Marcha contra Dilma, e agora?
Domingo
de sol, 15 de março. Pai e filho vestem a camisa da seleção, aquela canarinho,
enquanto a esposa (e mãe) prefere um vestido verde. Pegam apitos, narizes de
palhaço, cartazes criticando a corrupção e o governo, checam os pertences e
seguem para a manifestação. Dezenas, centenas, milhares de pessoas também
chegam. Cartazes distintos, ideias e motivações distintas, além de muitas
outras coisas distintas, salvo pela crítica à situação do país e à presidente.
Alguns, relembrando Collor, falam em impeachment, outros querem mudanças na
política econômica, nos direitos sociais, na estrutura política, novamente com
muitas discordâncias. Mas estão todos ali naquele ato, manifestando-se em
defesa de seus interesses e ideais, e contra os desmandos do governo. Ao final
do dia, marcha encerrada, a família volta pra casa e pergunta-se: E agora?
Muitos
foram dormir com a vã expectativa que, após a marcha do domingo, a segunda
nasceria anunciando o impeachment da presidente. Mas as coisas não são bem
assim, o processo envolve regras e condicionantes. Collor, o presidente que
sofreu impeachment já sob a égide da constituição de 1988, caiu porque era de
um partido pequeno, sem base de apoio, com denúncias que levavam diretamente a
ele e uma organização da sociedade civil, mesmo com diversos matizes, alinhada
na direção do impeachment. Dilma, embora muito desgastada, tem uma ampla base e
conta com partidos grandes como o próprio PT e o PMDB. E, apesar da imensidão
de críticas que seu governo tem recebido e de toda a campanha dos principais
meios de comunicação, falta uma ligação concreta entre ela, não do PT, com os
escândalos de corrupção para que sua queda passe a ser indicada de forma
minimamente sólida.
O PT
fez e continua fazendo muita coisa que desagrada pessoas dos mais variados
espectros políticos. Não porque esteja implantando uma política bolivariana ou
por governar como um partido de esquerda como alegam alguns. O PT adota a
mesmíssima lógica de funcionamento do PSDB, um governo de centro com perfil
social democrata e voltado para os interesses do grande capital. Exatamente por
isso, na última disputa eleitoral o que se viu não foram planos de governo
diferentes, mas duas propostas praticamente idênticas que buscavam
diferenciar-se acusando a outra coligação partidária de estar mais envolvida
com corrupção e argumentando ser a mais apta a executar a macropolítica
econômica neoliberal, aquela que privilegia o grande capital, e a fazer
concessão de algumas migalhas na forma de políticas compensatórias como o bolsa
família.
Do
outro lado, o PT está fragilizado, apesar de seu tamanho e de ser governo,
porque conseguiu fazer com que muita gente, que antes era pró-PT e que fez
campanha para o partido, estar na marcha do último dia 15. Gente que apoia
políticas e partidos de esquerda (o que não é o caso do PT, obviamente) e que
defendeu o governo da Dilma durante as últimas eleições, não por concordância,
mas por compreender que sua queda acabaria sendo ruim para a esquerda. Estes
estão frustrados, pois viram que seu esforço foi absolutamente em vão. O mal
que o partido da estrela causa à esquerda ocorre porque, equivocadamente,
muitos acreditam que o PT é um partido de esquerda, quando há muito ele deixou
de sê-lo (antes mesmo de assumir o governo), pois trocou um projeto de
sociedade por um projeto de poder, neoliberalizado. Muitos que chamaram o voto
em Dilma nas últimas eleições como um voto útil contra Aécio, pois este estaria
ao lado de forças mais conservadoras e reacionárias, descobriram muito
rapidamente que a estratégia foi um erro de dimensões colossais. Dilma e Aécio
servem aos mesmos senhores ou, como gostam de dizer alguns: são farinha do
mesmo saco!
Além de
tudo, o PT conseguiu insuflar a direita de caráter mais fascista e retrógrada a
levantar-se e sair do armário, onde estava escondida de vergonha desde o final
do período ditatorial. E esse segmento ergueu-se não porque o PT não tenha
governado sob a política que eles desejam, mas simplesmente porque vislumbraram
que o distanciamento do poder poderia estender-se por mais de duas décadas.
Para estes era necessária a retomada do poder, a partir do campo do
conservadorismo. Por isso, o levante foi convocado com amplo apoio da grande
mídia, o quarto poder que muitos afirmam ser um partido extremamente forte,
embora sem qualquer estatuto de criação ou ficha de afiliação.
Dilma
continua no governo, nem tão firme, nem tão forte, pois suas popularidade e
aprovação nunca estiveram tão baixas. Mas aqueles que querem a queda de Dilma
terão que marchar novamente se quiserem algo mais do que os pronunciamentos já
feitos. Terão que continuar a fazer pressão com argumentos mais consistentes,
definir pautas claras de atuação (na última havia uma miríade de propostas cada
uma apontando para um lado), fragilizar o governo, estabelecer vínculos diretos
entre Dilma e a corrupção, e terão que conseguir ultrapassar as embromações
típicas de quem está à frente do governo. Caso contrário, apenas ficarão com
raiva após fazer a manifestação, pois ao ligar a TV ouvirão representantes do governo
dizer: “Isso é do jogo democrático, o governo entende que isso é legítimo,
vamos ouvir as vozes que vem das ruas e das manifestações”. E verão, ao fim de
tudo, o governo Dilma seguir em frente fazendo mais do mesmo. Exatamente por
isso, já há articulação de nova manifestação para o mês de abril.
Mas, ao
fim e ao cabo, vai ser bom vivenciar essa luta com a postura do governo para
que se conheça um pouco a lida de quem enfrenta governos sistematicamente, em
geral aqueles que estão em sindicatos combativos (não atrelados ao governo ou
aos patrões). Saber como é dura a negociação contra alguém que parece deter
todo o poder e todas as armas enquanto você parece ter apenas força de vontade
e disposição para a luta. Entender como é fazer greve e ver um governo deixar a
manifestação esticar por um, dois, três, quatro meses para quebrá-la, pura e
simplesmente, pelo cansaço. Com mesas de negociação constantemente adiadas e,
quando finalmente ocorrem, perceber que tudo é enrolação e que ao final o
governo empurra o que já tinha definido desde o início. Assim, a marcha do dia
15 e seus desdobramentos hão de ser um processo de aprendizagem para todos, que
venham novos domingos e suas marchas, novos atos, novas manifestações. E que,
caindo ou não o governo, aprendamos mais sobre os princípios democráticos e
entendamos que manifestações, paralisações, greves e demais atos de
enfrentamento são parte das armas da população contra quem detém o poder do
Estado.
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