Políticos
“profissionais” e a república cleptocrata
Luiz Flávio Gomes
(Jurista e professor)
Se as
investigações criminais que o STF mandou promover contra os primeiros 47
políticos indicados pelo Procurador-Geral resultarem frutíferas, ganhará muita
força a tese de que quanto mais tempo o político fica na política mais
vulnerável ele se torna à corrupção cleptocrata “institucionalizada” no Brasil,
ou seja, à corrupção praticada pelas classes dominantes e/ou reinantes para
manterem seus privilégios e suas posições de comando, de poder, de exploração e
de roubalheira do patrimônio público (que se traduz indefectivelmente numa
acumulação ilícita de riquezas e/ou de poder, violando-se no último caso o
princípio republicano da alternância política).
No
Brasil, em regra, a permanência do político na política por muito tempo (nós
imaginamos que o máximo ideal seria de 8 anos) é extremamente perniciosa para
os interesses gerais da nação. As exceções a essa regra não justificam
mantê-la, porque seus eventuais benefícios não compensam os altíssimos custos
dos políticos profissionais, que têm como patrono José Sarney (daí nosso
movimento “fimdopoliticoprofissional. Com. Br”).
Dentre os
47 políticos citados (na decisão de Teori Zavascki, ministro do STF) temos o
seguinte: 1 deles começou sua carreira na década de 1960
(Benedito de Lira), 5 deles na década de 1970 (Simão Sessim,
Edison Lobão, Renan Calheiros, Fernando Collor, Pedro Corrêa), 11 deles na
década de 1980 (José Olimpio Silveira Moraes, Vilson Covati, Valdir Raupp,
Roberto Balestra, Aníbal Gomes, João Felipe de Souza Leão, João Sandes Jr.,
José Otávio Germano, Nelson Meurer, José Mentor, Romero Jucá), 17 deles na
década de 1990 (Roseana Sarney, José Linhares, Mário Negromente, Humberto
Sérgio Costa Lima, Pedro Henry, Arthur Lira, Luiz Carlos Heinze, Carlos Magno,
Dilceu Sperafico, Lindbergh Farias, Afonso Hamm, Luiz Fernando Ramos Faria,
Renato Molling, Roberto Pereira Brito, Ciro Nogueira, João Pizzolatti, Cândido
Vacarezza, Agnaldo Velloso), 12 deles na década de 2000 (João
Argôlo Filho, Eduardo Cunha, Jerônimo Goergen, Vander Loubet, Roberto Teixeira,
Antônio Anastasia, Aline Corrêa, Eduardo Henriqueda Fonte Albuquerque e Silva,
Gladson Cameli, Lázaro Botelho, Waldir Maranhão) e apenas um na
década de 2010 (Gleisi Hoffman).
Trinta e
quatro deles, como se vê, começaram a carreira política no milênio passado; 12
iniciaram a carreira política a partir do ano 2000 e apenas um deles em 2010.
Num levantamento rápido do jornal O Globo (16/3/15), vários
desses políticos alcançaram incríveis aumentos patrimoniais (que vão até a
22.000%).
Como acontece
o processo de cleptocratização das classes dominantes e/ou reinantes, das quais
os políticos fazem parte? O processo se desenvolve em três etapas: (a)
convivência, (b) conivência e (c) e cleptocrata-existência.
Tudo tem
início com a convivência com as regras da roubalheira da
cleptocracia (seja no mundo partidário propriamente dito, seja na esfera
institucional em que o político se move). Muitas vezes essa “carreira
cleptocrata” é transmitida para as pessoas que cercam o político. Dos que foram
eleitos em 2014, mais de 80 parlamentares são parentes diretos ou indiretos de
velhos políticos profissionais. Quando os códigos morais passados por eles aos
filhos, parentes e amigos são deteriorados, todos acabam aprendendo o modus
operandi da política brasileira. De acordo com Edwin Sutherland, a
carreira criminal não se inventa, se aprende (teoria da associação
diferencial).
Depois de
um período de convivência vem a conivência, até se chegar à “cleptocrata-existência”,
que rapidamente atinge o nível patológico, porque o político profissional se
torna irreciclável para a vida civil comum. Ele passa a ser um dependente dareeleição (ou
se reelege ou se acaba politicamente). E não existe reeleição sem muito
dinheiro. A busca incessante por “fundos de campanha” transforma o político num
dependente, equivalente a um “droga-adicto”. Depois de vários anos de
impunidade (que o mundo das classes dominantes e/ou reinantes lhe confere) e de
contato diário com a podridão do crime organizado cleptocrata, que gira em
torno da res pública, de tudo são capazes para se preservarem na
política, ainda que seja de forma ilícita, com uso do caixa 1 fraudulento
(dinheiro de corrupção dado “por dentro” como “doação eleitoral”), caixa 2
(dinheiro por fora) e caixa 3 (dinheiro dado pelo corruptor do seu mandato
diretamente aos seus prestadores de serviços – veja Márlon Reis, O
nobre deputado). Muitos deles, já sem nenhuma continência(contenção),
entram emdelirium tremens só de pensar numa eventual crise crônica
de abstinência.
A
historiografia de centenas ou até mesmo milhares de políticos tem total
similitude com a deformação moral gerada pela banalização do mal (tal
como descrita por Hannah Arendt). No âmbito da carreira policial isso se chama
policialização (veja o relato do ex-policial Rodrigo Nogueira, no livro Como
nascem os monstros). No campo da política o fenômeno se chama cleptocrata-existência.
Enquanto a vida pública brasileira não for depurada profundamente da
cleptocracia, que é a roubalheira promovida pelas classes dominantes e/ou
reinantes que se unem em Parceria Público/Privada para a Pilhagem do Patrimônio
Público, o futuro do Brasil estará sempre comprometido (mesmo que 2 milhões de
pessoas protestem indignadas nas ruas).
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