sexta-feira, 26 de setembro de 2014

ENTRELINHAS






Arley Costa
Eleições como nunca se viu!
Os candidatos são todos iguais, são todos “farinha do mesmo saco”! Essa sensação se instaura a cada eleição e ficamos com a impressão de que não adianta escolher, pois é apenas trocar seis por meia dúzia. Isso acontece pelo fato dos candidatos não apenas parecerem iguais, mas serem iguais. É possível realmente alegar que os candidatos são todos iguais? Claro que é! Quem conhece minimamente os bastidores do processo eleitoral sabe que as equipes de marketing dos candidatos, que dá apoio à coordenação de campanha, começam o processo eleitoral avaliando o interesse preponderante na população, ou seja, buscam conhecer o cidadão médio ou o eleitor médio, se você assim preferir. As ações da campanha, e do político após eleito, são todas pensadas para angariar o voto e a simpatia dessa maioria representada pela figura imagética do cidadão médio. Assim, na busca por agradar a esse eleitor ideal, os políticos ficam todos iguais, dizem e fazem as mesmas coisas, não se distinguem. Todos são católicos, heterossexuais, defensores da moral e dos bons costumes (embora isso possa significar tantas coisas diferentes e muitas vezes contraditórias!), contrários ao aborto, racismo, relações homoafetivas, machismo e favoráveis às melhorias em educação, saúde, segurança e transporte.
Os candidatos muitas vezes escondem a forma como pensam o mundo ou como se comportam. Alguns escondem sua vertente religiosa ou sexual enquanto outros negam ser favoráveis ao aborto ou a liberação do uso de drogas na tentativa de não desagradar ao eleitorado. Outros fazem alegações de que pretendem lutar por mais direitos sociais, mas se recusam a informar como farão para que essas melhorias aconteçam. E escusam-se de explicitar os mecanismos necessários, pois discutir isso, significa começar a falar algo que de repente pode não ser acatado pelo cidadão médio. Se afirmar que tais ações serão efetivadas com recursos oriundos da taxação das grandes fortunas, perde apoio entre os financiadores da campanha, se disser que aumentará os impostos de forma genérica, perde o cidadão médio que está a reclamar da alta carga de impostos. Então, entre a cruz e a espada, todos os candidatos escondem-se na abordagem genérica e falam sem dizer nada, sem se comprometer, sem correr o risco de desagradar o cidadão médio.
E é exatamente por fugir um pouco desse padrão que as eleições presidenciais de 2014 estão ficando, embora muitos não acreditem ou percebam, interessantíssimas! Pela primeira vez os debates distanciaram-se da indigesta monotonia de eleições anteriores e começaram a tratar de temas e verdades que sempre passaram ao largo do processo eleitoral. Entre os assuntos que visitam a boca dos candidatos nessa eleição estão racismo, relações homoafetivas, drogas, maioridade penal, pena de morte, financiamento privado de campanha e aborto. Alguns dos candidatos sentem-se muito mais confortáveis com os novos assuntos do que outros. Via de regra, os candidatos da esquerda com amplo histórico de luta por direitos sociais são aqueles mais aptos a transitarem com tranquilidade e lastro sobre tão relevantes questões.
É bom enfatizar que os novos temas não surgiram do nada como um passe de mágica, mas ao contrário, são fruto direto dos contextos peculiares que têm se apresentado recentemente. Grande parte dessas questões foram pautadas nas manifestações de junho de 2013 junto com reivindicações por direitos sociais básicos como transporte, saúde, educação e segurança. Portanto, a efervescência que tomou conta do país, em razão das pessoas estarem indignadas por não terem seus direitos atendidos, reverberou na campanha eleitoral para a presidência deste ano. As discussões atuais e quaisquer impactos derivados são frutos dos movimentos de rua que sempre ocorreram graças aos sindicatos, partidos de esquerda e movimentos sociais, mas que se avolumaram em 2013 pautando a necessidade de mudança. Portanto, mesmo com suas contradições e deficiências: Viva as manifestações de junho de 2013!
Há conflitos se estabelecendo e isso é bom! Mas por quê o conflito é bom? Por que significa que vivemos um momento em que mudanças podem ocorrer. E isso é importantíssimo. As minorias sempre estiveram relegadas ao segundo plano, mas agora estão emergindo, expressando seus desejos, reivindicando direitos e isso traz consternação em quem sempre esteve de posse das benesses. Quando direitos e certezas são sacudidos, é preciso o enfrentamento, é preciso que venha o debate e, a partir desse momento, a relação dialética estabelecida pode revelar as contradições, gerar o embate e fazer surgir o novo.
É claro que esse processo de contraponto entre posições distintas não se esgotará nessa eleição nem será rápido, ele haverá de se estender por algum período. Confrontos hão de ocorrer com maior frequência, atritos e discussões (nem sempre polidas e educadas) acontecerão, mas, por fim, uma nova conformação há de emergir. Mesmo que as posições sejam as mesmas, elas estarão assentadas em outras bases, mais elaboradas e conhecedoras de suas contradições. É,  portanto, possível afirmar que graça aos atuais embates um novo Brasil está por vir. Que venha e que seja melhor, muito melhor, mais democrático, mais plural, mais diverso, mais tolerante, mais inclusivo, mais respeitoso, mais, mais, mais… É isso, que o Brasil seja mais!




Arley J. S. da Costa
Professor de Psicologia
UFF - Universidade Federal Fluminense 
PUVR - Pólo Universitário de Volta Redonda
(21) 980256523

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