Escombros
Perda
histórica da memória arquitetônica de Macapá
“Esse é o único jeito que o governo sabe tombar nosso patrimônio, colocando ele abaixo! Inacreditável!!!” - manifestações nas Redes Sociais.
Reinaldo Coelho
Infelizmente o
Estado do Amapá, mais precisamente sua capital, Macapá, está perdendo seu
patrimônio material e imaterial lentamente, pois o progresso e destruição há
muito caminham juntos na consciência dos gestores amapaenses, que se preocupam
com o imediatismo. Neste primeiro semestre assistimos com tristeza mais ações
de derrubadas do pouco que resta do nosso patrimônio material.
A primeira foi a
demolição do prédio da Pioneira Assembleia de Deus, que além de sua
arquitetura, contava a história da implantação e da luta dos evangélicos para
se estabeleceram em Macapá e as lembranças da
histórica desavença entre os católicos comandados vigário da cidade,
então padre Júlio Maria de Lombaerde, a queimar os livros em praça pública, com
a ajuda da polícia e convocação da população. Mas Clímaco não desanimou e
persistiu. e evangélicos liderados pelo
pastor Clímaco Bueno Aza, chegou em 26 de
junho de 1916, com malas cheias de bíblias, folhetos e evangelhos. Hoje se
tornou um estacionamento.
O segundo foi da
sede do Grêmio Literário Rui Barbosa, localizada na Rua Odilardo Silva esquina
com a Avenida Ernestino Borges, que foi construída pelos próprios estudantes do
Colégio Amapaense, que fizeram a famosa “campanha do tijolo” para arrecadar
material de construção.
Em 1964, o Grêmio
foi fechado pela ditadura. Nos anos 70 o prédio abrigou um campus avançado da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Depois que UFRRJ não teve mais
interesse em ficar no Amapá o prédio ficou abandonado e foi deteriorando.
O que restou dele,
semana passada, foi demolido pelo
governo do Estado que vai construir ali um alojamento para estudantes vindos do
interior. Poderia ao menos manter a fachada. Isso é preservar as
características históricas
Outra demolição
recente foi a do antigo prédio que ficava ao lado da OAB, e que foi sede da
Central de Merenda Escolar (CEME), para a construção de uma praça no local e
que dava fundos para a Central do Abastecimento do Território, na Rua Candido
Mendes.
Mas uma praça onde
em um quilometro quadrados temos: Praça do Barão do Rio Branco, com dois
logradouros; Praça Veiga Cabral; Alameda Serrano, onde existi prédios da época
colonial; Alameda Serrano; Praça do Coco
e Orla da Cidade é muita praça para um local já congestionado de alamedas.
E as casas da CEA
e a do Conjunto Banco do Brasil, no
Laguinho, estão sendo descaracterizadas através de reformas.
Essas ações foram
feitas sem consulta popular e por
decisão das autoridades municipais e estaduais pois não temos um órgão local
que catalogue e registre os nossos bens históricos. Um Museu da Imagem e do Som
seria um meio de preservação das memorias locais.
A parte antiga da
cidade de Macapá, ao longo dos anos vem sendo descaracterizada, vem perdendo
seu traçado colonial. Isso ocorreu por conta do processo de “modernização” que
a cidade passou após a instalação do Território Federal do Amapá, este processo
consistia na abertura de novas vias largas e construção de edifícios modernos
em detrimento das antigas casas e casarões do antigo centro histórico de
Macapá, inteiramente destruído pela falta de leis e de órgãos de proteção do
patrimônio histórico na época.
Hoje continua o
mesmo processo, as residências construídas pelo primeiro governo territorial
amapaense na Praça do Barão do Rio Branco estão totalmente descaracterizadas ou
demolidas. Restando somente uma com arquitetura original.
O prédio onde
funcionava o primeiro Fórum de Macapá e que depois sediou a Escola Técnica do
Amapá, foi demolido e construído a Biblioteca Publica Elcy Araujo.
O prédio da Radio
Difusora de Macapá, a antiga sede da Prefeitura de Macapá, onde hoje funciona
uma Escola de Jovens e Adultos, o Posto de Puericultura, hoje SEMAT, todos
estão perdendo suas características originais.
As Vilas
Residenciais da Avenida Mendonça Furtado estão quase todas descaracterizadas.
No formigueiro, o pensionato está reformado, restam no local os pedaços da casa
dos Tavares na esquina da Tiradentes com a Mendonça Furtado. O espaço que era
da antiga Rádio Educadora e Gráfica São José tornou-se apenas um buraco na
Leopoldo Machado.
