sexta-feira, 20 de março de 2015

ANTENADOS





Não tá fácil pra ninguém



BARBARA AZEVEDO COSTA




Meus amigos, toda vez que a vida fica muito difícil à gente tem a impressão de que ela nunca antes esteve tão difícil, mas a verdade é que ela sempre foi muito difícil, com pequenos intervalos de alegria e contentamento suspensos no ar por alguns momentos. Porém, pense pelo lado bom: em contra-partida, só há na vida uns pouquíssimos episódios de barbárie extrema.

Olhando assim de lado, dá pra perceber que a vida é um equilibrado jogo de enfado e dificuldade, mas nada muito dramático, não muitas vezes. Tá todo mundo na pior, sem distinção. E estamos sempre na iminência da barbárie, mas quase nunca completamente engolidos por ela.

Vamos aguentando, segurando as pontas. E, se não tá fácil pra ninguém, é sinal de que tá todo mundo na mesma, e se tá todo mundo na mesma, não existe um problema só de uma pessoa, mas um problema razoável coletivo: o estar mal é para todos.

Por outro lado, esse nosso esforço hercúleo de fazer aparentar que tá tudo sempre bem. Mais que bem, tudo perfeito. Já reparou como que, em foto, a vida é sempre linda, como é perfeita a rotina de toda criatura nas redes sociais, por exemplo?As viagens, as joias, os iates, os herdeiros, os hobbies.

Mas a verdade é que são os mesmos humanos de sempre, fazendo as mesmas coisas de sempre: comendo, bebendo, parindo, sepultando, lendo os mesmos livros, ouvindo as mesmas músicas, vendo as mesmas novelas,  tendo de se reposicionar em lugares infernais - os mesmos pesadelos em pontos cardinais diferentes, e as mesmas pessoas buscando um pouco de reconhecimento por suas referências, pelo engajamento, pelo esforço moral, seja como for, ao menos no Facebook, porque a vida é mesmo ingrata lá fora, mas pode ser acobertada ali dentro.

Somos todos nós essas pessoas, meus amigos. Sofrendo e fingindo. Às vezes, você se exclui do processo, se cansa do teatro e pensa ser o único que pena os maiores castigos. Nada disso! Porque todas essas pessoas lindas e limpinhas estão na mesma situação que você: tentando.

Tentando não sucumbir. A realidade da irrealidade virtual é a tentativa de higienizar o caos da vida, o que nem sempre, quase nunca, dá certo, embora às vezes a mentira da maquiagem seja tão persuasiva que a gente chega mesmo a acreditar que a vida de todo mundo tá tão melhor que a nossa.

Verdade é que não tem um que esteja para cá do desajustamento, a salvo. Mas a gente ainda sai dando bom-dia aos motoristas de ônibus na esperança de que um pacto de bem-estar arbitrário, dessa vez, nessa manhã, funcione.

Embora esse mal-estar seja geral, volto a dizer também que o caos instalado ainda não é completo. E que a barbárie ainda não se fez normalidade. Porque tentamos. Tentamos fugir dos extremos, ainda que os discursos cada vez mais se absurdem e a violência das vozes se acirre.

Estamos cansados de tudo, desta civilização, mas não totalmente cansados ou desesperados a ponto de abrir mão do único modo organizado que encontramos para sobreviver em conjunto, com nossas práticas políticas. Ainda somos bichinhos politizando-se, tentando não voltar ao pó e à sombra da caverna - nossas costas ainda um pouco lá dentro -, e talvez nessa constatação repouse a última esperança.

E antes de que o mal-estar de agora nos conduza ao estado mais primário - em que só conta a vontade própria e o instinto de sobrevivência, instinto que pode destruir tudo o que vê pela frente, já que tudo ao redor de repente faz com que nos sintamos ameaçados em nossa pequenez -, penso que devemos usar todo o esforço de que lançamos mão para maquiar nossas vidas cansadas para um esforço numa outra direção, mais nobre, frutífera, sensata.

Com a mesma gana com que tecemos uma vida de superfícies plumosas e ilusões de algodão num espetáculo torto, deveríamos buscar a saída do mal-estar coletivo: um bem-estar mínimo e geral. Um passo mais longe da barbárie. Deixando um pouco de pôr a nossa vida no centro. Mas usar o pensar de dentro para tentar entender como que, partindo de si, se conserta o de fora sem impor-se como única medida de bem-estar ou mal-estar do mundo. Porque, como se vê, nem a gente mesmo sabe muito bem quando é que tá bem, quando é que tá mal. Mas, quem sabe, todo mundo mal, todo mundo junto, pensando modos de mudar isso, quem sabe assim não conseguimos dar um jeito?

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