidianamente a divulgar os problemas urbanos que tinham os protestos da população com a imediata ressonância dos efeitos midiáticos. Os setores técnicos de planejamento tornaram-se algo secundária e em segundo plano, basta perceber as estatísticas de setores governamentais, todos estão relacionados aos aspectos quantitativos. Quanto disso? Quanto daquilo? E as informações qualitativas? Quem foram os beneficiados? Quais as metas atingidas? Os alcances? Níveis de geração de emprego e renda? 
Os programas do governo federal através das fontes previstas pelo Ministério das Cidades abrem um leque de perspectivas para investimentos em infraestrutura, vital para que os municípios estejam organizados com planos diretores elaborados, projetos setoriais definidos e com a definição de metas claras e com continuidade. Um dos maiores entraves do planejamento urbano no Brasil tem sido a falta de continuidade na elaboração e execução de políticas públicas urbanas. 
 Como pesquisador na área de Planejamento Urbano, trabalhando vários anos no segmento, percebo de forma generalizada, que o tratamento dado para as tragédias é a ação paliativa e temporária, quando, na prática, o certo é também fazer o planejamento e a prevenção de situações deste tipo. Para as famílias atingidas, o prejuízo não é apenas material, mas também da relação de identidade, pois com o deslocamento para outras áreas da cidade, as perdas e os laços são imensos. O episódio do Perpetuo Socorro também mostrou, o quanto lugares com baixas condições de salubridade apresentam múltiplos riscos de saúde, um volume grande de casas destruídas tinham na base das edificações caroços de açaí, facilitando o aparecimento e o aquecimento para todos os tipos de animais peçonhentos.
Quando assistimos na televisão episódios de tragédias urbanas, as causas de tais tragédias estão na ocupação de margens de rios, morros, serras, áreas frágeis e construções com baixo padrão de qualidade, tudo isso proibido por lei, mas na prática, e com jeitinho tudo é permitido. O resultado são os elevados índices de desabrigados. Segundo a Folha de São Paulo, o descaso é enorme no Brasil. Dos recursos previstos no orçamento da União anualmente para ações de prevenção de desastres, apenas uma parte são utilizados. 
Segundo diversos artigos científicos produzidos sobre áreas degradadas, a crueldade é parte do cenário da pobreza urbana. É preciso mais que um plano estratégico. É importante avaliar a ampla necessidade de repensar o espaço urbano e sua ocupação desenfreada sem nenhum controle, definir recursos com proposições concretas e ações duradouras evita a improvisão e protege todos os cidadãos de situações adversas.
Tragédias urbanas como ocorridas no Bairro do Perpetuo Socorro na cidade de Macapá têm sido inevitáveis, pouco se tem investido em planejamento urbano e prevenção. Boa parte dos recursos gastos para a reconstrução das cidades atingidas se resumem na construção de casas, entretanto, pouco se aplica  nos investimentos de prevenção, evitando que os danos sejam mais acentuados, seria o grande momento para os gestores em conjunto com os cidadãos repensarem a aplicabilidade prevista no Plano Diretor e construir uma agenda de projetos de revitalização da cidade. Portanto, qual o preço das tragédias urbanas?

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