Saúde que agoniza
Atendimento precário, falta de medicações básicas e
equipamentos quebrados fazem do dia a dia de pacientes um pesadelo
A saúde no Amapá nunca passou por um estado tão
precário. O atendimento é de péssima qualidade, além da falta de medicações
básicas que obrigam o paciente a voltar para casa ou procurar uma farmácia para
adquirir o que as unidades não oferecem. A população de baixa renda, que
representa maioria da demanda tem chegado a fazer protestos para chamar a
atenção das autoridades, mas o efeito esperado não ocorre como deveria. Além da
precariedade no atendimento de hospitais, a espera por uma consulta chega a ser
de três a quatro meses.
A crise também é administrativa.
A atual gestão
acumula escândalos com os gestores que passaram e com os que estão hoje à
frente da SESA. Lineu Facundes é condenado pelo Tribunal de Contas da União,
Edilson Pereira foi indiciado por irregularidades e ainda responde com Lineu e
Roberio Monteiro, também ex-secretário, a três ações interpostas pelas Promotorias de
Defesa da Saúde, do Patrimônio Público e de Investigações Cíveis, Criminais e
Ordem Tributária, sobre descumprimento injustificado de um Termo de Ajuste de
Conduta (TAC) assinado em 2011 que determinava o encerramento de contratos
emergenciais com prestadores de serviço. Desde 2011, a prática foi adotada
substituindo o processo de licitação exigido em lei para a contratação de serviços
da administração pública.
Mas
a ficha suja de gestores na SESA não para por aí. Olinda Consuelo, a que mais
durou na secretaria deixou o cargo com uma condenação no Tribunal de Contas da
União por desviar verba do Sistema Único de Saúde para pagar quentinhas. A Secretaria
de Controle Externo do TCU detectou irregularidades na aplicação de recursos do
SUS. Edilson Afonso Mendes Pereira e Lineu da Silva Facundes também embarcaram
na mesma prática e compraram marmitas para vários setores da SESA sem ter em
mãos uma planilha de custos e muito menos tabela de preços. A quantidade também
era bem acima do que a secretaria necessitava e tudo pago com dinheiro do SUS.
Jardel Nunes, atual secretário da saúde, de acordo
com a Lei da Ficha Limpa, nacional e estadual não poderia estar ocupando o
cargo por também ser ficha suja. Ele é condenado por má aplicação de dinheiro
público. O secretário foi preso duas vezes este ano por descumprir
determinações da Justiça na compra de medicações para pacientes que precisavam
de tratamento urgente.
Ano passado, o Tribunal de Contas da União divulgou
relatório onde enumerou uma série de irregularidades dentro da SESA, entre elas
a compra de medicações superfaturadas. Uma delas, usada para combater o câncer,
chegou a ser comprada por R$ 1.900 enquanto no mercado é vendida por R$ 48,00.
Já o Tribunal de Contas da União, declarou que a
saúde no Amapá é um caos absoluto. Em um relatório de 29 páginas o TCU enumerou
problemas encontrados nos hospitais do Estado. O documento foi dividido em
temas e subtemas que vão de serviços hospitalares à estrutura física mostrando
um desfile de deficiências.
O Tribunal ouviu o Conselho Regional de Medicina e o
chefe do setor de auditoria interna da Secretaria de Estado da Saúde, assim
como também os diretores e funcionários dos hospitais.
No item emergência foi detectada a carência de médicos, insuficiência de leitos,
falta de equipamentos básicos e a ausência de uma eficiente gestão. Também foi
notada a superlotação e a aglomeração de pessoas nos corredores, além da demora
excessiva no atendimento e total deficiência dos serviços prestados.
O Hospital de emergências, de acordo com o
TCU, também não dispõe de um cadastro de pacientes para a realização de
cirurgias previamente agendadas. Por conta disso, os pacientes têm que
permanecer nos leitos do hospital, maioria improvisados, à espera da cirurgia.
Caso o paciente saia da unidade, corre o risco de perder a vez na fila de
operações. Isso acarreta uma taxa média de ocupação hospitalar de 381%.
