"Concorrer a uma vaga ao desembargo é avançar uma etapa. Significa tão somente que seguimos trabalhando, e agora estamos entre o quinto mais antigo. (...) Após 22 anos de judiciário, é uma honra apresentar meu nome para a vaga deixada pelo nosso querido desembargador Dôglas Evangelista Ramos. Sim, juntamos a antiguidade com a vontade de trabalhar ainda mais pela justiça amapaense".
Juíza Stella Simonne Ramos
REINALDO COELHO
A entrevista da semana é com Stella Simonne Ramos, diretora do Fórum de Macapá e juíza titular do Juizado da Infância e Juventude - Área de Políticas Públicas e Execução de Medidas Socioeducativas. Acompanhe:
Tribuna Amapaense - Macapá é, reconhecidamente, uma cidade com índices elevados de violência entre menores. Isso, certamente, dá uma carga maior de responsabilidade à Vara da Infância e Juventude. Quais são os principais entraves existentes nesta especializada?
Stella Ramos - À luz da verdade a problemática da violência é um fenômeno inquietante na realidade brasileira, onde crianças e adolescentes vêem-se vítimas frágeis e vulneráveis pela omissão do Estado quanto às medidas de proteção integral asseguradas no Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA] e Constituição Federal.
Em razão disso, notadamente, os índices de violência no estado do Amapá revelam preocupante realidade no cenário atual, cujo crescimento, em vários aspectos, decorre de uma interligação de fatores referentes à falta de obrigação familiar, dever do Estado e omissão da sociedade no que concerne o cumprimento do papel constitucional.
Neste cenário, a capital Macapá reflete maior incidência por ser um espaço de maior concentração populacional e, por corolário, objeto de absorção dos problemas sociais de naturezas distintas.
Os entraves e dificuldades existem em relação à execução das medidas socioeducativas. A unidade executora [Creas], órgão responsável pelo acompanhamento social dos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas em meio aberto, no mais das vezes, se depara com dificuldades institucionais de acesso à rede de serviços, em geral insuficiente para assegurar a inclusão social, educacional, saúde, inserção em cursos profissionalizantes e similares em benefício dos jovens em conflito com a lei.
Não obstante, o Juizado de Políticas Públicas apresenta visíveis avanços ao conduzir atividades que ultrapassam os muros da Justiça, pois não basta apenas julgar e sentenciar, é fundamental assegurar a política inclusiva e ampliar de forma positiva o raio de ações na esteira da justiça restaurativa.
TA - O estado, nas três esferas, tem uma "fábrica de jovens infratores e futuros adultos bandidos", pois o que temos nos noticiários são infrações graves sendo cometidas por jovens na faixa de 11 a 15 anos. A quebra da estrutura familiar e a omissão do Estado ajudam de alguma forma para que adolescentes cometam essas infrações?
SR - O ECA, no art. 86, preconiza que a política de atendimento aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes será realizada através de um conjunto de medidas governamentais e não governamentais de todos os entes políticos: união, estados e municípios. Contudo, não resta dúvida de que a responsabilidade para promover políticas públicas concernentes à criança e ao adolescente é do poder público, sob interlocução e vigilância dos poderes executivo, legislativo e judiciário.
A família, enquanto modelo referencial, tem papel preponderante no arco de responsabilidades, pois a ela cabe o exercício de controle e disciplinamento como condição intransferível na educação dos filhos. Outro aspecto importante refere-se a agudização da pobreza, desemprego, exclusão social, consumo e recrutamento ao tráfico de drogas, entre outras mazelas correlatas, que constituem fontes canalizadoras de grandes e graves conflitos sociais, abarcando crianças, adolescentes, adultos e famílias no instável quadro de vulnerabilidades sociais.
TA - Macapá ainda é uma cidade que convive com o problema da prostituição infantil. O que pode ser feito para combater esse mal?
SR - Eis uma agrura que ganha acentuado volume em Macapá. Vertiginoso e grave reflexo do perfil socioeconômico de mulheres jovens, mães ou solteiras, que, sem perspectivas de melhoria de vida, se submetem ao que consideram modo de vida fácil. Em muitos casos, desistem dos estudos e da busca por uma profissão digna. A cruel realidade exige e expõe vítimas cada vez mais jovens no comércio da prostituição, pois falta conscientização moral e social. Neste degradante meio, figuram crianças, adolescentes e adultos de ambos os sexos.
O Comissariado da Infância e Juventude, órgão vinculado ao Juizado de Políticas Públicas, desenvolve fiscalizações em bares, boates, casas de diversões eletrônicas e logradouros públicos e de acordo com o cronograma de execução, as fiscalizações abrangem áreas consideradas zonas de prostituição. Nas ações programadas pelo comissariado há comumente resgate de expressivo quantitativo de adolescentes e até adultos (sem documentação) em situação de flagrante prostituição e iminente risco pessoal e social.
Após recolhimento, há instauração de Autos de Proteção Específica como medida legal e, por conseguinte, os adolescentes são encaminhados aos Conselhos Tutelares para adoção dos procedimentos institucionais ante a responsabilização das famílias em relação à assunção de obrigações inerentes ao poder familiar, devendo, ato contínuo, comunicar o juízo acerca de tais providências.
É claro que tão somente retirar adolescentes das zonas de prostituição não é suficiente. Devemos-lhe promover os encaminhamentos às esferas do poder público a fim de que possam ser resguardados da inominável condição. Não bastante, o que se constata, na prática, é na verdade a ineficácia no âmbito das políticas públicas, capazes de direcionar programas e projetos sociais inclusivos que minimizem a problemática apontada. Dada a inexistência, o trabalho judicial de fiscalização torna-se inócuo, tendo em vista que se combate a consequência e não a causa, tampouco os fatores geradores da desagregação social.
