Amapá na rota da facções
A carnificina
registrada em vários presídios brasileiros nos últimos meses acendeu o alerta
adormecido nas guaritas dos gabinetes do poder central da República. O Tribuna
Amapaense revelou, com exclusividade em 2008, a existência de uma ‘célula’ do
PCC no Amapá. De lá pra cá, as forças de segurança locais tiveram que atuar com
mais ousadia para conter a onda violência comandada de dentro do Iapen.
MAIARA PIRES
O registro nos últimos meses da matança de presos por
confrontos entre facções criminosas comandadas de dentro das penitenciárias
brasileiras, acendeu o alerta adormecido nas guaritas dos gabinetes do poder
central da República. O descontrole do sistema prisional por parte do Estado,
ficou mais evidente com a sangria de detentos em estados como Roraima,
Rondônia, Amazonas e Rio Grande do Norte.
Um ‘problema interno’ das facções – que se digladiam pelo
controle de rotas do tráfico e domínio nas prisões – prenuncia um cenário de
guerra semelhante a insurgência dos criminosos contra a polícia de São Paulo,
ocorrida no dia 12 de maio de 2006, considerado o maior ataque da história
recente contra a polícia paulistana.
Enquanto a segurança pública pouco foi fortalecida para
desarticular o crime organizado, as facções avançaram na expansão de seus
domínios nos presídios brasileiros. Os recentes confrontos mostram que as
maiores do país – o Primeiro Comando da Capital (PCC), grupo surgido em São
Paulo, e o Comando Vermelho (CV), originário do Rio de Janeiro – expandiram
seus domínios para outros estados. Investigações dos órgãos de segurança dão
conta de que existe ramificação destas facções em presídios de Norte a Sul do
Brasil.
PCC no Amapá
No Amapá, 'células' do PCC foram descobertas ainda em 2008,
conforme reportagem da edição Nº 126 do T.A.
Na época, a reportagem apurou que 40 membros do Primeiro Comando da Capital
estavam espalhados na Região Norte planejando a execução de assaltos a bancos.
Desse total, sete foram capturados durante uma operação integrada das polícias
Civil e Militar em conjunto com o Ministério Público do Estado (MP/AP), por
meio da Promotoria de Investigações Cíveis e Criminais (PICC), no dia 11 de
julho daquele ano, quando estava planejado um assalto a uma agência bancária do
município de Santana (AP).
Segundo as investigações, o plano do assalto foi articulado e
ordenado de dentro de um presídio de segurança máxima de Presidente Bernardes
(SP), por Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, apontado como líder do
PCC.
Mesmo com a captura dos sete integrantes, os serviços de
inteligência da Polícia Civil e Ministério Público do Amapá continuaram com
suspeitas de que ainda existiam células da facção no estado. Os anos se
passaram e os municípios amapaenses experimentaram ações criminosas nunca antes
vivenciadas, como assaltos corriqueiros com reféns, assaltos a bancos e
agências dos Correios com vultosos valores roubados e aumento de assassinatos,
latrocínios e tráfico de drogas. Durante as ocorrências, os criminosos não se
intimidavam com a polícia e trocavam tiros, coisa que não se presenciava no
estado. Nas ocorrências mais complexas, eles sempre estavam fortemente armados.
As suspeitas da existência de membros do PCC no Amapá
aumentaram em 2012, quando a Polícia Civil começou novas linhas de
investigação, depois do retorno para o estado, de presos amapaenses que haviam
sido transferidos para os presídios federais. Lá, eles teriam sido ‘treinados’
por membros da cúpula nacional da facção. Segundo apurado pela polícia,
diferente de outras regiões onde o tráfico de drogas é o que fomenta as células
da facção, no Amapá eram os assaltos que bancavam os criminosos. A partir daí,
os crimes só aumentaram, conforme registros da Secretaria de Justiça e
Segurança Pública (Sejusp), sendo os anos de 2013 e 2014 considerados pela
cúpula da pasta, como os mais violentos do estado na última década.
Até que, em janeiro 2015, a Delegacia Especializada em Crimes
Contra o Patrimônio confirmou a existência de membros do PCC, comandando ações
criminosas de dentro do Instituto de Administração Penitenciária do Amapá
(Iapen), em vários municípios amapaenses. Após a identificação dos integrantes
da facção, eles foram transferidos para presídios de segurança máxima fora do
estado.
