sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Serra do Navio: 50 anos de glórias e contradições

Quando se fala de Serra do Navio não há como falar do imaginário de milhares de pessoas e do período vivenciado a partir de 1960. Muitos escritos têm sido publicados sobre este importante projeto na área mineral executado na região amazônica, porém, deve-se salientar que tais publicações têm registrado questões importantes em relação ao comprometimento ambiental desta região. Uma das obras é a de Drummond sobre a trajetória do manganês no Amapá, no âmbito interno do nosso Estado, vários trabalhos foram publicados pela Universidade Federal do Amapá nos últimos sete ou oito anos.

Na área de arquitetura e urbanismo, uma das primeiras referências é uma dissertação de mestrado defendida na Universidade de São Paulo no ano de 1992, de autoria do engenheiro Benjamin Ribeiro. Esta obra é pioneira, pela primeira vez apresenta um conjunto de imagens e fatos relevantes sobre a criação da Vila de Serra do Navio. O livro evidencia com propriedade a trajetória para a implantação da Vila, e o importante papel desenvolvido pelo arquiteto Oswaldo Bratke. Nesta obra, a fonte principal é o projeto e efetivação da obra, a peculiaridade e o caráter assumido de forma metodológica pelo arquiteto, algo que chama atenção.

O projeto de Serra do Navio é uma a referência sobre a concepção de uma arquitetura moderna adaptada na selva amazônica, algo considerado notável, entretanto, as referências sobre o trabalho de Bratke é muito periférica na literatura nacional, os registros principais dão conta na obra de Hugo Segawa. Tive a oportunidade por um período de quase dois anos realizar um estágio de pós-doutorado na Europa, neste tempo, realizei algumas palestras sobre o projeto de Serra do Navio, era interessante ver a curiosidade do público sobre este assunto.

O tema deste artigo na realidade é uma apologia e com certo atrevimento, de discutir quais as glórias e que contradições podem ser elucidadas sobre o projeto de Serra do Navio? Para muitos autores, as glórias estão diretamente relacionadas a invenção de uma cidade na grande clareira da selva amazônica; dos indicadores obtidos para época  entre os melhores do Brasil; da formação de uma Vila com características peculiares e detalhamento minucioso, entre as contradições: as artificialidades de uma cidade Company Town; a falta de um projeto pós-ocupação; o processo de tombamento do patrimônio conflituoso. No imaginário dos amapaenses que vivenciaram este trajeto em Serra do Navio, havia um limite tênue entre sonho e o pesadelo.

A coletânea sobre o livro Serra do Navio: 50 anos de glórias e contradições, surgiu a partir da criação do curso de Arquitetura e Urbanismo no ano de 2004 e do Mestrado em Desenvolvimento Regional no ano de 2006. Neste trajeto de quase 10 anos, foi possível materializar diversos trabalhos científicos e acadêmicos sobre o projeto e construção de Serra do Navio. Destaco, a produção de 02 dissertações de mestrado que tratam de uma abordagem interessante e abrangênte do projeto, sem descuidar de um contexto político, econômico e social, resultando na saída antecipada da empresa ICOMI no ano de 1998.

As controvérsias passam inclusive pela estratégia da criação do município de Serra do Navio, pois em 1992, Serra do Navio não tinha terras, e nem patrimônio, portanto, o município foi criado de maneira completamente virtual. Serra do Navio foi idealizada de maneira criteriosa quanto a aplicabilidade de preceitos sociais, culturais, econômicos, visando viabilizar a produção de uma arquitetura integrada ao meio natural. Na contrapartida deste processo, não ocorreram as medidas  necessárias por parte da empresa ICOMI, tão pouco, aconteceu por parte dos governos do Brasil e do estado do Amapá a preocupação com o processo pós-ICOMI.

Os 12 anos de tramitação do processo para realizar o tombamento do patrimônio arquitetônico e urbanístico causou danos irreparáveis para a Vila de Serra do Navio, pois neste período ocorreram inúmeras modificações nas edificações, talvez, a pior delas foi a forma como decorreu a passagem para quem tinha a cessão e posse das edificações. Na atualidade, o IPHAN é visto como uma instituição inimiga da sociedade local. A contradição sobre o tombamento evidencia que faltou maior inserção de todos os segmentos públicos e privados para discutir qual seria o destino futuro da cidade? Serra do Navio convive nos dias atuais com diversos problemas estruturais. Todo a infraestrutura idealizada na época pela ICOMI para atender no máximo a uma população de 2.500 pessoas nos últimos anos entrou em colapso, principalmente a infraestrutura urbana, bem como, abastecimento de água e energia.
Durante os bons tempos da ICOMI, gastava-se até 400 mil dólares por mês para fazer a manutenção completa da Vila. É evidente que o futuro acena para outras possibilidades importantes e que devem ser equacionadas, pode-se destacar alguns pontos: a definição do processo relacionado a recuperação do patrimônio arquitetônico e urbanístico, tal definição, terá que equacionar os interesses em relação ao processo de ocupação dos imóveis; um segundo ponto, crucial para o futuro da cidade de Serra do Navio é a definição econômica através do desenvolvimento do turismo sustentável. Este município tem um forte apelo ambiental, além do patrimônio existente, é através de Serra do Navio a porta de entrada do maior Parque do Mundo, denominado de Montanhas do Tumucumaque.

A maior contradição que até hoje paira sobre a cidade de Serra do Navio, é o grande vazio ficou no centro do estado do Amapá. A União, o estado e município não foram capazes de dar a este lugar o valor histórico e simbólico que merece. Por enquanto, ficam as enormes expectativas de novas transformações com a melhoria do acesso de energia elétrica, abastecimento de água e definições estratégicas na área econômica. Uma das maiores glórias, reside no imaginário de uma população que assimilou a ideia de uma Vila-cidade na selva amazônica.

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