Pulga remanescente
Emoções. Sensações. Medos. Glórias triviais. Não foram cantados em nenhum poema. Mas são épicos.
Contudo, ao findar da lida, o dia que se esvai, o que é que se lembra dele? O caótico ser diário fica espremido e esquecido naquele curto espaço de tempo. Vira pó da rotina aquilo que fui ontem e o que estou sendo hoje. Desaparece... Perde-se todo vestígio do microscópico espetáculo. Ninguém liga para o tanto de coisas que nos perfuram e nos embalam naquelas vinte e quatro horas.
Mas então depois nos apegamos a umas coisas estranhas... Há desses mistérios. Em que repousa na mente a discussão da semana passada. A palavra, a que calaria o prepotente adversário, vem só muito tempo depois, e é remoída como carne fibrosa ao longo dos dias, retumbando na mente e quase não se apagando, não fosse a necessidade de engavetar novas mágoas e discussões de palavras certas não ditas no furor da batalha.
E perdura também aquela doce e tão viva lembrança do chocolate que se comeu... O recheio ainda canta.
Resta o murmúrio, enfim, de você andando pela estradinha de pedras vermelhas, o fim de tarde no sítio, havia pássaros do lago cantando seu pio lamentoso nas comissuras da boca da noite, e o cheiro da entardescência misturado ao aroma de castanhas de caju sendo torradas ao pé do cajueiro... E era tão pequeno aquele instante!...
E se tornou assim tão gigantesco. Grandioso o suficiente para ser lembrado com um coração que se desmancha num ardor molhado de saudades.
Como explicar? Como explicar as coisas que ficam e as coisas que vão embora?
Por um lado, você nunca conseguiu achar o par daquela meia perdida dentro do tênis, embaixo da cama. Por outro lado, ainda sente a agulha quente sob a pele, perfurando o tênue e rosado dedão da infância, na ânsia de desencavar dali a pulga que se instalou.
E em termos de lembrança não valia a meia muito mais que a pulga?
A meia não achei, tanto a queria, tanto me valia. Era coisa preciosa minha.
A pulga ainda está aqui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário