terça-feira, 31 de março de 2015

ANTENADOS

Um pouco de poesia, e de como é ensinada


BARBARA COSTA

A primeira vez que li Hilda Hilst, estava no ensino medio e seu poema me soou tão secreto que me feriu. O nome da poeta, estando escrito logo abaixo da estrofezinha em meu livro didático, se gravou em mim para nunca mais ser esquecido. 
Mas eu, porém, não fui atrás de conhecer de fato sua escrita, porque aquele pedaço de poema havia sido um enigma tão grande, que me apavorara e até me repelira. 
O problema estava comigo, é claro, com meus melindres e pavores conformados, mas estava também no modo como o enigma fora apresentado a mim.
Não é que eu não estivesse acostumada a enigmas. Já amava a poesia-enigma de Drummond, já amava a poesia-enigma de Mario Quintana. Conhecia uns poemas de Mario de cabo a rabo, sim, porque os amava. E não eram menos difíceis ou menos fáceis que o enigma Hilda.
Depois entendi que o que me fez amar Mario e Carlos e o que me fez estranhar Hilda fora o jeito com que tive contato com suas poesias.
Com Drummond e Quintana, não houve apresentação ou preâmbulos. Por acasos da  vida, acabei me deparando com livros ou poemas deles inteiros, e os li sem a pretensão de entendê-los, sem a pretensão de catalogá-los, sem a pretensão de domesticá-los. Li porque estavam ali e o enigma se fez claro em sua escuridão sedutora. Estava instaurado o amor.
Mas não coube a mim conhecer Hilda através da descoberta. Eu a li porque estava no livro didático, como coisa institucionalizada e meio muda. E o que era pior: havia somente aquele trecho ridiculamente pequeno de seu poema.
O poema fora retalhado para caber no manual de Literatura. Quando de fato nenhum poema deveria caber em manual algum...!
O que acontece é que o ensino de poesia hoje se faz engessado, e a poesia pode ser tudo, menos gesso. Ela não está fixa, ela se move, e os movimentos dela se mostram no poema. 
Um poema quebrado não serve para ensinar poesia. E aprender poesia é experiência, experiência de sentido, não de intelecto.
Depois vim a amar Hilda Hilst, mas foi preciso redescobri-la, descolar seu nome do livro didático. Nos livros didáticos os poemas estão higienizados e castrados. Tais livros normalmente não "perdem tempo" nos mostrando a poesia inteira e assim retalham as veias que exatamente fazem do poema um poema. 
Para se ensinar poesia é preciso parar de tentar ensiná-la e deixar que seja lida em sua completude, e o leitor do poema que decida se o ama ou não. Mas que o leia!
Comprei recentemente este livro de Hilda chamado "Da morte. Odes mínimas", tendo já conhecido alguns poemas dele. Amei-o. E por quê? Não sei...  
Sei, sinto que ele fala de morte. E a ideia da morte é quase sempre algo que perturba, e nunca pensei nela de modo pacífico, e mesmo desligada do pensamento, ele sempre me ronda. Nunca consegui botar essa agonia em palavras. 
E quando li Hilda, ali estava, tudo sussurrado em seus versos como eu mesma sentia também. E foi Hilda então que veio me ensinando a morrer, e nisso há muito maior valor do que a pretensa tentativa de alguém nos ensinar poesia. 
E é assim que se faz a poesia: experiência. É preciso experimentar. Desse modo, reproduzo um dos poemas (e ele inteiro, é claro) desse livro, um dos meus favoritos, a ode XIX, na imagem deste artigo.




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