quinta-feira, 9 de julho de 2015

ANTENADOS




Bárbara de Azevedo Costa

Mas nem tanto

Eu estava em busca de um tema para escrever esta coluna e, aproveitando minha estada aqui na casa da vovó, perguntei à prima Clara, enquanto sossegadamente nada fazíamos no sofá da casa a contemplar o marasmo das férias, alguma sugestão de ideia para explorar no texto desta semana. Minha prima veio com sugestão na hora: "Escreve sobre o que a gente vive... O fato de que nunca vai relaxar".
Pode até parecer absurdo falar em não relaxar quando estamos bem no comecinho das férias, fazendo nada e falando besteira pelos cotovelos. Mas acontece que dentro da gente há sempre um mundo de preocupações em ebulição. As coisas todas sempre jogadas a frente, para o que virá. A eterna ansiedade e a ocupação com as coisas do futuro, de modo que, pensando tanto em tudo, e até sofrendo por antecedência, nunca relaxamos na vida.
Essa é, realmente, a fase que vivenciamos. Mas quando é que não estivemos nesta fase? Estamos sempre a buscar um porvir. É a percepção de que, a cada nova etapa que cumprimos, nunca nos satisfazemos, vêm sempre novos anseios, demandas e esperas.
Minha prima me diz sobre a ansiedade de terminar o ensino médio, já sentindo a necessidade de ocupar a cabeça com a próxima etapa, enquanto eu, que termino a faculdade, já me ocupo e me preocupo também com coisas futuras, demandas que nem sequer me foram postas à frente, por ora, como urgentes. Mas não é essa a grande questão humana? Não somos só eu e Clarinha.
Enquanto conversávamos sobre o assunto, lembrei imediatamente de um livro que li quando era pequena, na escola, e embora eu já não saiba seu título nem as palavras exatas, recordo que contava sobre a invenção dos objetos todos que há no mundo, e como um casal, que moravam numa caverna em épocas pré-históricas, iam construindo coisas em busca de conforto.
Saíram da caverna, construíram uma cada, coseram roupas, utensílios domésticos, sempre em busca de satisfação e felicidade, e sempre encontrando a cada nova meta alcançada um novo problema.
Cada página com cada invenção do casal terminava com uma frase que dizia mais ou menos assim: "E todos estavam finalmente felizes... Mas nem tanto". E vinha em seguida a necessidade de uma nova criação, necessidade criada pelo próprio ciclo frenético de invenções do casal. Até que terminam a história de volta à caverna, com as roupas primitivas, descalços, para simplesmente contemplarem as estrelas, como faziam antigamente. E nunca foram tão felizes.

Com a lembrança dessa história, logo me vem, junto à percepção de que vivemos ansiosos de modo geral desde o início dos tempos, também o reconhecimento da necessidade de simplesmente parar um pouco a corrida frenética da vida para contemplar um pouco as estrelas. Olhar as estrelas é viver um dia de cada vez, viver agora. E deixar que os próprios dias tragam seus desafios, sem que eu os antecipe. Algumas vezes a única obrigação diária pode ser exatamente a necessidade de desaprender a se preocupar, pelo menos um pouco, para aproveitar também o agora.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

ARTIGO DO GATO - Amapá no protagonismo

 Amapá no protagonismo Por Roberto Gato  Desde sua criação em 1988, o Amapá nunca esteve tão bem colocado no cenário político nacional. Arri...