sexta-feira, 28 de novembro de 2014

ESPECIAL







TERRAS DO AMAPÁ


José Marques Jardim
Da Redação


Amapá vive dilema entre negócios com madeireiras e o plantio da soja limitado por áreas já negociadas ou de preservação

No apagar das luzes de seu desastrado governo, Camilo Capiberibe resolveu lançar na segunda-feira (24), o primeiro edital de concessão florestal no Amapá, que compreende uma área de 146 mil hectares de três municípios.Está previsto que as propostas devem contemplar indicadores econômicos, técnicos e dar destaque a projetos sociais para beneficiar comunidades que ficam a até 50 km das florestas concedidas.
Na projeção otimista do governo que se despede, a expectativa é a geração de algo em torno de R$ 7 milhões ao ano para o Amapá. Dentro deste cálculo, a geração de divisas pode chegar a R$70 milhões em uma década.


O primeiro lote da concessão fica dentro da Floresta Estadual do Amapá (Flota) e está dividido em três unidades de manejo florestal (UMF). A divisão vai gerar concorrência entre empresas. Nas exigências, todas têm que atuar e estarem fixadas no Brasil. As associações e cooperativas também podem participar individualmente ou em consórcios com empresas de maior porte. O principal objetivo é a utilização dos produtos madeireiros e não madeireiros. Para ganhar tom de politicamente correto, o “leilão” adotou termos como exploração racional, legal e sustentável.  

Do outro lado estão as comunidades que vivem nestes locais há décadas, intituladas “povos da floresta”, que lutam hoje para não serem esquecidas no processo de loteamento das áreas e fiquem sem nada.Para se ter uma ideia, a área total é de 2, 3 milhões de hectares chegando aos municípios de Pedra Branca, Mazagão e Porto Grande.

A proposta dos compradores deve ter o preço por metro cúbico de madeira em pé. Por enquanto, a área a ser negociada não possui ocupação por moradia, o que obedece a Lei de Gestão de Florestas (11.284/06) e a Lei Geral de Licitações (8666/93).
A empresa que ganhar o certame terá posse do terreno por quarenta anos. Trinta, de acordo com os técnicos, é o tempo necessário para a floresta se recompor. Bom na opinião do governo, mas um pesadelo na dos ambientalistas, que apesar das leis colocadas para o fechamento do negócio, consideram que boa parte da área verde do Estado vai estar sendo leiloada e indo parar nas mãos da iniciativa privada. 

Para concretizar o processo, o Estado vai enfrentar um problema social anunciado desde quando o assunto passou a ser discutido: o que fazer com as famílias que ocupam estas áreas? Ao todo, 6 mil estão espalhadas ao longo de dez municípios, sobrevivendo da agricultura de subsistência onde se planta para comer. 
Dentro da Assembleia Legislativa a questão foi tratada com críticas este ano. O deputado estadual Eider Pena (PSD), chegou a dizer que o objetivo do governador é colocar a floresta nas mãos de grupos estrangeiros que executariam o plano de manejo em 164 mil hectares. Para técnicos do setor, seria como lotear e vender parte da floresta do Amapá.

Eider Pena foi além. Para ele, a lei defendida pelo atual governador, de manter a Floresta Estadual do Amapá teria que ser revogada. A justificativa é que ela não atenderia requisitos legais e por isso seria inconstitucional. Ele também disse que a Flota vai atingir de forma direta e negativa as comunidades que trabalham e moram no local.

O parlamentar relembra que em uma das sessões da Assembleia Legislativa deste ano, os parlamentares estavam direcionados para revogar a lei. O contra-ataque do governador veio com uma manobra para esvaziar o parlamento.O edital de concessão de lotes para a exploração de madeira na área da Floresta Estadual do Amapá estava pronto desde novembro de 2013. 

O pano de fundo para o projeto ser executado foi a diminuição do desmatamento de áreas protegidas e o incentivo de investimentos privados no Estado. Mas, a grosso modo, seria a privatização de mais de dois milhões de hectares e o repasse de 16% de terras protegidas para o capital privado.O governo ainda prega a exploração madeireira de forma sustentável mas em nenhum momento falou do impacto social que o negócio com as grandes madeireiras trará, considerou o deputado.

Na visão dos parlamentares, no fim das contas serão seis mil famílias que perderão tudo e ficarão sem ter o que fazer e do que sobreviver a partir da desapropriação da terra que ocupam há dezenas de anos, caso o processo se concretize em sua totalidade. “Estas pessoas viveram anos e anos da terra, em suas pequenas propriedades, com suas pequenas plantações. Se houvesse esta desapropriação, do que viveriam daqui para frente”, questionaram os deputados. Uma das saídas seria a vinda para a capital, Macapá, onde chegariam sem qualquer especialização de mão de obra ou lugar certo para viver. “Seria mais uma agravante de nosso já imenso problema social”, disseram os parlamentares.

O assunto em seu decorrer já provocou a opinião da Justiça Federal no Amapá. Uma decisão do juiz federal João Bosco Soares declarou a lei de criação da Flota como inconstitucional. Com isso, o edital chegou a ficar parado, mas o lançamento no início da semana apontou que pelo menos em tese os problemas foram resolvidos. Por outro lado, considerando a questão social diante da execução da privatização de terras, o governo que sai deixa mais um “presente de grego” no colo da nova gestão.

