sábado, 18 de outubro de 2014

ENTRELINHAS



Anular o voto?
Na eleição presidencial e em muitas das eleições para governo onde há segundo turno, o debate em torno do voto branco, nulo ou do absenteísmo tem ficado dia a dia mais fervoroso. Uma das questões centrais é: O que leva uma pessoa a não votar ou a comportar-se de forma a que seu direito de votar não favoreça nenhum dos candidatos em disputa? Além disso, um elemento curioso do processo é perceber que aparentemente os partidos e militantes de esquerda, ou que assim se julgam, tensionam muito mais as pessoas que optam pela anulação do voto para que modifiquem sua posição. Por que será?
Antes de tudo, um esclarecimento. Se a pretensão de votar nulo reside na ideia de que certo número desses votos inviabilize o pleito, esqueça! Votos inválidos não anulam uma eleição. Não importa quantas pessoas votem em branco, anulem o voto ou se abstenham de votar, a eleição continuará valendo ainda assim. Um exemplo deixa a ideia bem clara. Imaginemos uma cidade onde há 100.000 eleitores e apenas Chatonildo candidate-se ao cargo de prefeito. Sendo o candidato extremamente chato e desagradável, 99.999 eleitores anulam seus votos, mas Chatonildo vota em si mesmo. Apesar de seu voto ser o único voto válido e responder por apenas 0,00001 dos votos da cidade, ainda assim, Chatonildo estará eleito e, diga-se de passagem, com 100% dos votos válidos. Definitivamente nosso processo eleitoral precisa de mudanças!
Agora que entendemos que votar branco ou nulo serve de modo pragmático (há outras razões além do pragmatismo) apenas para apontar nossa indignação ou insatisfação e não para afetar o resultado das eleições, voltemos à pergunta: Por que não eleger um candidato? Por que deixar que as decisões de outros resolvam o resultado da eleição em nosso nome? Por que não escolher (se os dois candidatos não nos agradam) o menos pior? Por que não escolher aquele que, pelo menos minimamente, aproxima-se do que esperamos de um governante, principalmente quando o outro é a absoluta antítese das políticas que pretendemos ver implantadas?
Esses questionamentos têm assaltado diversas pessoas na eleição presidencial de 2014. Curioso que assim seja, pois quem olha o panorama geral fica com a impressão de que estão em jogo propostas absolutamente distintas, explicitadas na decantada polarização entre PT e PSDB. E, se as propostas são antítese uma da outra, como pode haver alguém que não consiga identificar-se com um dos lados em disputa? Baseados nesse posicionamento de que há projetos diametralmente opostos, os partidários do PT têm cobrado aos militantes de esquerda e a todos que se põem a sugerir a possibilidade de voto nulo, uma posição favorável a sua candidata, o que tem gerado um tensionamento nada desprezível. As alegações são as mais diversas para que o defensor do voto nulo mude de ideia em favor de Dilma, indo da implosão dos avanços sociais ao retorno no executivo federal do que há de mais retrógrado no país.
Os militantes de esquerda têm sido sobremaneira abordados quanto a seus posicionamentos para o próximo turno das eleições presidenciais. Via de regra, quem partilha ideais de esquerda parte do princípio de que é absolutamente impossível apoiar um candidato com origem e ideário expressamente neoliberal, como representado por Aécio e seu PSDB. Sobra a estes, então a dúvida entre apoiar Dilma ou defender o voto nulo. Partidos e militantes de esquerda têm se dividido entre esses dois posicionamentos. A divergência sobre esse ponto vem produzindo confrontos e dissonâncias contundentes, de tal forma que é possível que o PT consiga rachar a esquerda ainda mais. Os que defendem o voto no PT alegam que é necessário reconhecer o contexto atual e optar pelo menos pior. Em outros casos, optam pelo partido da estrela não pelo que o PT tem feito enquanto governo, mas por um resquício imagético daquilo que o partido foi e significou em momentos passados.
Do outro lado estão aqueles que enxergam que o PT de hoje não é um partido de esquerda, mas um partido que migrou ao longo de sua história (antes mesmo de chegar ao poder) na direção de uma política liberal e que está voltado ao suporte do grande capital, de tal modo que adota o mesmíssimo ideário do PSDB. O debate da TV Bandeirantes, ocorrido na última terça, reforçou esse posicionamento. Não houve falas que exprimissem projetos distintos ou contraposições de programas diferentes para o Brasil. Não houve diferença de proposições que permitissem antagonizar os protagonistas. As falas resumiram-se a tentar determinar quem era do grupo mais corrupto ou mostrar qual dos dois seria o melhor gerente do grande capital. A política econômica e social, para ambos, é a que está dada, embora cada um afirme a necessidade de ajustes. É apenas nesse ponto em que discordam, a forma e a medida dos ajustes são diferentes para cada candidato e partido.
Baseados em leituras como essa, da ausência de diferenças reais, o votar nulo significa uma tomada de posição contra a falsa polarização e deixa claro que estão em jogo dois projetos iguais, com sutis nuances de distinção. Votar nulo como rejeição às opções existentes onde ambos os candidatos tentam mostrar-se como o melhor gerente para o projeto liberal que atende aos desígnios do capital. É claro que partidários de PSDB e PT discordarão sobremaneira desses posicionamentos, mas eles estão dados. Assim, como podemos ver, há razões para votar nulo, mas ainda há muito a discutir, voltaremos ao tópico no próximo texto. Até lá, sigamos acompanhando as propostas e posicionamentos dos candidatos nessa corrida eleitoral avaliando a possibilidade de escolher Aécio, Dilma ou anular o voto.


Arley J. S. da Costa
Professor de Psicologia
UFF - Universidade Federal Fluminense 
PUVR - Pólo Universitário de Volta Redonda
(21) 980256523

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