sábado, 16 de maio de 2015

ANTENADOS



Para os fugitivos do agora

Dia desses, conversava com uma amiga e me veio a inspiração desta crônica. Ela, um ou dois anos mais velha que eu, já na pós-graduação, hoje faz Mestrado. Nossa amizade data da época em que fomos bolsistas de uma mesma monitoria da faculdade. A vida na universidade é medida em semestres, e já se contam, desde quando nos conhecemos, uns quatro.

Sentamos então ali numa mesa ao canto, numa cantina da UFC, e fomos abrindo o coração uma à outra. Nos vemos pouco, apesar do afeto constante, do diálogo fácil. Era um fim de tarde mole de terça-feira, todos os compromissos cumpridos, já escurecia, mas sem pressa. E nos deixamos ficar. 
Passamos mais de duas horas ali, conversando, rindo, comentando textos, comentando vidas. Falamos de nós mesmas, de besteiras, de medos, de desejos, a autossuficiência do desejo, um texto de Deleuze e Guattari, porque às vezes um texto insiste em grudar na gente... E falamos de futuros. Presentes. Passados. Tem conversas que valem o mesmo calor de um poema.

Num dado momento, minha amiga me disse o que veio a ser a coisa mais tocante que ouvi naquela semana. Ela ia me contando sobre como tem muita dificuldade em encerrar ciclos na vida. Mal começa um, já está pensando no próximo. Mal termina aquele em que se encontra, já sofre pelo que virá. Por simplesmente não saber o que é que se faz com os fins das coisas.

Ela compartilha então que uns dias antes esteve olhando suas fotos de formatura, quando terminou a graduação, ou talvez as fotos da colação de grau, e de repente se lembrou de que, naquele momento, não estava presente. Não era ela ali, na reitoria, com a beca, com o simbólico diploma nas mãos. Vê-se os olhos, mas estão ausentes. Em corpo, mas o ânimo tão longe... Ela não conseguiu aproveitar. E me confessa que o problema de não estar ali era porque se perguntava: "E agora, o que eu faço?" E sofria, muda. Acabara a graduação. Sem rumo, sem perspectiva. Neblina.

Sei que me conta tudo isso porque sabe que, estando eu já tão perto de concluir também minha faculdade, me capturo tecendo mil pesadelos, fabricando, antecipando mil dramas. Ela sabe, saca bem, que não sei também lidar com os fins dos ciclos. E sua história me cai no coração encaixando-se bem certinho.

Olho para ela. Quantos mais como nós? A conclusão da história nem precisa ser dita. Acabou que deu mesmo tudo certo, ou, pelo menos, ela foi de um ciclo a outro – agora o ciclo do Mestrado – com relativa maciez, tranquilidade, certeza.

Tudo superado. E talvez o maior sofrimento mesmo hoje seja o arrependimento ao olhar as fotos do rito de passagem da formatura e perceber que não estava ali, não lembra-se de si. As coisas passam, somem... Se não são guardadas na memória, já se perderam.

Naquela tarde de terça, fiquei versada um pouco mais nessa lição que compartilho agora. Tanta gente, tantos livros, tantos filmes nos falam sobre aproveitar o momento, "seize the day", "carpe diem". E a gente pensa normalmente que isso diz respeito a fazer loucuras, destrambelhar, lançar-se ao mundo estouvadamente, sem dono, sem medir consequências. Na verdade, esse colher o momento é algo tão mais simples e ao mesmo tempo tão mais assustador. É um dispositivo que deve ser acionado aqui dentro da gente.

Concentrar-se no agora, para não enlouquecer pensando no futuro, pensando no depois, pensando: "O que vai ser de mim quando eu tirar esta beca"?

Virão outras coisas, é claro. Virá a resposta. Um caminho, muitos caminhos. Ou dúvidas. Mas, mesmo na dúvida, a possibilidade de escolha. Há escolha.

Às vezes, para se despreocupar, para relaxar, é preciso mesmo só sintonizar o espírito ao presente, deixar tudo fluir com naturalidade. Um dia após o outro. Cada dia traz seu próprio caos. Para que apressá-los, acumulá-los? E quem é que pode acrescentar um dia sequer à própria vida? Há uns mistérios...


Entendi a lição daquela tarde. Vai ver viver é menos complicado do que a gente pensa. Bem, é complicado, sim. Mas muito mais se a gente obceca com dias, anos, décadas à frente... Por ora, que tal sorrir pra foto, sentir-se ali, realmente presente? É o que temos pra hoje.

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