sexta-feira, 23 de outubro de 2015

ANTENADOS



                            Vida de comensal


Esta crônica poderia se chamar também "vida de universitário", mas nasce exatamente da experiência de um universitário, uma universitária, no contexto específico da fila do restaurante da universidade.
O restaurante da UFC desperta em mim um mix muito variado de emoções. Almoçar no RU é sempre uma jornada de autoconhecimento, um experimento antropológico. Logo de cara me vejo diante da difícil escolha: enfrentarei a fila do frango ou enfrentarei a fila da carne?
Escolho a fila do frango, sempre mais segura, embora sempre mais lotada, fugindo da procedência duvidosa da mistura bovina.
Me vejo então esperando que chegue minha vez de apanhar pratos e talheres, apertada entre uma horda de outros estudantes famintos e inquietos. Amiga minha pergunta, na fila: "Quando será que vão deixar as fichas de papel e voltar a usar o cartão eletrônico?". Olho então para a ficha laranja em minha mão, que me comprou um almoço razoável por R$ 1,10, e respondo à minha amiga: "Provavelmente semestre que vem já estará tudo regulado".
Mas é nesse momento que percebo: não estaremos mais aqui no semestre que vem do próximo ano. Eu e minhas amigas já estaremos formadas, não desfrutaremos mais da miscelânea de sentimentos aflorada ali no RU.
A fila avança e me pego pensando em como o tempo passa. Embora lento, ali na fila que não termina nunca, a faculdade passou por nós como que num piscar de olhos, trem descarrilando. Até me emociono. E atinjo o ápice da comoção quando vou chegando cada vez mais perto da abertura que dá passagem ao salão onde servem a comida, e leio na parede a placa que diz: "Entrada de comensais".
Ali me sinto a própria convidada de um jantar num palácio. Entrada de comensais. Não somos mais estudantes, mas condessas e condes, prontos para desfilar em nossos trajes de veludo, recepcionados por lacaios solícitos e talheres de prata. Tudo parece um sonho. A universidade nunca foi tão bonita quanto no momento diário em que adentro o RU cercada por damas e cavalheiros.
Quase choro de alegria. Mas então as emoções mudam no instante em que olho para o lugar em que se serve o suco em elegantes copos de plástico e vejo o líquido cor de rosa grosso nos copos. Meu mundo cai. O sonho comensal no salão do palácio volta a ser o que era antes: galpão calorento, lotado e barulhento, e, como se não bastasse, o suco ainda é de goiaba.
Mas faz parte. Amanhã voltarei a me sentir palaciana. E quem sabe o suco seja abacaxi. E tudo será sonho e doçura outra vez.

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