sexta-feira, 23 de outubro de 2015

ENTRELINHAS



A culpa é das estrelas? – parte 2


Na coluna da semana anterior dizíamos que o filme “A culpa é das estrelas” praticamente não aborda tratamentos médicos ou psicoterápicos ao apresentar o romance entre Hazel e Gus, dois jovens enamorados que convivem com o câncer. E destacávamos a importância da Psico-oncologia como uma área de intersecção entre a Psicologia e Oncologia que estuda as variáveis psicológicas e comportamentais envolvidas no processo de adoecimento e cura e as intervenções ao longo de todo o processo. Voltemos, portanto, à Psico-oncologia e a Hazel e Gus!
Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), a prevenção e o controle do câncer estão entre os mais importantes desafios científicos e de saúde pública da nossa época. É necessário considerar a multifatorialidade biopsicosocial envolvida na etiologia da doença para atuar na prevenção, detecção precoce e tratamento do câncer. Por ser uma doença de progressão lenta, cujos sintomas são manifestos normalmente após a ocorrência de metástases (câncer aparecendo em pontos outros que não no local de origem, por ter acessado a corrente sanguínea ou linfática), a dificuldade de detecção é uma das preocupações centrais. Faz-se, portanto, necessária a realização de exames preventivos para que a detecção ocorra precocemente ainda na fase inicial, antes da metástase. Quanto mais cedo for diagnosticada a doença, maiores as possibilidades de cura e melhores as condições de sobrevida da pessoa acometida, pois essas dependem do tipo e estágio do câncer.
Por ser uma doença multifatorial a abordagem interdisciplinar torna-se uma necessidade. Além do processo de medicalização, é necessário intervir nas diversas dimensões envolvidas. Novamente retomamos a ideia de que não está doente um órgão apenas, mas uma pessoa. E uma pessoa que não se restringe à doença, mas que interage com o mundo e um universo de pessoas, com seus sonhos, planos, projetos, anseios, medos, receios... É a pessoa, em sua integralidade, que apresenta interações, algumas delas com conflitos internos e externos, envolvendo família, profissionais, amigos e os diversos circuitos sociais dos quais faz parte.
O tratamento pela Psico-Oncologia insere-se nesse contexto, reconhecendo a pessoa em sua integralidade e singularidade na relação com a doença e configurando-se como um suporte profissional orientado por técnicas de apoio psicológico e comportamental. Esse suporte pode alcançar uma gama de pessoas relacionadas à pessoa com câncer, que inclui a pessoa acometida pela doença, familiares, amigos, cuidadores (profissionais ou não) e coparticipantes do tratamento, entre outros. As técnicas utilizadas potencializam os tratamentos médicos através da elaboração da dor, inclusive do luto antecipatório, por meio do controle não farmacológico. O aparato técnico disponível envolve psicoterapia breve, arte-terapia, hipnose, psico-educação, entre outras possibilidades, sempre com respaldo em pesquisas clínicas.
Intervenções comportamentais, lastreadas em métodos científicos são também parte do elenco de opções terapêuticas. Embora seja impossível evitar certos fatores que predispõem ao acometimento da doença, como genes e certas condições ambientais, é possível intervir em hábitos modificáveis como tabagismo, sedentarismo, exposição exagerada ao sol e padrões alimentares, entre outros tantos fatores. O centro da intervenção comportamental é compreender e intervir nas escolhas (basicamente pela redução dos comportamentos) que levam os indivíduos a uma maior exposição ao risco de desenvolverem o câncer.
Voltando ao filme e a Gus e Hazel, vemos que na predisposição ao câncer há tanto situações que fogem ao controle (culpa das estrelas), quanto algumas sobre as quais podemos ter algum controle, como o arranjo de condições ambientais e a modificação de comportamentos. O câncer, com sua multifatorialidade etiológica, entrelaça as estrelas com as nossas existências e, em muitos casos, acaba por roubar dos indivíduos o direito de decidir sobre a própria vida. Hazel passa por isso quando os médicos proíbem-na de viajar. Mas o que é a vida se não for para ser vivida?

Viver, não apenas existir, deve ser o referencial! Por isso, a Psico-oncologia propõe-se a domar as estrelas! Como ponto de partida, reconhece que as pessoas não são a doença e buscar atingir os vários envolvidos no processo. Ao fazê-lo, busca estabelecer condições que permitam que as pessoas possam sobreviver ou obter qualidade de vida apesar do câncer. Em suma, a Psico-oncologia propõe-se como uma estratégia terapêutica que visa assegurar a chance de viver a vida, apesar do câncer. E é isso que o romance de Hazel e Gus em A culpa é das estrelas nos traz. Embora com câncer, os personagens são abordados pelo autor como pessoas, não como doenças ambulantes. Ao fazê-lo, permite que o casal romântico possa estabelecer uma vida que mereça ser vivida, ao ponto de Hazel falar para Gus: “Você me deu uma eternidade dentro dos nossos dias numerados, e sou muito grata por isso.”  Esse é o papel que a Psico-oncologia delimitou para sua intervenção, trazer a vida, a eternidade, para os dias dos que estão com câncer ou daqueles que lhe são próximos. Assim, parafraseando Shakespeare que escreve “A culpa, meu caro Bruto, não é de nossas estrelas/ Mas de nós mesmos.”, e seguindo a lógica defendida pela Psico-oncologia, devemos dizer: “A VIDA, meu caro Bruto, não é de nossas estrelas/ Mas de nós mesmos”!

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