sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

PIONEIRISMO

Reinaldo Coelho


"Nossa casa é um ponto de referência do carnaval. Somos Maracatu, nossos filhos todos são e todos nós trabalhamos. Desfilamos pela velha guarda, eu tenho o maior carinho pela velha guarda. Eu faço tudo com amor mesmo".Pelé e Fifita, o casal do carnaval amapaense









Na semana da folia nada mais justo do que falarmos de um casal que é símbolo do carnaval amapaense, Pelé e Fifita, os pioneiros da semana.

Josefa de Araújo Gonçalves, 76 anos, mas conhecida como "Fifita", é, aliás, como gosta de ser chamada; Manoel de Souza Gonçalves, 72 anos, o "Pelé". 

Ela é macapaense "da gema", nascida e criada no Largo dos Inocentes, o berço da cidade de Macapá e das famílias negras tradicionais e mantenedoras da cultura amapaense. Ele é afuaense, mais na tenra idade veio com a família residir próximo ao Canal da Mendonça Junior, um dos igarapés que dava acesso à capital amapaense. 

O casal que ofereceu o nome ao carnaval amapaense se conheceu por coincidência em uma batalha de confetes na praça Barão do Rio Branco. Ou seja, o destino uniu duas almas festivas e boemias numa união que já dura cinquenta anos.

Fifita tem a quem puxar, é filha de "Vó Guita" (Benia Gonçalves de Araújo), uma das cabeças do marabaixo da favela. 

Entre as lembranças de infância de Fifita, está o lar onde viveu com a família no Formigueiro, na Rua General Gurjão, na esquina da Passagem Mendonça Junior, vizinhos da família Milhomem, que tem hoje um representante na Câmara Alta do Brasil, o deputado federal Evandro Milhomem. 

"Nossa casa era de chão batido e as paredes de barro. Para mantermos limpa, tínhamos de molhar o chão. Hoje, graça a Deus, criei meus filhos e temos uma residência digna. Porém, sinto saudade daquela época, principalmente de uma pitangueira que existia onde é hoje a biblioteca pública. Foi uma infância muito boa, sem maldade, sem malícia".

Fifita lembra os amigos da infância. "Era amiga da Raimunda Milhomem. Temos aproximadamente a mesma idade. Há ainda a Joenicy Carvalho, a Terezinha Tavares e a Quitéria Tavares, que são minhas parentes e que viviam ali naquele meio".

Juventude
Fifita teve uma juventude normal e religiosa. "Eu pertencia às Cruzadas e participava da Juventude Oratoriana da Paróquia São José. Eu encontrei um dia desses com a Rosalice, uma pessoa da minha infância que saiu para ser freira. Foi uma alegria muito grande quando a gente se encontrou. Ela não me reconheceu, mas eu a reconheci. Na minha juventude eu estudei na escola Barão do Rio Branco e por último estudei no Ieta, onde me formei no magistério".

Trajetória funcional
A área de atividade funcional de Fifita sempre foi voltada para a educação e esse é o caminho que todos da sua família têm trilhado. "Meu primeiro emprego depois que me formei foi com 25 anos. Eu entrei no governo no tempo que era seletiva, como servente, depois passei para merendeira".

Naquela época, Fifita lembra que quem contratava na então Divisão de Educação era o professor Clodoaldo  Nascimento. "Ao procurar o professor Clodoaldo Nascimento, ele me disse que não tinha mais vaga para professor, mas que eu iria ficar na educação e logo eu iria sair disso, pois tinha estudo e eu sabia conversar. Atuei como ajudante administrativo. Fui fazer um curso em São Paulo para trabalhar como auxiliar de biblioteca, e assim foi até que voltei a estudar no Ieta, onde me formei como professora. Eu tinha uns cinco a seis anos de magistério. Nessa época estavam precisando de professores e eu não encontrei dificuldade para exercer a profissão, pois a professora Neuzona era diretora do Departamento de Cultura e me escolheu para assessorá-la. Depois fui secretária de escola, na escola Deuzuith Cavalcante, vice-diretora, trabalhei na escola Josefa Jucileide, a diretora era a professora Nazaré Braga, e por último na escola do Perpétuo Socorro. Hoje eu já estou aposentada".


