Um pouco de poesia, e de como é ensinada
BARBARA COSTA
A primeira
vez que li Hilda Hilst, estava no ensino medio e seu poema me soou tão secreto
que me feriu. O nome da poeta, estando escrito logo abaixo da estrofezinha em
meu livro didático, se gravou em mim para nunca mais ser esquecido.
Mas eu,
porém, não fui atrás de conhecer de fato sua escrita, porque aquele pedaço de
poema havia sido um enigma tão grande, que me apavorara e até me
repelira.
O problema
estava comigo, é claro, com meus melindres e pavores conformados, mas estava
também no modo como o enigma fora apresentado a mim.
Não é que
eu não estivesse acostumada a enigmas. Já amava a poesia-enigma de Drummond, já
amava a poesia-enigma de Mario Quintana. Conhecia uns poemas de Mario de cabo a
rabo, sim, porque os amava. E não eram menos difíceis ou menos fáceis que o
enigma Hilda.
Depois
entendi que o que me fez amar Mario e Carlos e o que me fez estranhar Hilda
fora o jeito com que tive contato com suas poesias.
Com
Drummond e Quintana, não houve apresentação ou preâmbulos. Por acasos da
vida, acabei me deparando com livros ou poemas deles inteiros, e os li sem a
pretensão de entendê-los, sem a pretensão de catalogá-los, sem a pretensão de
domesticá-los. Li porque estavam ali e o enigma se fez claro em sua escuridão
sedutora. Estava instaurado o amor.
Mas não
coube a mim conhecer Hilda através da descoberta. Eu a li porque estava no
livro didático, como coisa institucionalizada e meio muda. E o que era pior: havia
somente aquele trecho ridiculamente pequeno de seu poema.
O poema
fora retalhado para caber no manual de Literatura. Quando de fato nenhum poema
deveria caber em manual algum...!
O que
acontece é que o ensino de poesia hoje se faz engessado, e a poesia pode ser
tudo, menos gesso. Ela não está fixa, ela se move, e os movimentos dela se
mostram no poema.
Um poema
quebrado não serve para ensinar poesia. E aprender poesia é experiência,
experiência de sentido, não de intelecto.
Depois vim
a amar Hilda Hilst, mas foi preciso redescobri-la, descolar seu nome do livro
didático. Nos livros didáticos os poemas estão higienizados e castrados. Tais
livros normalmente não "perdem tempo" nos mostrando a poesia inteira
e assim retalham as veias que exatamente fazem do poema um poema.
Para se
ensinar poesia é preciso parar de tentar ensiná-la e deixar que seja lida em
sua completude, e o leitor do poema que decida se o ama ou não. Mas que o leia!
Comprei
recentemente este livro de Hilda chamado "Da morte. Odes mínimas",
tendo já conhecido alguns poemas dele. Amei-o. E por quê? Não sei...
Sei, sinto
que ele fala de morte. E a ideia da morte é quase sempre algo que perturba, e
nunca pensei nela de modo pacífico, e mesmo desligada do pensamento, ele sempre
me ronda. Nunca consegui botar essa agonia em palavras.
E quando
li Hilda, ali estava, tudo sussurrado em seus versos como eu mesma sentia
também. E foi Hilda então que veio me ensinando a morrer, e nisso há muito
maior valor do que a pretensa tentativa de alguém nos ensinar poesia.
E é assim
que se faz a poesia: experiência. É preciso experimentar. Desse modo, reproduzo
um dos poemas (e ele inteiro, é claro) desse livro, um dos meus favoritos, a
ode XIX, na imagem deste artigo.
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