sexta-feira, 14 de março de 2014

ANTENADOS

Bárbara de Azevedo Costa

Dupla alma num vestido vermelho


Domingo, na Igreja. Depois da pregação, o pastor chama à frente aqueles que querem "aceitar a Jesus". Lá do fundo, duas ou três pessoas se levantam e andam pelo curto corredor, atravessando a pequena congregação, até o espaço em frente ao púlpito.
Vejo então, ali na frente, uma menininha de vestido vermelho rodado, na altura dos joelhos, um pouco abaixo, talvez. Não mais que sete, oito anos. Tão solene, tão bonita em seu traje de domingo!... Pele café-au-lait, cabelos enroladinhos em cachos negros, cortados rente aos ombros, presos num penteado. 
De imediato, não vi seu rosto. Estava de costas para mim. Vi apenas a postura grave e bela. E me vi nela, naquela menininha de vestido vermelho. Qual não foi minha emoção!...  E, à ordem do pastor, oramos então por aquelas vidas. É claro que não apenas eu me impressionara com o posicionamento da menina. Não vivera nem mesmo uma década inteira, e já se tinha decidido. Queria. Ali, Jesus.
Sim, era eu. Uma irmã perdida no tempo.  Enfim nos encontramos! Era ela, mas também era eu. Porque eu mesma, aos sete anos, estivera ali, como aquela garotinha. Não nesse templo nem nesta cidade, especificamente. 
Mas era sim o mesmo eu que o meu, a mesma postura, e o mesmo semblante solene e grave, e a total consciência da atitude sendo tomada, e respondendo por sua própria autonomia, e feliz por saber que aquela seria a primeira decisão a determinar todo o resto de uma vida, e, sem dúvida, a melhor decisão de todas.
Lembrei-me então dos próprios sonhos e das outras coisas que eu guardava no meu coração aos sete anos... Um adulto às vezes pensa que uma criança ainda não pensa por si, o que não é verdade. Pensamos, sentimos, queremos. Lembrei do arrojo da minha decisão, quando conheci Jesus há treze anos. Não houve dúvida, mal houve tempo de ponderar. Veio apenas a certeza serena e irrefutável. Era o que experimentava aquela menina de vestidinho vermelho, tive certeza, e a tenho até agora.
Depois do culto, lá fora, acabamos eu e ela sentadas juntas numa mesma mesa. Arrisquei algumas vezes olhar para ela, sorrindo, mas a menininha de vestido vermelho e cachinhos negros não me encarou de volta. Unicamente me observou, instante breve, pelo rabinho do olho. Quis ter dito a ela o quanto era bonita a sua serenidade, quis ter elogiado seu vestido. Mas não nos dissemos nada.
E depois dessa noite fiquei pensando em como é intrigante esse mistério da empatia... Não, mais que empatia. Aquela foi uma verdadeira experiência de encontrar-se a si mesmo na alma do outro. E desejei ardentemente poder escrever um texto tão bonito quanto aquela meninazinha de vestido vermelho... Não deu. Não foi tão bonito. Mas me alegro. O mistério do reconhecimento, pelo menos, está aqui. Registrado para sempre.

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