Mentiras, verdades
e Behaviorismo.
“Uma mentira repetida mil vezes torna-se
verdade”. Essa frase é atribuída a Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda na
Alemanha nazista, que também teria dito sobre Adolph Hitler: “Este homem é
perigoso, ele acredita no que diz”. As duas frases são complementares, pois em
geral aquele que repete várias vezes uma mentira considera-a verdade.
O desvirtuamento de um fato, evento, citação ou compreensão do mundo ocorre não
apenas na política ou no cotidiano, mas também no mundo da ciência. Não é
incomum que concepções teóricas ou afirmações de pesquisadores sejam recortadas
de seu contexto ou descaracterizadas intencionalmente ou não como forma de
desconstruir um adversário ou suas concepções e teorias.
Uma mentira não precisa ser obrigatoriamente má fé, pode ser apenas
um equívoco de interpretação ou uma incompreensão que se passa adiante, mas que
acaba por distorcer a verdade. Essa concepção de mentira sem má fé é
a referência desta análise.
Em ciência, várias
dessas mentiras repetidas exaustivamente ao ponto de serem assumidas
como verdade – afetam o Behaviorismo – que é tanto uma escola da
Psicologia quanto a filosofia de uma ciência denominada Análise do
Comportamento. Uma das afirmações em ciência que seguem essa lógica é a de que
o Behaviorismo “negligencia os
dons inatos e argumenta que todo comportamento é adquirido durante a vida do
indivíduo”. Assume-se que os teóricos comportamentalistas consideram os
organismos, ser humano incluído, como tábulas rasas desprovidas de qualquer
informação prévia sobre a qual o ambiente inscreveria a seu bel prazer como em
uma página em branco. Essa visão traz embutida a ideia de que
o Behaviorismo é uma escola estímulo-resposta, ou S-R, o que é, para
dizer o mínimo, outro equívoco repetido exaustivamente.
B.F. Skinner, um dos principais expoentes dessa
escola de Psicologia responde com propriedade a essa alegação de que os
organismos sejam tábulas rasas em seu livro Sobre o Behaviorismo.
Entretanto, as mentiras continuam a ser repetidas e não é incomum
encontrar pessoas que não são da Psicologia, ou mesmo calouros de Psicologia
que mal começaram a conhecer o curso fazer essa e outras alegações distorcidas
e colocarem-se contrários ao Behaviorismo.
Considerar o comportamentalismo como uma escola
exclusivamente ambientalista é desconsiderar o modelo de seleção pelas
consequências e seus três níveis: filogenético, ontogenético e cultural. É fato
que a Análise do Comportamento tem centrado sua atenção no nível ontogenético
(o segundo) ao buscar entender como a seleção operante atua. Isso ocorre porque
os comportamentos e os processos psicológicos (sim,
o Behaviorismo fala em processos psicológicos, embora critique o
mentalismo) estabelecem-se em uma relação interativa (e não de determinação
unidirecional do ambiente para o indivíduo) onde organismo e ambiente afetam-se
e, portanto, constroem-se mutuamente. Esse interacionismo (e não ambientalismo)
da Análise do Comportamento ajuda-nos a compreender como as contingências de
reforço fazem com que nos envolvamos em exibir um determinado comportamento e,
assim permite-nos explicar a grande variedade de nossos repertórios
comportamentais.
Entretanto, além do nível ontogenético, há o
cultural. Nesse nível, o terceiro, busca-se compreender o estabelecimento de
repertórios comportamentais oriundos das interações sociais do indivíduo. A
distinção significativa estabelecida entre o segundo e o terceiro nível é o
fato de que a seleção não incide diretamente na sobrevivência do indivíduo, mas
na sobrevivência do grupo que exibe aquela prática cultural. A linguagem seria
a principal responsável por inserir o indivíduo em ambientes complexos que
permitiram o desenvolvimento de práticas culturais que seriam operantes em
contingências entrelaçadas. Sendo um ser eminentemente envolvido em linguagem,
as contingências culturais são importantíssimas.
Mas, voltando à questão
da mentira inicial, o Behaviorismo considera também o nível
filogenético, o primeiro nível de seleção. Nesse ponto, consideram-se todos os
processos de seleção que ocorreram na história da espécie e que contribuíram
para a capacidade de sobrevivência e reprodução. Nesse sentido, repertórios que
foram selecionados e que estarão presentes nos indivíduos da espécie fazem com
que os organismos não se apresentem como tábulas rasas, mas como seres
interativos cuja história filogenética produz impactos sobre o ambiente e
interfere em seus efeitos. Darwin, em seu livro A Expressão das Emoções nos
Homens e nos Animais já estudava tanto comportamentos frutos da história da
espécie quanto aqueles aprendidos na interação social. Portanto, os estudiosos
do comportamento desde Darwin já reconhecem a relevância da história
filogenética na definição do repertório dos organismos, incluindo o homem.
O Behaviorismo parte da premissa de que
uma ciência do comportamento é possível e desafia noções como o mentalismo e o
livre-arbítrio que são caras ao senso comum e às concepções hegemônicas de
algumas correntes filosóficas e científicas. O Behaviorismo, ao reconhecer
os três níveis de seleção (ontogenético, filogenético e cultural) deixa claro
que o ser humano não é uma tábula rasa, mas, ao configurar-se como uma escola
que conflita com visões hegemônicas, precisa desconstruir
as mentiras dos Ministros da Propaganda atuais que, contadas
exaustivamente, passam por verdades, além de continuar apresentando
contribuições nos mais variados campos da existência humana, como vem fazendo
ao longo de sua história.
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