TA - Referindo-se especificamente a sua área de Políticas Públicas e Execução de Medidas Socioeducativas, como está o Centro Socioeducativo de Internação em Macapá?
SR - O Cesein [Centro Socioeducativo de Internação] acolhe adolescentes em cumprimento de Medidas Socioeducativas de Internação provenientes de todo o estado do Amapá. É uma instituição subvencionada pela Fundação da Criança e do Adolescente [Fcria], vinculada ao governo do Amapá. A capacidade de atendimento é destinada a quarenta adolescentes do sexo masculino.
O Juizado de Políticas Públicas vem intensificando inspeções na unidade de regime de internação em relação aos mecanismos de funcionamento em correspondência às normas editadas pela Lei 12.594/12 - Sinase. Nestes estudos inspecionais, há que inferir que a unidade Cesein necessita de melhoramentos na estrutura de funcionamento interno e externo, atentando para adaptações elétricas, hidráulicas, alojamentos adequados, higienização, segurança e espaço físico condizente para efeito da realização de atividades lúdicas, lazer e esportivas ofertadas aos adolescentes, através de um estratégico e consistente plano pedagógico de trabalho.
As inspeções judiciais objetivam garantir, como forma de cobrança, a pactuação de compromissos acerca da adoção de meios que sinalizem melhorias no atendimento prestado aos adolescentes segregados de liberdade. As inspeções ocorrem mensalmente, e a cada ato realizado é elaborado relatório técnico sobre as modificações ou manutençao constatadas, instrumento no qual respalda providências legais em caso de descumprimento das responsabilidades assumidas em juízo.
TA - Além das constantes fugas o centro recebe mercadorias ilícitas enviadas pelo muro que o divide com o Conjunto Residencial Mucajá. Isso porque a altura do muro deveria ser de ao menos 3 metros. O que está faltando para aumentar a estrutura?
SR - Dentre as exigências expressas durante as inspeções judiciais mensais com a coordenação do Cesein, a questão da segurança interna e externa é alvo de constante preocupação. Há em curso um projeto de aumento do muro de contenção a fim de evitar a evasão de adolescentes e acesso de produtos entorpecentes no interior da unidade.
Há prazo determinado para a consecução da proposta de construção do muro, bem como adequação no serviço prestado pelo pessoal de apoio e, sobretudo, aos responsáveis pelo sistema de segurança da instituição, pois, caso persistam os erros com fatos de semelhante natureza, as providências serão judicialmente adotadas.
TA - Só existe um centro de internação no Amapá? Por quê?
SR - Embora municípios como Santana, Oiapoque e Laranjal do Jari constituam realidades que urgem a criação de unidades de internação em seus territórios face considerável contingente populacional, as cobranças em torno da implantação de novos empreendimentos de internação estão em evidência e não são manifestações atuais.
É fundamental haver amadurecimento do poder público por meio de um olhar atento e debruçado nesta real necessidade, visto que a construção do processo de ressocialização de adolescentes privados de liberdade está prejudicada em razão das dificuldades socioeconômicas das famílias em locomover-se para a capital para acompanhar os filhos, fator que resulta também nos altos índices de evasões.
TA - Consta que o contingente da Polícia Militar é pequeno e a falta de iluminação na área facilita as fugas. A senhora tem conhecimento sobre isso?
SR - Há necessidade de aumento do contingente policial, adequação humanizadora na forma de tratamento dispensado aos adolescentes em sintonia com melhorias nos aspectos físicos da unidade de acolhimento nos termos da efetiva organização do sistema de segurança geral, entre outros fatores combinados. Os motivos e condicionantes de fugas ocorrentes na instituição não são totalmente esclarecidos.
TA - Existem três pavilhões, com seis celas, cada um, no Cesein. Qual é a situação desses dormitórios?
SR - A instituição Cesein deverá ser submetida à reforma estrutural. Os alojamentos necessitam de reparos emergenciais na estrutura elétrica, hidráulica e nas condições dos dormitórios erguidos em concreto. Os banheiros chamam a atenção pelo forte odor e estado de depredação causada pelos próprios acolhidos em momento de instabilidade, agressividade.
A unidade comprometeu-se na viabilização de melhorias na logística institucional, pois é injustificável a convivência em ambiente que oferece condições não condizentes aos princípios da dignidade humana. Após inspeções judiciais recentemente realizadas, as melhorias ainda não foram efetuadas porquanto obrigação institucional.
TA - A senhora também é diretora do Fórum de Macapá, como está o acesso do cidadão às diversas varas que ali funcionam e quais as necessidades de ampliação da infraestrutura do prédio para melhoria do atendimento?
SR - O Fórum de Macapá está plenamente capacitado para dar bom atendimento ao cidadão. Óbvio que todo projeto de ampliação já contempla a visão do administrado para o futuro. Em 10 anos já temos outra realidade e nosso padrão de atendimento terá necessariamente que acompanhar essa demanda.
TA - Como uma das candidatas ao desembargo amapaense, que tem como principal critério o fator antiguidade, a senhora considera o momento como uma nova oportunidade na carreira de magistrada?
SR - Concorrer a uma vaga ao desembargo é avançar uma etapa. Significa tão somente que seguimos trabalhando, e agora estamos entre o quinto mais antigo. Na verdade nos tornamos "juízes velhos". Brincadeiras à parte, após 22 anos de judiciário, é uma honra apresentar meu nome para a vaga deixada pelo nosso querido desembargador Dôglas Evangelista Ramos. Sim, juntamos a antiguidade com a vontade de trabalhar ainda mais pela justiça amapaense.
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