Arley Costa
Professor da UNIFAP, Doutor
em Ciências pela USP, diretor do SINDUFAP.
Da série: "maioridade,
prisões ou escolas - estamos sendo enganados".
Prólogo:
Texto longo. Se estiver com preguiça, nem perca seu tempo.
Sabe
aquele seu amigo "reaça" que posta fotos de menores de 18 anos com
armas nas mãos e pergunta se "aquilo" é criança e tem que ir pra
"escola"? Ele pode estar certo. E diversos exemplos de menores que
cometeram crimes dos mais bizarros podem e provavelmente estão além de qualquer
recuperação.
– Pausa
–
Sabe
aquele seu amigo "vermelho", que posta fotos de escolas e diz o tempo
todo que a gente precisa mais de escolas que de prisões? Ele pode estar certo.
Pior
que certo e errado, os amigos "reaça" e "vermelho" podem
estar falando das mesmas coisas, mas estão ocupados demais nas mútuas ofensas
para uma simples troca de informações.
Como
eles podem e estar falando da mesma coisa? Simples: eles estão falando de
momentos diferentes. Numa analogia estúpida, se eu quero comer frutas sem ter
que pagar preços absurdos por elas, eu preciso de um pomar. E leva tempo para o
abacateiro crescer e frutificar. E se ele crescer sem os cuidados adequados,
pode vir a ser necessário derrubá-lo, anos depois, porque ele não dá abacates
ou porque as "ervas daninhas" consumiram o abacateiro...
Lembra
do assassinato do menino que foi arrastado por bandidos no Rio, em 2007? Os
assassinos do João Hélio são árvores (muito) estragadas. Mantê-los em sociedade
é perigoso (considerando que seja possível). E, para tirá-los da sociedade,
precisamos de leis mais rigorosas (e que sejam aplicadas).
Mas
nem sempre eles – os assassinos – foram assim. Para ter aquele nível de
desprezo à vida, aquele nível de ignorância sobre a vida, você precisa de
condições específicas. Você precisa conviver desde a sua mais tenra infância
com a morte e com a violência, ao ponto de não entender – de não compreender –
o valor que tem a vida. E vivendo nestas circunstâncias, você tem outro
desafio: sobreviver. Se sobreviver, provavelmente foi graças a muito ódio. Ódio
de tudo. Ódio daquilo que você gostaria de ter tido e não teve. Ódio do mundo.
Ódio de si. Ódio puro e simples. Nada disso necessariamente elaborado ou
consciente: sentir ódio é relativamente fácil, como você bem deve ter sentido,
mesmo sem um milésimo do que vivem estas pessoas.
Se
este cenário te pareceu familiar, é porque ele é. É o cenário de um percentual
acachapante de brasileiros, entre eles crianças e adolescentes. O crime só é
uma opção se você conhece outra opção – é tão óbvio que esquecemos. E se não
formos apresentados a outra opção? E se a violência for a única linguagem que
conhecemos? Pois é com ela que nos comunicaremos... Se você acha que isso não é
verdade ou que é exagero da minha parte, eu peço que você procure visitar
"comunidades carentes não pacificadas" próximas a sua residência. No
Rio há aos montes. Vá por sua conta e risco.
É
neste ponto que esquerda e direita se encontram: a gente precisa melhorar as
estratégias para que este cenário não crie mais marginais do
"quilate" destes monstros que desafiam o conceito do que é humano.
Precisamos de cidadania (saúde, escola...). Precisamos de reabilitação e talvez
até mesmo de exclusão. Mas não em detrimento uns dos outros. É um
"continuum", onde um sem o outro serão incompletos... Precisamos da
esquerda e da direita.
Mas o que tem isso a ver com
sermos enganados? Tudo.
Mudar o Estatuto da Criança
e do Adolescente (o tal do ECA) é um processo mais fácil do que mudar a
constituição. Mudar a constituição tem mais etapas, é mais complicado,
demandante e ainda poderá ser invalidada pelo STF ao final, visto que a redução
da maioridade penal pode ser considerada cláusula pétrea. Ao mudar o ECA,
incluindo "penas" mais duradouras e pesadas, além de ter o efeito
desejado sobre o temor quanto a criminalidade, o risco de alterar a legalidade
do consumo do álcool e a prostituição de menores seria menor, para
"melhorar". A mudança do ECA teria muito mais vantagens que
desvantagens.
E por que estamos tentando
alterar a constituição ao invés do ECA? Porque precisamos de palco: é o tal
"clamor popular". Quando quase 80% da população quer algo, nossos
políticos fazem teatro. No Brasil (não apenas) não temos projeto político,
temos projeto de poder. E isso faz muita diferença. Então temos todo um
"misancene" neste sentido, com votos pela madrugada e manobras das
mais variadas, algumas até supostamente ilegais. Tudo em nome do show.
Então, não tem nada a ver
com torcer para o coleguinha ser esfaqueado por um menor ou achar que todo
adolescente é puro e lindo. É sobre uma possibilidade de conversa, troca e
monitoramento dos políticos que nos representam, tenha você votado nele ou não.
Eu nem argumentei sobre a
viabilidade carcerária de qualquer uma destas mudanças, porque estes argumentos
estão muito distantes dos básicos. Eu nem usei do apelo à coerência, quando na
época da eleições só líamos e ouvíamos que a "massa" é burra por
escolher este ou aquele candidato. "Bando de analfabetos funcionais",
não era assim? Ora, em um pleito que deu praticamente 50% pra cada lado (nas
eleições), as duas metades se achavam burras. Agora, com 80% favoráveis à
diminuição da maioridade, ficaram (quase) todos inteligentes? Ou é simplesmente
nossa coerência indo para o ralo quando concordam com o que pensamos?
O que quer o nosso congresso
nacional? O que está acontecendo? Qual o projeto de poder de interesse neste
momento?
Menor ideia. Mas sei que
temos pelo menos dois "imbróglios" com a Dilma neste momento: alguns
no TSE, por conta das denúncias associadas à "doações" indevidas da
Petro na campanha eleitoral da Dilma e outra relativa ao relatório do TCU, em
relação às pedaladas fiscais. Se o segundo for adiante, pelo que entendo, ela
sai e fica o Temer, PMDB (partido do Eduardo Cunha). Se o primeiro for adiante,
as eleições seriam anuladas, saem Dilma e Temer - e adivinhem quem assume o
Brasil por 90 dias? O presidente da câmara dos deputados, vulgo o Sr. Eduardo
Cunha. Se o cara fez o que fez em 24h na votação da maioridade e na doação de
campanha, calcule o que acontecerá em 90 dias...
Complicado. Muito
complicado.
Epilogo: não sou cientista
social, político ou algo do gênero. Podem e devem ter erros. O texto não é uma
leitura casuística profissional, nem uma fórmula ou uma verdade absoluta. É
apenas um exercício de cidadania individual e esquizofrênico que resolvi
compartilhar publicamente
Nenhum comentário:
Postar um comentário