Falta de zelo com a história da cidade
O que se vê em
outras cidades e países é a valorização da cultura do lugar, das praças,
coretos, igrejas, monumentos e adornos, conjunto que define muitas vezes o
enredo econômico deste lugar.
Para o urbanista
José Tostes o turismo sobrevive disso, ele reforça que as principais atrações de Paris, não são as
obras atuais e inovadoras plasticamente, há muitas décadas a Torre Eiffel, o
Arco do Triunfo, Museu do Louvre e casas que abrigam os cafés do século XIX, dá
o caráter peculiar que faz de Paris à cidade mais atrativa do mundo.
Porém em Macapá a identidade com lugar parece
cada vez mais distanciada, nos últimos trinta anos, tudo mudou destaca. O
trapiche Eliezer Levi foi modificado, o Igarapé das Mulheres não é mais das
mulheres, o Mercado Central não exerce mais o papel de mercado, não existe mais
o cine Macapá, cine João XXIII e até a Igreja de São José não é mais a mesma.
Qual é a história que vamos contar no futuro? Se a história da nossa gente vai
sendo demolida de forma impiedosa: sede do Amapá Clube, Macapá Esporte Clube,
do Conservatório de Música virou parte da especulação imobiliária.
E daí, como
ninguém estava prestando atenção ainda, resolveram derrubar o prédio da antiga
Cruz Vermelha (que desengonçado!). Foram destruindo, vendendo, enriquecendo. E
daí, um do grupo — talvez o mais espertinho, ou o mais ousado — viu que o
prédio do Trem Desportivo Clube era útil para mais um empreendimento
imobiliário, estava numa “área privilegiada,” e já que os sócios “não estavam
utilizando,” e “nem sequer tinham renda comprovada,” e que afinal não podiam
dizer nada. Salvou-se por pouco.
E o povo? Todo
mundo calados! Do mesmo jeito que haviam feito no ano do governo Ivanhoe
Gonçalves Martins que derrubou as casas na Rua São José esquina com a Avenida
Presidente Vargas, foi-se a antiga Cadeia Pública, prédio histórico, surgiu as
Lojas Pernambucanas.
Ou seja, os
gestores assumem e mantem a destruição do patrimônio histórico da cidade, pois
olham para o imediatismo e a historia é esquecida.
Olhar técnico
O resultado dessa
política de modernização é visto atualmente em Macapá onde a cidade apesar de
ter 256 anos possui poucos vestígios de seu passado exceto pelas três únicas
edificações sobreviventes a Fortaleza de São José de Macapá, a Igreja de São
José e o Prédio da Intendência de Macapá, edificações estas que sobreviveram
graças a suas atribuições militar, religiosa e administrativa respectivamente.
Hoje Macapá uma capital com 446.757 habitantes
e com uma região metropolitana com mais de meio milhão de habitantes tornou-se
uma cidade moderna, mas sem memória daquela Macapá de outrora.
Essa situação foi
analisada pelo urbanista José Alberto Tostes em um dos seus artigos: Qual a relação destes relatos para a
iconografia urbana da cidade de Macapá?
A primeira
percepção é a mudança de vínculos culturais e de identidade de cada um dos
lugares em relação ao meio social; segundo aspecto é a perda de valores e a
memória. De todos os relatos citados, o único que ainda cumpre a mesma função é
o Estádio Glicério Marques, entretanto sem o mesmo elo com as gerações
passadas. Há um fato interessante em nossa iconografia, a fragmentação, isso é
algo para ser pensado. Os bons projetos são aqueles que legitimam e fortalecem
os laços culturais e a identidade da população com a realidade do lugar.
FORTALEZA DE SÃO JOSÉ |
A Igreja Matriz de
São José de Macapá foi ameaçada de demolição e sua reconstrução seria onde hoje
está o Teatro das Bacabeiras, mas escapou. Agora enfrenta outro risco, a
indiferença, rachadura, infiltrações, erva daninha comprometem e estão por
dentro e por fora da grande nave, cuja situação agravou-se com o inverno mais
rigoroso dos últimos anos. A edificação mais antiga da nossa cidade é
patrimônio da história e do povo amapaense. So nos resta a Fortaleza de São de
Macapá, ser a guardiã do nosso patrimônio histórico material e imaterial. (Fontes de consulta: Blog do Tostes e
verdadessurbanas.blogspot.com.br)
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