Casamento 
com o carnaval

Como citamos no início desta história, Fifita e Pelé tiveram seus caminhos traçados durante uma Batalha de Confetes na praça  Barão do Rio Branco. "Eu tinha naquela época 23 ou 24 anos e ele 20 anos. Hoje estamos com 50 anos de casados. Ele morava na Rua Tiradentes com a São José, próximo ao canal. A família de meu marido, que era afuaense, a princípio veio para Macapá porque havia bastante conterrâneos aqui. Logo quando nos conhecemos, ele trabalhava de ajudante de pedreiro".

As batalhas de confetes
Alice no carro da Banda 
A partir da criação de ranchos, blocos carnavalescos, clubes de frevo, bailes de salão e escolas de samba no Amapá, entre as décadas de 40 e 50, a iniciativa privada começou a realizar um encontro entre movimentos culturais no carnaval. O evento seria denominado Batalha de Confetes, que teve sua primeira edição em 1960, em frente ao Macapá Hotel, com a organização de Alice Gorda.

Desse namoro com Pelé veio o casamento e sete filhos: Mariana (professora e historiadora universitária), a mais velha, que foi estudar e se formou em direito e vive no Rio de Janeiro; José Ribamar, que trabalha na Politec; Rita de Cássia; que trabalha na Secretaria de Administração do Estado; Ricardo, que  é engenheiro florestal. "Graças a Deus meus filhos estão todos encaminhados, e me deram 16 netos e uma bisneta".

Do Boêmio ao Maracatu 
Fifita e as colegas do Maracatu da Favela preparando as fantasias da escola

A minha escola carnavalesca da juventude era a Boêmios do Laguinho. "Nos carnavais da década de 60 se eu pudesse me mudar para dentro da sede do Laguinho, eu iria. O que tivesse para fazer na sede eu fazia, tipo, costurar, de tudo um pouco eu sabia fazer". 
Quando Fifita conheceu Pelé, naquela época, casou, e o carnaval estava quase parando. "Eu casei em 28 de abril de 1964, logo no período do golpe militar. Meu marido me disse que se eu quisesse trabalhar no carnaval, eu teria que trabalhar para a escola dele que era a Maracatu da Favela, e eu fiquei meio assim, pensando que desfilar pela Universidade do Samba Boêmios do Laguinho e ele pela Maracatu iria ficar uma coisa meio chata, então decidi pela Maracatu".

Fifita conta que "naquela época a Maracatu funcionava na sede do Santa Cruz. Lá chegando  fui muito bem recebida e desde então virei Maracatu e a minha vida entrou de vez no carnaval".
"Eu estou no Maracatu há 43 anos e já tive oito ou dez vitórias, minha primeira vitória faz muito tempo. Nas batalhas de confetes eu ia só para brigar contra o Laguinho, defendendo a Favela".

O carnaval de hoje

"Hoje eu analiso o nosso carnaval como muito bom, é lindo, é contagiante. Sempre quando chega essa época minha casa fica cheia, eu amo o carnaval. Esse período eu gosto e me sinto feliz. Eu vou para a cozinha, eu faço café, faço comida, eu ajudo a bordar, eu ensino a costurar, eu costuro e logo quando termina o carnaval eu sinto um vazio e eu custo a me acostumar".


O casal do carnaval amapaense finaliza com uma mensagem de amor ao Maracatu. "Nossa casa é um ponto de referência do carnaval. Nós somos Maracatu, meus filhos todos são e todos trabalham. Eu desfilo pela velha guarda, eu tenho o maior carinho pela velha guarda. Fazemos tudo com amor mesmo".  

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