domingo, 22 de janeiro de 2017

ESPECIAL

Amapá na rota da facções



A carnificina registrada em vários presídios brasileiros nos últimos meses acendeu o alerta adormecido nas guaritas dos gabinetes do poder central da República. O Tribuna Amapaense revelou, com exclusividade em 2008, a existência de uma ‘célula’ do PCC no Amapá. De lá pra cá, as forças de segurança locais tiveram que atuar com mais ousadia para conter a onda violência comandada de dentro do Iapen.


MAIARA PIRES




O registro nos últimos meses da matança de presos por confrontos entre facções criminosas comandadas de dentro das penitenciárias brasileiras, acendeu o alerta adormecido nas guaritas dos gabinetes do poder central da República. O descontrole do sistema prisional por parte do Estado, ficou mais evidente com a sangria de detentos em estados como Roraima, Rondônia, Amazonas e Rio Grande do Norte.
Um ‘problema interno’ das facções – que se digladiam pelo controle de rotas do tráfico e domínio nas prisões – prenuncia um cenário de guerra semelhante a insurgência dos criminosos contra a polícia de São Paulo, ocorrida no dia 12 de maio de 2006, considerado o maior ataque da história recente contra a polícia paulistana.
Enquanto a segurança pública pouco foi fortalecida para desarticular o crime organizado, as facções avançaram na expansão de seus domínios nos presídios brasileiros. Os recentes confrontos mostram que as maiores do país – o Primeiro Comando da Capital (PCC), grupo surgido em São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), originário do Rio de Janeiro – expandiram seus domínios para outros estados. Investigações dos órgãos de segurança dão conta de que existe ramificação destas facções em presídios de Norte a Sul do Brasil.
PCC no Amapá
No Amapá, 'células' do PCC foram descobertas ainda em 2008, conforme reportagem da edição Nº 126 do T.A. Na época, a reportagem apurou que 40 membros do Primeiro Comando da Capital estavam espalhados na Região Norte planejando a execução de assaltos a bancos. Desse total, sete foram capturados durante uma operação integrada das polícias Civil e Militar em conjunto com o Ministério Público do Estado (MP/AP), por meio da Promotoria de Investigações Cíveis e Criminais (PICC), no dia 11 de julho daquele ano, quando estava planejado um assalto a uma agência bancária do município de Santana (AP).
Segundo as investigações, o plano do assalto foi articulado e ordenado de dentro de um presídio de segurança máxima de Presidente Bernardes (SP), por Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, apontado como líder do PCC.
Mesmo com a captura dos sete integrantes, os serviços de inteligência da Polícia Civil e Ministério Público do Amapá continuaram com suspeitas de que ainda existiam células da facção no estado. Os anos se passaram e os municípios amapaenses experimentaram ações criminosas nunca antes vivenciadas, como assaltos corriqueiros com reféns, assaltos a bancos e agências dos Correios com vultosos valores roubados e aumento de assassinatos, latrocínios e tráfico de drogas. Durante as ocorrências, os criminosos não se intimidavam com a polícia e trocavam tiros, coisa que não se presenciava no estado. Nas ocorrências mais complexas, eles sempre estavam fortemente armados.
As suspeitas da existência de membros do PCC no Amapá aumentaram em 2012, quando a Polícia Civil começou novas linhas de investigação, depois do retorno para o estado, de presos amapaenses que haviam sido transferidos para os presídios federais. Lá, eles teriam sido ‘treinados’ por membros da cúpula nacional da facção. Segundo apurado pela polícia, diferente de outras regiões onde o tráfico de drogas é o que fomenta as células da facção, no Amapá eram os assaltos que bancavam os criminosos. A partir daí, os crimes só aumentaram, conforme registros da Secretaria de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), sendo os anos de 2013 e 2014 considerados pela cúpula da pasta, como os mais violentos do estado na última década.
Até que, em janeiro 2015, a Delegacia Especializada em Crimes Contra o Patrimônio confirmou a existência de membros do PCC, comandando ações criminosas de dentro do Instituto de Administração Penitenciária do Amapá (Iapen), em vários municípios amapaenses. Após a identificação dos integrantes da facção, eles foram transferidos para presídios de segurança máxima fora do estado.
Mesmo assim, o clima continuava tenso dentro do Iapen entre os detentos, por causa de rixas pelo domínio de pavilhões, segundo suspeitas. Esse motivo teria levado à morte dos irmãos Cláudio e Kleber Fortunato Valente, em dezembro de 2015, supostamente ligados ao PCC. Na época, a imprensa apurou que eles se comunicavam com membros do PCC do Mato Grosso do Sul por conferência de áudio no horário do banho de sol na penitenciária amapaense.
‘Controle’ da situação
Diante dos acontecimentos recentes nos presídios de outros estados, o secretário de Segurança Pública, Ericláudio Alencar, foi indagado pela imprensa a respeito da situação no estado. Ele se manifestou no dia 9 de janeiro de 2017, dizendo que “ainda temos o controle dos presídios no Amapá”. Ele disse ainda que o governo instalou o Gabinete de Gestão Integrada para monitorar o comportamento dos presos.
Dentro desse conceito de diálogo com o sistema prisional, a Promotoria de Justiça de Execuções Penais do Ministério Público do Amapá promoveu no dia 13 de janeiro de 2017, uma reunião ampliada com representantes do Poder Judiciário, Ministério Público Federal (MPF), órgãos de segurança pública, detentos e servidores do Iapen. O encontro foi para debater medidas que possam contribuir no processo de ressocialização a população carcerária.
O evento foi agendado no dia 14 de dezembro de 2016 como parte do calendário anual de trabalho do MP/AP junto ao presídio estadual. Na reunião do dia 13 de janeiro, os detentos puderam relatar as principais queixas quanto ao funcionamento do Iapen, assim como ao agentes penitenciários que pediram mais investimento nas condições de trabalho e outras reivindicações. Na ocasião, os reeducandos prometeram às autoridades presentes que não haveria mortes no presídio amapaense, como vem ocorrendo nos outros estados.
No entanto, três dias depois dessa reunião, o detento Alan Trindade, de 25 anos, condenado por tráfico de drogas, foi encontrado morto numa cela diferente onde ele dormia no Iapen. O interno teria sido afogado com uma toalha molhada amarrada no rosto na manhã do dia 16 de janeiro de 2017. Um interno se apresentou como autor do crime, mas o instituto não descarta a participação de outros envolvidos. O motivo que levou ao homicídio não foi informado. Um laudo da Polícia Técnico-Científica deve comprovar se a morte foi causada por afogamento.





