sábado, 16 de maio de 2015

ENTRELINHAS


Mentiras, verdades e Behaviorismo.

“Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”. Essa frase é atribuída a Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda na Alemanha nazista, que também teria dito sobre Adolph Hitler: “Este homem é perigoso, ele acredita no que diz”. As duas frases são complementares, pois em geral aquele que repete várias vezes uma mentira considera-a verdade. O desvirtuamento de um fato, evento, citação ou compreensão do mundo ocorre não apenas na política ou no cotidiano, mas também no mundo da ciência. Não é incomum que concepções teóricas ou afirmações de pesquisadores sejam recortadas de seu contexto ou descaracterizadas intencionalmente ou não como forma de desconstruir um adversário ou suas concepções e teorias. Uma mentira não precisa ser obrigatoriamente má fé, pode ser apenas um equívoco de interpretação ou uma incompreensão que se passa adiante, mas que acaba por distorcer a verdade. Essa concepção de mentira sem má fé é a referência desta análise.

Em ciência, várias dessas mentiras repetidas exaustivamente ao ponto de serem assumidas como verdade – afetam o Behaviorismo – que é tanto uma escola da Psicologia quanto a filosofia de uma ciência denominada Análise do Comportamento. Uma das afirmações em ciência que seguem essa lógica é a de que o Behaviorismo “negligencia os dons inatos e argumenta que todo comportamento é adquirido durante a vida do indivíduo”. Assume-se que os teóricos comportamentalistas consideram os organismos, ser humano incluído, como tábulas rasas desprovidas de qualquer informação prévia sobre a qual o ambiente inscreveria a seu bel prazer como em uma página em branco. Essa visão traz embutida a ideia de que o Behaviorismo é uma escola estímulo-resposta, ou S-R, o que é, para dizer o mínimo, outro equívoco repetido exaustivamente.

B.F. Skinner, um dos principais expoentes dessa escola de Psicologia responde com propriedade a essa alegação de que os organismos sejam tábulas rasas em seu livro Sobre o Behaviorismo. Entretanto, as mentiras continuam a ser repetidas e não é incomum encontrar pessoas que não são da Psicologia, ou mesmo calouros de Psicologia que mal começaram a conhecer o curso fazer essa e outras alegações distorcidas e colocarem-se contrários ao Behaviorismo.
Considerar o comportamentalismo como uma escola exclusivamente ambientalista é desconsiderar o modelo de seleção pelas consequências e seus três níveis: filogenético, ontogenético e cultural. É fato que a Análise do Comportamento tem centrado sua atenção no nível ontogenético (o segundo) ao buscar entender como a seleção operante atua. Isso ocorre porque os comportamentos e os processos psicológicos (sim, o Behaviorismo fala em processos psicológicos, embora critique o mentalismo) estabelecem-se em uma relação interativa (e não de determinação unidirecional do ambiente para o indivíduo) onde organismo e ambiente afetam-se e, portanto, constroem-se mutuamente. Esse interacionismo (e não ambientalismo) da Análise do Comportamento ajuda-nos a compreender como as contingências de reforço fazem com que nos envolvamos em exibir um determinado comportamento e, assim permite-nos explicar a grande variedade de nossos repertórios comportamentais.

Entretanto, além do nível ontogenético, há o cultural. Nesse nível, o terceiro, busca-se compreender o estabelecimento de repertórios comportamentais oriundos das interações sociais do indivíduo. A distinção significativa estabelecida entre o segundo e o terceiro nível é o fato de que a seleção não incide diretamente na sobrevivência do indivíduo, mas na sobrevivência do grupo que exibe aquela prática cultural. A linguagem seria a principal responsável por inserir o indivíduo em ambientes complexos que permitiram o desenvolvimento de práticas culturais que seriam operantes em contingências entrelaçadas. Sendo um ser eminentemente envolvido em linguagem, as contingências culturais são importantíssimas.

Mas, voltando à questão da mentira inicial, o Behaviorismo considera também o nível filogenético, o primeiro nível de seleção. Nesse ponto, consideram-se todos os processos de seleção que ocorreram na história da espécie e que contribuíram para a capacidade de sobrevivência e reprodução. Nesse sentido, repertórios que foram selecionados e que estarão presentes nos indivíduos da espécie fazem com que os organismos não se apresentem como tábulas rasas, mas como seres interativos cuja história filogenética produz impactos sobre o ambiente e interfere em seus efeitos. Darwin, em seu livro A Expressão das Emoções nos Homens e nos Animais já estudava tanto comportamentos frutos da história da espécie quanto aqueles aprendidos na interação social. Portanto, os estudiosos do comportamento desde Darwin já reconhecem a relevância da história filogenética na definição do repertório dos organismos, incluindo o homem.

O Behaviorismo parte da premissa de que uma ciência do comportamento é possível e desafia noções como o mentalismo e o livre-arbítrio que são caras ao senso comum e às concepções hegemônicas de algumas correntes filosóficas e científicas. O Behaviorismo, ao reconhecer os três níveis de seleção (ontogenético, filogenético e cultural) deixa claro que o ser humano não é uma tábula rasa, mas, ao configurar-se como uma escola que conflita com visões hegemônicas, precisa desconstruir as mentiras dos Ministros da Propaganda atuais que, contadas exaustivamente, passam por verdades, além de continuar apresentando contribuições nos mais variados campos da existência humana, como vem fazendo ao longo de sua história.


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