O Tribunal de Contas da União fez várias referências
à vistoria do Conselho de Medicina, que encontrou no Hospital de Emergências,
entre outros absurdos, os corredores transformados em enfermarias de camas sem
colchões, macas enferrujadas e apenas dois banheiros em condições precárias
para serem compartilhados entre pacientes e acompanhantes.
No Hospital da Criança e do Adolescente, a
precariedade continua. As infecções hospitalares são praticamente certas pela
falta de higienização adequada dos leitos e o não cumprimento das normas da
Anvisa que determinam o distanciamento de no mínimo um metro entre berços e
camas.
A falta de limpeza, entulhos espalhados pelo
hospital, demora nos exames complexos como Tomografia e Ressonância, e até os
mais básicos. E ainda faltam medicações e equipamentos.
O relatório foi assinado pelo presidente do TCU,
José Augusto Ribeiro Nardes, o relator Benjamin Zymler e o procurador geral
Paulo Soares Bugarin.
Crianças
nos corredores
Dentro dessa realidade o Hospital da Criança também
está dentro da crise a ponto de médicos terem chamado representantes do
Conselho de Medicina para constatar a precariedade. Não existem leitos,
banheiros estão quebrados e nos que ainda funcionam não existe a mínima
higiene. Sem contar as agressões praticadas contra médicos por pais que perdem
o controle diante da situação. Durante a vistoria do CRM, feita há cerca de
dois meses, 44 crianças foram encontradas nos corredores e outras 4 haviam sido
entubadas em macas improvisadas como leitos. Em alguns casos, existe até dois
pacientes dividindo a mesma maca.
Fernando
Nascimento, presidente do Sindicato dos Médicos, que esteve no local disse
também não ter encontrado máscaras usadas para a nebulização, que amenizam
problemas respiratórios.
Longa espera
A falta de manutenção em equipamentos nos hospitais tem feito
com que os pacientes entrem em uma fila de espera onde o atendimento pode
demorar de três a quatro meses e em alguns casos muito mais. A quebra do
tomógrafo que funciona no Hospital de Especialidades ocorrida em maio fez com
que exames fossem marcados para setembro. Um problema a mais para quem sofre de
uma enfermidade grave e precisa de urgência. Quando houve a divulgação, a máquina
já estava parada há dois meses sem qualquer providência tomada provocando a
suspensão dos agendamentos. A fila de espera tinha nada menos que duzentos
nomes.
Multa
Diferente do Ministério
Público do Estado, o Ministério Público Federal tem procurado agir para tentar
melhorar o atendimento à população. Esta semana, o MPF pediu à Justiça que uma
multa de R$ 10 mil por dia fosse aplicada ao Governo do Estado por descumprir
uma liminar que determinava melhorias no Hospital da Mulher Mãe Luzia. O MPF
pede também que o governador do estado, secretário estadual de saúde e o
diretor do hospital sejam multados em R$ 500 diários. As multas são retroativas
a 19 de fevereiro de 2014, que foi o prazo dado para concluir as melhorias no
hospital.
Ano passado, em setembro, foi
determinado pela Justiça Federal que o governo tomasse providências que
garantiriam o direito e o acesso do cidadão à vida e à saúde, referindo-se a mulheres
e crianças pacientes da maternidade. A ação também falava em tornar mais nove
leitos disponíveis na Unidade de Terapia Intensiva. Outros 15 leitos seriam
para a Unidade de Cuidados Intermediários (UCI). A relação segue com
revestimento de portas, consertos no piso, forros e paredes. Os serviços
deveriam ter sido concluídos em 19 de fevereiro deste ano. Na visita feita ao
hospital por auditores do Departamento Nacional de Auditoria do SUS foi
constatado que praticamente nada foi feito. Das 58 solicitações, somente 10
foram cumpridas. Um conjunto de situações que transformam o dia a dia de quem
procura atendimento na rede pública de saúde um verdadeiro pesadelo que começa
na fila de espera por uma consulta, passa pelo ambulatório e vai até a marcação
de exames.
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