Para os fugitivos do agora
Dia desses, conversava com uma amiga e me veio a
inspiração desta crônica. Ela, um ou dois anos mais velha que eu, já na
pós-graduação, hoje faz Mestrado. Nossa amizade data da época em que fomos
bolsistas de uma mesma monitoria da faculdade. A vida na universidade é medida
em semestres, e já se contam, desde quando nos conhecemos, uns quatro.
Sentamos então ali numa mesa ao canto, numa cantina
da UFC, e fomos abrindo o coração uma à outra. Nos vemos pouco, apesar do afeto
constante, do diálogo fácil. Era um fim de tarde mole de terça-feira, todos os
compromissos cumpridos, já escurecia, mas sem pressa. E nos deixamos
ficar.
Passamos mais de duas horas ali, conversando,
rindo, comentando textos, comentando vidas. Falamos de nós mesmas, de
besteiras, de medos, de desejos, a autossuficiência do desejo, um texto de
Deleuze e Guattari, porque às vezes um texto insiste em grudar na gente... E
falamos de futuros. Presentes. Passados. Tem conversas que valem o mesmo calor
de um poema.
Num dado momento, minha amiga me disse o que veio a
ser a coisa mais tocante que ouvi naquela semana. Ela ia me contando sobre como
tem muita dificuldade em encerrar ciclos na vida. Mal começa um, já está
pensando no próximo. Mal termina aquele em que se encontra, já sofre pelo que
virá. Por simplesmente não saber o que é que se faz com os fins das coisas.
Ela compartilha então que uns dias antes esteve
olhando suas fotos de formatura, quando terminou a graduação, ou talvez as
fotos da colação de grau, e de repente se lembrou de que, naquele momento, não
estava presente. Não era ela ali, na reitoria, com a beca, com o simbólico
diploma nas mãos. Vê-se os olhos, mas estão ausentes. Em corpo, mas o ânimo tão
longe... Ela não conseguiu aproveitar. E me confessa que o problema de não
estar ali era porque se perguntava: "E agora, o que eu faço?" E
sofria, muda. Acabara a graduação. Sem rumo, sem perspectiva. Neblina.
Sei que me conta tudo isso porque sabe que, estando
eu já tão perto de concluir também minha faculdade, me capturo tecendo mil
pesadelos, fabricando, antecipando mil dramas. Ela sabe, saca bem, que não sei
também lidar com os fins dos ciclos. E sua história me cai no coração
encaixando-se bem certinho.
Olho para ela. Quantos mais como nós? A conclusão
da história nem precisa ser dita. Acabou que deu mesmo tudo certo, ou, pelo
menos, ela foi de um ciclo a outro – agora o ciclo do Mestrado – com relativa
maciez, tranquilidade, certeza.
Tudo superado. E talvez o maior sofrimento mesmo
hoje seja o arrependimento ao olhar as fotos do rito de passagem da formatura e
perceber que não estava ali, não lembra-se de si. As coisas passam, somem... Se
não são guardadas na memória, já se perderam.
Naquela tarde de terça, fiquei versada um pouco
mais nessa lição que compartilho agora. Tanta gente, tantos livros, tantos
filmes nos falam sobre aproveitar o momento, "seize the day",
"carpe diem". E a gente pensa normalmente que isso diz respeito a
fazer loucuras, destrambelhar, lançar-se ao mundo estouvadamente, sem dono, sem
medir consequências. Na verdade, esse colher o momento é algo tão mais simples
e ao mesmo tempo tão mais assustador. É um dispositivo que deve ser acionado
aqui dentro da gente.
Concentrar-se no agora, para não enlouquecer
pensando no futuro, pensando no depois, pensando: "O que vai ser de mim
quando eu tirar esta beca"?
Virão outras coisas, é claro. Virá a resposta. Um
caminho, muitos caminhos. Ou dúvidas. Mas, mesmo na dúvida, a possibilidade de
escolha. Há escolha.
Às vezes, para se despreocupar, para relaxar, é
preciso mesmo só sintonizar o espírito ao presente, deixar tudo fluir com
naturalidade. Um dia após o outro. Cada dia traz seu próprio caos. Para que
apressá-los, acumulá-los? E quem é que pode acrescentar um dia sequer à própria
vida? Há uns mistérios...
Entendi a lição daquela tarde. Vai ver viver é
menos complicado do que a gente pensa. Bem, é complicado, sim. Mas muito mais
se a gente obceca com dias, anos, décadas à frente... Por ora, que tal sorrir
pra foto, sentir-se ali, realmente presente? É o que temos pra hoje.
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