TERRA BARATA E A SOJA

Uma outra discussão que veio à tona nos últimos anos e que também envolve as terras do Amapá, é o cultivo de grãos com a soja sendo a bola da vez. Os grandes produtores do Centro Sul voltaram os olhos para o Norte a partir do momento que ouviram falar de regularização ambiental e fundiária. 

Os Estados que despertam o interesse dos magnatas são Roraima, Pará e Amapá, onde o preço do hectare agrícola é considerado baixo. De acordo com a lei de mercado, os incentivos anunciados na infraestrutura e a legalização acresceram alta nos valores, mas nada que não possa ser comprado por quem conhece do assunto e não dá “ponto sem nó”. Se comparado com o Sul do País, o preço de fazendas na Região Norte é considerado muito baixo. 


Um destes comparativos está na cidade de Cascavel, no Oeste paranaense. Lá, o que se gasta para comprar apenas um hectare, compra-se 21 no Amapá, 17 em Roraima ou seis no Pará. O levantamento é do Agronegócio Gazeta do Povo (AgroGP) pela Informa Economics FNP, consultoria que acompanha o mercado de imóveis rurais.
Em Roraima, os produtores do Sul estão chegando e trazendo na mala nada menos que R$ 1 milhão para se estabelecer no negócio. Segundo eles, a quantia é ideal para começar o empreendimento. Tem investidor que comprou 105 hectares por R$ 30 mil e já vai fazer a segunda colheita. O baixo valor se deu por conta da área ser considerada improdutiva. A colheita provou o contrário. R$ 30 mil no Paraná não compraria sequer um hectare. 

O Amapá lidera a lista das terras mais baratas, contudo, não exercerá tanta “sedução” nos grandes produtores devido sua fraca estrutura de escoamento do produto. Não existe um porto apropriado para o embarque dos grãos. Esta estrutura essencial para os investimentos está no município paraense Miritituba às margens do rio Tapajós. É lá que estão os projetos para o desenvolvimento da região com dez estações de transbordo onde carretas descarregam os grãos em barcaças.Já foram anunciadas obras a serem executadas ao longo dos próximos anos para agilizar ainda mais o escoamento da produção. 

Com isso, apesar das terras baratas do Amapá, a competição com os outros Estados nortistas só será possível com a implantação de uma política urgente de infraestrutura, que dê condições de escoamento de produção.  

A precariedade energética e o isolamento geográfico são outros dois fatores decisivos para investimentos nas terras locais. O investidor vem, mas acaba indo para outro Estado que ofereça melhores condições que acabam barateando o empreendimento. Hoje, os grandes projetos de escoamento aquático em um total de seis, vão de Roraima até o Maranhão. O Amapá está de fora. 

A projeção para Roraima e Pará é muito otimista com relação a grãos de soja e deve alcançar um crescimento que vai de 100 mil para 400 mil hectares em um curto período. De 2014 para 2015, esta ampliação deve chegar a 50 mil hectares.

Em Boa Vista a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) está preparando o solo para o plantio em 2015. O passo inicial é que a área sirva de pasto para bovinos em um total de 300 hectares. Esta mesma área será usada para a cultura da soja na próxima safra.Já no Pará, as plantações avançam em áreas de uma vegetação que cobre pastagens abandonadas chamadas de “juquira”.

LUCROS
Os rendimentos brutos com o plantio de soja chegam a R$ 2,45 mil por hectare em Roraima, o que está um terço acima dos custos operacionais. O valor chega a ser maior que o preço da terra em Santarém, no Pará e Macapá. O gasto com um hectare é de R$ 1 mil para preparar o solo. S primeira safra garante a coleta de 35 sacas por hectare. Na segunda, este número aumenta para 50 sacas com faturamento de R$ 3,5 mil por hectare. Os dados continuam sendo do levantamento do Agronegócio Gazeta do Povo (AgroGP) feito pela Informa Economics FNP. 

Mas nem tudo está perdido para o Amapá. O Estado vem logo depois do Tocantins se mostrando como nova fronteira para os investimentos agrícolas. O solo é fértil e as condições do clima favoráveis para a soja. Produtores do Mato Grosso já chegaram a declarar interesse nas terras amapaenses e apesar das dificuldades, dizem apostar na estrutura portuária local, apesar da desproporcionalidade com o vizinho Pará. 

Já para o governo, o negócio da soja é uma preocupação justificada devido as terras propícias ao plantio ficarem na divisa com a Floresta Estadual do Amapá (Flota), onde existem outros interesses e deixou isso claro com a publicação do edital no começo da semana.
O Amapá teve os primeiros contatos com a cultura da soja no começo da década. Mas somente em 2012 e 2013 conheceu um crescimento no setor, que foi de 2,4 mil hectares de área plantada para 10 mil hectares. A produção de 7,6 mil toneladas saltou para 25 mil, de acordo com números da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.Para o Estado, os números parecem imensos, mas praticamente desaparecem se forem comparados à produção de outros Estados, onde os incentivos são maiores. 


Ainda de acordo com a Embrapa, 2014 deve fechar com uma área de plantio de 20 mil hectares. A empresa também fez uma projeção para duas décadas onde a área de plantio deve chegar a 200 mil hectares.



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