Alerta contra a onda de violência de dentro para fora dos presídios
O clima tenso nos presídios brasileiros chama a atenção para um fato que pode desencadear na maior onda de violência jamais vista de Norte a Sul do Brasil. É que, a cúpula do PCC ficou de sair do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), em Presidente Bernardes (SP), na segunda quinzena de fevereiro. Treze detentos, entre eles, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, apontado como o líder da facção, foram transferidos para o RDD, no dia 14 de dezembro de 2016, após evidências de que eles continuavam comandando ações criminosas de dentro da cadeia. O Regime é considerado uma punição mais rígida do sistema penitenciário paulista.
Se isso não acontecer, os membros do Primeiro Comando da Capital já teriam sido orientados a se insurgir contra o Estado de São Paulo. Isto significa depredação de prédios públicos e tiroteios nas proximidades do governo paulista, semelhante à rebelião nas ruas ocorrida em 2006, que resultou na morte de dezenas de pessoas, por ocasião da transferência de Marcola para o RDD, naquele ano.
A considerar a infiltração de células do PCC em todos os presídios brasileiros, se os membros da facção em São Paulo realmente tiverem sido orientados a atacar a polícia e, ainda assim, não acontecer a saída da cúpula ou de Marcola, do RDD, restará ao cidadão brasileiro torcer para que a onda de violência não seja decretada pelo grupo, para os membros se insurgirem em outros estados, forçando a transferência dos presos.



Investimentos em segurança pública
Para remediar ‘a carne viva’, o presidente da República Michel Temer e o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, assinaram um termo de compromisso com nove governadores das Regiões Norte e Centro-Oeste do país, para a integração, colaboração e cooperação no combate à criminalidade.
Entre os principais pontos estão o enfrentamento do crime organizado e do narcotráfico transnacional e a redução de homicídios e feminicídios, além da racionalização do sistema penitenciário.
Paralelo à assinatura do termo, secretários estaduais de segurança pública de todo o país foram recebidos por Temer e pelo ministro da Justiça, para discutir a crise penitenciária e ações do Plano Nacional de Segurança Pública.
A proposta do Amapá é que haja a vinculação de verbas específicas para a segurança pública como existe nas áreas da saúde e educação. Ela foi a única proposta que teve a adesão de todos os secretários brasileiros e do ministro da Justiça. O novo Plano Nacional visa à reestruturação do sistema prisional, além de combater a criminalidade e o alto índice de homicídios no país. O programa compreenderá ações de enfrentamento ao tráfico de drogas e de armas nos estados.
Ainda na pauta da reunião do ministro da Justiça com os secretários foi discutida a criação de 27 núcleos de inteligência policial nas capitais do Brasil e o cronograma de execução dos recursos federais liberados para a área de segurança. Do total de um R$ 1,2 bilhão previsto no pacote de investimentos, o Amapá ficou com R$ 44 milhões.

O recurso será investido na construção de uma nova penitenciária que possibilitará abrir mais 1 mil vagas no regime fechado e no reaparelhamento de todo o sistema penitenciário com a aquisição de novos veículos, armamento, bloqueadores de celular, segurança eletrônica, scanners, entre outros itens que integrarão o conjunto de ações voltadas para melhoria do sistema carcerário amapaense. A verba também será investida na melhoria da qualidade de trabalho dos agentes penitenciários.

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