A culpa é das estrelas? – parte 2
Na coluna da semana anterior dizíamos
que o filme “A culpa é das estrelas” praticamente não aborda tratamentos
médicos ou psicoterápicos ao apresentar o romance entre Hazel e Gus, dois
jovens enamorados que convivem com o câncer. E destacávamos a importância da Psico-oncologia
como uma área de intersecção entre a Psicologia e Oncologia que estuda as
variáveis psicológicas e comportamentais envolvidas no processo de adoecimento
e cura e as intervenções ao longo de todo o processo. Voltemos, portanto, à
Psico-oncologia e a Hazel e Gus!
Segundo o Instituto Nacional do Câncer
(INCA), a prevenção e o controle do câncer estão entre os mais importantes
desafios científicos e de saúde pública da nossa época. É necessário considerar
a multifatorialidade biopsicosocial envolvida na etiologia da doença para atuar
na prevenção, detecção precoce e tratamento do câncer. Por ser uma doença de
progressão lenta, cujos sintomas são manifestos normalmente após a ocorrência
de metástases (câncer aparecendo em pontos outros que não no local de origem,
por ter acessado a corrente sanguínea ou linfática), a dificuldade de detecção
é uma das preocupações centrais. Faz-se, portanto, necessária a realização de
exames preventivos para que a detecção ocorra precocemente ainda na fase
inicial, antes da metástase. Quanto mais cedo for diagnosticada a doença,
maiores as possibilidades de cura e melhores as condições de sobrevida da
pessoa acometida, pois essas dependem do tipo e estágio do câncer.
Por ser uma doença multifatorial a
abordagem interdisciplinar torna-se uma necessidade. Além do processo de
medicalização, é necessário intervir nas diversas dimensões envolvidas.
Novamente retomamos a ideia de que não está doente um órgão apenas, mas uma
pessoa. E uma pessoa que não se restringe à doença, mas que interage com o
mundo e um universo de pessoas, com seus sonhos, planos, projetos, anseios,
medos, receios... É a pessoa, em sua integralidade, que apresenta interações,
algumas delas com conflitos internos e externos, envolvendo família,
profissionais, amigos e os diversos circuitos sociais dos quais faz parte.
O tratamento pela Psico-Oncologia insere-se
nesse contexto, reconhecendo a pessoa em sua integralidade e singularidade na
relação com a doença e configurando-se como um suporte profissional orientado
por técnicas de apoio psicológico e comportamental. Esse suporte pode alcançar
uma gama de pessoas relacionadas à pessoa com câncer, que inclui a pessoa
acometida pela doença, familiares, amigos, cuidadores (profissionais ou não) e coparticipantes
do tratamento, entre outros. As técnicas utilizadas potencializam os tratamentos
médicos através da elaboração da dor, inclusive do luto antecipatório, por meio
do controle não farmacológico. O aparato técnico disponível envolve
psicoterapia breve, arte-terapia, hipnose, psico-educação, entre outras possibilidades,
sempre com respaldo em pesquisas clínicas.
Intervenções comportamentais, lastreadas
em métodos científicos são também parte do elenco de opções terapêuticas. Embora
seja impossível evitar certos fatores que predispõem ao acometimento da doença,
como genes e certas condições ambientais, é possível intervir em hábitos
modificáveis como tabagismo, sedentarismo, exposição exagerada ao sol e padrões
alimentares, entre outros tantos fatores. O centro da intervenção
comportamental é compreender e intervir nas escolhas (basicamente pela redução
dos comportamentos) que levam os indivíduos a uma maior exposição ao risco de
desenvolverem o câncer.
Voltando ao filme e a Gus e Hazel, vemos
que na predisposição ao câncer há tanto situações que fogem ao controle (culpa
das estrelas), quanto algumas sobre as quais podemos ter algum controle, como o
arranjo de condições ambientais e a modificação de comportamentos. O câncer,
com sua multifatorialidade etiológica, entrelaça as estrelas com as nossas
existências e, em muitos casos, acaba por roubar dos indivíduos o direito de
decidir sobre a própria vida. Hazel passa por isso quando os médicos proíbem-na
de viajar. Mas o que é a vida se não for para ser vivida?
Viver, não apenas existir, deve ser o
referencial! Por isso, a Psico-oncologia propõe-se a domar as estrelas! Como
ponto de partida, reconhece que as pessoas não são a doença e buscar atingir os
vários envolvidos no processo. Ao fazê-lo, busca estabelecer condições que
permitam que as pessoas possam sobreviver ou obter qualidade de vida apesar do
câncer. Em suma, a Psico-oncologia propõe-se como uma estratégia terapêutica
que visa assegurar a chance de viver a vida, apesar do câncer. E é isso que o
romance de Hazel e Gus em A culpa é das estrelas nos traz. Embora com câncer, os
personagens são abordados pelo autor como pessoas, não como doenças ambulantes.
Ao fazê-lo, permite que o casal romântico possa estabelecer uma vida que mereça
ser vivida, ao ponto de Hazel falar para Gus: “Você me deu uma eternidade
dentro dos nossos dias numerados, e sou muito grata por isso.” Esse
é o papel que a Psico-oncologia delimitou para sua intervenção, trazer a vida,
a eternidade, para os dias dos que estão com câncer ou daqueles que lhe são
próximos. Assim, parafraseando Shakespeare que escreve “A culpa, meu caro
Bruto, não é de nossas estrelas/ Mas de nós mesmos.”, e seguindo a
lógica defendida pela Psico-oncologia, devemos dizer: “A VIDA, meu caro
Bruto, não é de nossas estrelas/ Mas de nós mesmos”!
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