sexta-feira, 20 de março de 2015

ENTRELINHAS



Marcha contra Dilma, e agora?

Domingo de sol, 15 de março. Pai e filho vestem a camisa da seleção, aquela canarinho, enquanto a esposa (e mãe) prefere um vestido verde. Pegam apitos, narizes de palhaço, cartazes criticando a corrupção e o governo, checam os pertences e seguem para a manifestação. Dezenas, centenas, milhares de pessoas também chegam. Cartazes distintos, ideias e motivações distintas, além de muitas outras coisas distintas, salvo pela crítica à situação do país e à presidente. Alguns, relembrando Collor, falam em impeachment, outros querem mudanças na política econômica, nos direitos sociais, na estrutura política, novamente com muitas discordâncias. Mas estão todos ali naquele ato, manifestando-se em defesa de seus interesses e ideais, e contra os desmandos do governo. Ao final do dia, marcha encerrada, a família volta pra casa e pergunta-se: E agora?

Muitos foram dormir com a vã expectativa que, após a marcha do domingo, a segunda nasceria anunciando o impeachment da presidente. Mas as coisas não são bem assim, o processo envolve regras e condicionantes. Collor, o presidente que sofreu impeachment já sob a égide da constituição de 1988, caiu porque era de um partido pequeno, sem base de apoio, com denúncias que levavam diretamente a ele e uma organização da sociedade civil, mesmo com diversos matizes, alinhada na direção do impeachment. Dilma, embora muito desgastada, tem uma ampla base e conta com partidos grandes como o próprio PT e o PMDB. E, apesar da imensidão de críticas que seu governo tem recebido e de toda a campanha dos principais meios de comunicação, falta uma ligação concreta entre ela, não do PT, com os escândalos de corrupção para que sua queda passe a ser indicada de forma minimamente sólida.

O PT fez e continua fazendo muita coisa que desagrada pessoas dos mais variados espectros políticos. Não porque esteja implantando uma política bolivariana ou por governar como um partido de esquerda como alegam alguns. O PT adota a mesmíssima lógica de funcionamento do PSDB, um governo de centro com perfil social democrata e voltado para os interesses do grande capital. Exatamente por isso, na última disputa eleitoral o que se viu não foram planos de governo diferentes, mas duas propostas praticamente idênticas que buscavam diferenciar-se acusando a outra coligação partidária de estar mais envolvida com corrupção e argumentando ser a mais apta a executar a macropolítica econômica neoliberal, aquela que privilegia o grande capital, e a fazer concessão de algumas migalhas na forma de políticas compensatórias como o bolsa família.

Do outro lado, o PT está fragilizado, apesar de seu tamanho e de ser governo, porque conseguiu fazer com que muita gente, que antes era pró-PT e que fez campanha para o partido, estar na marcha do último dia 15. Gente que apoia políticas e partidos de esquerda (o que não é o caso do PT, obviamente) e que defendeu o governo da Dilma durante as últimas eleições, não por concordância, mas por compreender que sua queda acabaria sendo ruim para a esquerda. Estes estão frustrados, pois viram que seu esforço foi absolutamente em vão. O mal que o partido da estrela causa à esquerda ocorre porque, equivocadamente, muitos acreditam que o PT é um partido de esquerda, quando há muito ele deixou de sê-lo (antes mesmo de assumir o governo), pois trocou um projeto de sociedade por um projeto de poder, neoliberalizado. Muitos que chamaram o voto em Dilma nas últimas eleições como um voto útil contra Aécio, pois este estaria ao lado de forças mais conservadoras e reacionárias, descobriram muito rapidamente que a estratégia foi um erro de dimensões colossais. Dilma e Aécio servem aos mesmos senhores ou, como gostam de dizer alguns: são farinha do mesmo saco!

Além de tudo, o PT conseguiu insuflar a direita de caráter mais fascista e retrógrada a levantar-se e sair do armário, onde estava escondida de vergonha desde o final do período ditatorial. E esse segmento ergueu-se não porque o PT não tenha governado sob a política que eles desejam, mas simplesmente porque vislumbraram que o distanciamento do poder poderia estender-se por mais de duas décadas. Para estes era necessária a retomada do poder, a partir do campo do conservadorismo. Por isso, o levante foi convocado com amplo apoio da grande mídia, o quarto poder que muitos afirmam ser um partido extremamente forte, embora sem qualquer estatuto de criação ou ficha de afiliação.

Dilma continua no governo, nem tão firme, nem tão forte, pois suas popularidade e aprovação nunca estiveram tão baixas. Mas aqueles que querem a queda de Dilma terão que marchar novamente se quiserem algo mais do que os pronunciamentos já feitos. Terão que continuar a fazer pressão com argumentos mais consistentes, definir pautas claras de atuação (na última havia uma miríade de propostas cada uma apontando para um lado), fragilizar o governo, estabelecer vínculos diretos entre Dilma e a corrupção, e terão que conseguir ultrapassar as embromações típicas de quem está à frente do governo. Caso contrário, apenas ficarão com raiva após fazer a manifestação, pois ao ligar a TV ouvirão representantes do governo dizer: “Isso é do jogo democrático, o governo entende que isso é legítimo, vamos ouvir as vozes que vem das ruas e das manifestações”. E verão, ao fim de tudo, o governo Dilma seguir em frente fazendo mais do mesmo. Exatamente por isso, já há articulação de nova manifestação para o mês de abril.


Mas, ao fim e ao cabo, vai ser bom vivenciar essa luta com a postura do governo para que se conheça um pouco a lida de quem enfrenta governos sistematicamente, em geral aqueles que estão em sindicatos combativos (não atrelados ao governo ou aos patrões). Saber como é dura a negociação contra alguém que parece deter todo o poder e todas as armas enquanto você parece ter apenas força de vontade e disposição para a luta. Entender como é fazer greve e ver um governo deixar a manifestação esticar por um, dois, três, quatro meses para quebrá-la, pura e simplesmente, pelo cansaço. Com mesas de negociação constantemente adiadas e, quando finalmente ocorrem, perceber que tudo é enrolação e que ao final o governo empurra o que já tinha definido desde o início. Assim, a marcha do dia 15 e seus desdobramentos hão de ser um processo de aprendizagem para todos, que venham novos domingos e suas marchas, novos atos, novas manifestações. E que, caindo ou não o governo, aprendamos mais sobre os princípios democráticos e entendamos que manifestações, paralisações, greves e demais atos de enfrentamento são parte das armas da população contra quem detém o poder do Estado.

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