Não tá fácil pra ninguém
BARBARA AZEVEDO COSTA
Meus amigos, toda vez que a vida fica muito difícil à gente tem a
impressão de que ela nunca antes esteve tão difícil, mas a verdade é que ela
sempre foi muito difícil, com pequenos intervalos de alegria e contentamento
suspensos no ar por alguns momentos. Porém, pense pelo lado bom: em contra-partida,
só há na vida uns pouquíssimos episódios de barbárie extrema.
Olhando assim de lado, dá pra perceber que a vida é um equilibrado jogo
de enfado e dificuldade, mas nada muito dramático, não muitas vezes. Tá todo
mundo na pior, sem distinção. E estamos sempre na iminência da barbárie, mas
quase nunca completamente engolidos por ela.
Vamos aguentando, segurando as pontas. E, se não tá fácil pra ninguém, é
sinal de que tá todo mundo na mesma, e se tá todo mundo na mesma, não existe um
problema só de uma pessoa, mas um problema razoável coletivo: o estar mal é
para todos.
Por outro lado, esse nosso esforço hercúleo de fazer aparentar que tá
tudo sempre bem. Mais que bem, tudo perfeito. Já reparou como que, em foto, a
vida é sempre linda, como é perfeita a rotina de toda criatura nas redes
sociais, por exemplo?As viagens, as joias, os iates, os herdeiros, os hobbies.
Mas a verdade é que são os mesmos humanos de sempre, fazendo as mesmas
coisas de sempre: comendo, bebendo, parindo, sepultando, lendo os mesmos
livros, ouvindo as mesmas músicas, vendo as mesmas novelas, tendo de se reposicionar em lugares infernais
- os mesmos pesadelos em pontos cardinais diferentes, e as mesmas pessoas
buscando um pouco de reconhecimento por suas referências, pelo engajamento,
pelo esforço moral, seja como for, ao menos no Facebook, porque a vida é mesmo
ingrata lá fora, mas pode ser acobertada ali dentro.
Somos todos nós essas pessoas, meus amigos. Sofrendo e fingindo. Às
vezes, você se exclui do processo, se cansa do teatro e pensa ser o único que
pena os maiores castigos. Nada disso! Porque todas essas pessoas lindas e
limpinhas estão na mesma situação que você: tentando.
Tentando não sucumbir. A realidade da irrealidade virtual é a tentativa
de higienizar o caos da vida, o que nem sempre, quase nunca, dá certo, embora
às vezes a mentira da maquiagem seja tão persuasiva que a gente chega mesmo a
acreditar que a vida de todo mundo tá tão melhor que a nossa.
Verdade é que não tem um que esteja para cá do desajustamento, a salvo.
Mas a gente ainda sai dando bom-dia aos motoristas de ônibus na esperança de
que um pacto de bem-estar arbitrário, dessa vez, nessa manhã, funcione.
Embora esse mal-estar seja geral, volto a dizer também que o caos
instalado ainda não é completo. E que a barbárie ainda não se fez normalidade.
Porque tentamos. Tentamos fugir dos extremos, ainda que os discursos cada vez
mais se absurdem e a violência das vozes se acirre.
Estamos cansados de tudo, desta
civilização, mas não totalmente cansados ou desesperados a ponto de abrir mão
do único modo organizado que encontramos para sobreviver em conjunto, com
nossas práticas políticas. Ainda somos bichinhos politizando-se, tentando não
voltar ao pó e à sombra da caverna - nossas costas ainda um pouco lá dentro -,
e talvez nessa constatação repouse a última esperança.
E antes de que o mal-estar de agora nos conduza ao estado mais primário
- em que só conta a vontade própria e o instinto de sobrevivência, instinto que
pode destruir tudo o que vê pela frente, já que tudo ao redor de repente faz
com que nos sintamos ameaçados em nossa pequenez -, penso que devemos usar todo
o esforço de que lançamos mão para maquiar nossas vidas cansadas para um
esforço numa outra direção, mais nobre, frutífera, sensata.
Com a mesma gana com que tecemos uma vida de superfícies plumosas e
ilusões de algodão num espetáculo torto, deveríamos buscar a saída do mal-estar
coletivo: um bem-estar mínimo e geral. Um passo mais longe da barbárie. Deixando
um pouco de pôr a nossa vida no centro. Mas usar o pensar de dentro para tentar
entender como que, partindo de si, se conserta o de fora sem impor-se como
única medida de bem-estar ou mal-estar do mundo. Porque, como se vê, nem a
gente mesmo sabe muito bem quando é que tá bem, quando é que tá mal. Mas, quem
sabe, todo mundo mal, todo mundo junto, pensando modos de mudar isso, quem sabe
assim não conseguimos dar um jeito?
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