O AVESSO DO AVESSO - Renivaldo Costa
A história
de Monsieur Dirran
Vou
reproduzir aqui uma história que o Hélio Pennafort me contou na época em que
trabalhamos juntos. Hélio, por sinal um camarada supimpa e porreta, diz que o
autor da história é o Fernando Canto, que lhe contou por telefone.
"Quando o turismo ecológico começou a ser incrementado no Pará,
aproveitando a vontade européia de conhecer a Amazônia e os outros lugares
brasileiros onde a mata é virgem e o vento é fresco, um grupo de turistas do
outrora chamado Velho Mundo, desembarcou em Muaná, agradável cidadezinha do
arquipélago marajoara.
Na programação de visitas, constava uma partida de futebol entre dois
times da cidade, o que alegrou os turistas, quase todos, como dizem os
locutores, aficionados do nobre esporte bretão.
Começa o jogo e os turistas se transformam numa entusiasmada torcida, a
ovacionar as jogadas do ponta esquerda Dirran, mestre no drible de corpo e
veloz numa arrancada rumo à meta adversária. Como era de se esperar, o nome do
jogador logo chamou a atenção de um turista francês, convicto da origem gaulesa
do ponta esquerda. O turista, ávido por conversar com o jogados, ficou de olho
no Dirran até o jogo terminar, acompanhando os aplausos da torcida para o
craque, que havia marcado nada menos que dois gols no segundo tempo.
Terminados os cumprimentos, os abraços, os aplausos, o francês encontrou
o Dirran descalçando as chuteiras num dos cantos do alambrado. Curioso, quis
saber:
- Por favor, monsieur Dirran, pelo seu nome eu acho que o senhor deve
ter alguma ascendência francesa. Fale-me um pouco de sua família.
O jogador muanense olhou de banda para o francês, riu por alguns
instantes e meio sem graça explicou:
- Não, amigo, não tenho nenhum parentesco com francês. Toda a minha
família é aqui mesmo do Marajó. Até o meu bisavô. Outra coisa, Dirran não é
nome. É um apelido que a turma só chama pela metade, pra não ofender. Meu
apelido é Cu de Rã."
Cueficiente
E por falar em Cu de Rã, aqui vai outra história contada pelo Hélio.
Esta é a reconstituição de uma piada que ele ouviu do vigiense Carlos Cordeiro
Gomes numa manhã de domingo, no Bar do Abreu:
"Vocês sabem que na hora de falar, o nosso caboclo costuma trocar
as letras. Tem por hábito, principalmente, pronunciar o U no lugar de O. Desse
jeito, ele fala senhu no lugar de senhor. Cabuco e não caboclo. Estu, quando
precisa dizer estou.
Foi por causa desse enrolamento de língua, que não significa
analfabetismo, que saiu esta que pode ser chamada de piada eleitoral. Depois de
ouvir atentamente uma explicação sobre coeficiente eleitoral, um caboclo gravou
bem a palavra para não esquecer tão importante detalhe a acompanhar, na hora da
apuração, a perfomance de seu candidato.
Dias depois, de volta ao seu povoado, num desses domingos modorrentos de
beira de igarapé, o caboclo estava traçando uma garrafa de cana com vários
amigos, quando chegou um cabo eleitoral de Macapá e passou a deitar falação
enaltecendo as virtudes de determinado candidato. Depois de quase uma hora,
ouvindo os adjetivos mais pomposos, o caboclo virou-se para o parceiro ao lado,
abaixou a cabeça e cochichou: - Tudo isso é muito bão, muito bonito, mas o
candidato que num tiver um cueficiente num ganha a eleição."
Rádio Difusora
Aí vai outra do Hélio, esta do tempo em que a Rádio Difusora dava seus
primeiros passos. O Hélio conta que o serviço de alto-falante que alegrava as
tardes macapaenses com sucessos musicais da época, já havia dado a vez à Rádio
Difusora de Macapá e que, além de programação de estúdio, fazia também
reportagens externas e transmissões futebolísticas, quando o jogo na praça da
matriz era importante.
Como não havia cabines nem arquibancadas, o locutor irradiava mesmo da
beira do campo e a sua voz era amplificada por três projetores de som
instalados nos cantos do gramado. Aqui, eu não lembro se foi o Alamiro ou o
Agostinho Souza.
O certo é que um deles transmitia, empolgado, uma dessas partidas em
tarde chuvosa, segurando o microfone todo molhado. Quando ia começar a narrar
os lances que vinham de um escanteio, alguém colocou-lhe a mão no ombro à guisa
de cumprimento. Acontece que por um desses ziguezagues que a eletricidade faz
quando entra em contato com coisas molhadas, tocadas por outra pessoa, o corpo
do locutor estremeceu com um choque de regular voltagem, que o fez perder
completamente o lance e gritar bem alto para o gozo da imensa torcida de alguns
milhares de radiouvintes:
- Me solta! Me larga, seu filho da puta!
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