Mesmo assim, o clima continuava tenso dentro do Iapen entre
os detentos, por causa de rixas pelo domínio de pavilhões, segundo suspeitas.
Esse motivo teria levado à morte dos irmãos Cláudio e Kleber Fortunato Valente,
em dezembro de 2015, supostamente ligados ao PCC. Na época, a imprensa apurou
que eles se comunicavam com membros do PCC do Mato Grosso do Sul por
conferência de áudio no horário do banho de sol na penitenciária amapaense.
‘Controle’ da situação
Diante dos acontecimentos recentes nos presídios de outros
estados, o secretário de Segurança Pública, Ericláudio Alencar, foi indagado
pela imprensa a respeito da situação no estado. Ele se manifestou no dia 9 de
janeiro de 2017, dizendo que “ainda temos o controle dos presídios no Amapá”.
Ele disse ainda que o governo instalou o Gabinete de Gestão Integrada para
monitorar o comportamento dos presos.
Dentro desse conceito de diálogo com o sistema prisional, a
Promotoria de Justiça de Execuções Penais do Ministério Público do Amapá
promoveu no dia 13 de janeiro de 2017, uma reunião ampliada com representantes
do Poder Judiciário, Ministério Público Federal (MPF), órgãos de segurança
pública, detentos e servidores do Iapen. O encontro foi para debater medidas
que possam contribuir no processo de ressocialização a população carcerária.
O evento foi agendado no dia 14 de dezembro de 2016 como
parte do calendário anual de trabalho do MP/AP junto ao presídio estadual. Na
reunião do dia 13 de janeiro, os detentos puderam relatar as principais queixas
quanto ao funcionamento do Iapen, assim como ao agentes penitenciários que
pediram mais investimento nas condições de trabalho e outras reivindicações. Na
ocasião, os reeducandos prometeram às autoridades presentes que não haveria
mortes no presídio amapaense, como vem ocorrendo nos outros estados.
No entanto, três dias depois dessa reunião, o detento Alan
Trindade, de 25 anos, condenado por tráfico de drogas, foi encontrado morto
numa cela diferente onde ele dormia no Iapen. O interno teria sido afogado com
uma toalha molhada amarrada no rosto na manhã do dia 16 de janeiro de 2017. Um
interno se apresentou como autor do crime, mas o instituto não descarta a
participação de outros envolvidos. O motivo que levou ao homicídio não foi
informado. Um laudo da Polícia Técnico-Científica deve comprovar se a morte foi
causada por afogamento.
Alerta contra a onda de violência de dentro para fora dos presídios
O clima tenso nos presídios brasileiros chama a atenção para
um fato que pode desencadear na maior onda de violência jamais vista de Norte a
Sul do Brasil. É que, a cúpula do PCC ficou de sair do Regime Disciplinar
Diferenciado (RDD), em Presidente Bernardes (SP), na segunda quinzena de
fevereiro. Treze detentos, entre eles, Marcos Willians Herbas Camacho, o
Marcola, apontado como o líder da facção, foram transferidos para o RDD, no dia
14 de dezembro de 2016, após evidências de que eles continuavam comandando
ações criminosas de dentro da cadeia. O Regime é considerado uma punição mais
rígida do sistema penitenciário paulista.
Se isso não acontecer, os membros do Primeiro Comando da
Capital já teriam sido orientados a se insurgir contra o Estado de São Paulo.
Isto significa depredação de prédios públicos e tiroteios nas proximidades do
governo paulista, semelhante à rebelião nas ruas ocorrida em 2006, que resultou
na morte de dezenas de pessoas, por ocasião da transferência de Marcola para o
RDD, naquele ano.
A considerar a infiltração de células do PCC em todos os
presídios brasileiros, se os membros da facção em São Paulo realmente tiverem
sido orientados a atacar a polícia e, ainda assim, não acontecer a saída da
cúpula ou de Marcola, do RDD, restará ao cidadão brasileiro torcer para que a
onda de violência não seja decretada pelo grupo, para os membros se insurgirem
em outros estados, forçando a transferência dos presos.
Investimentos em segurança pública
Para remediar ‘a carne viva’, o presidente da República
Michel Temer e o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, assinaram um termo
de compromisso com nove governadores das Regiões Norte e Centro-Oeste do país,
para a integração, colaboração e cooperação no combate à criminalidade.
Entre os principais pontos estão o enfrentamento do crime
organizado e do narcotráfico transnacional e a redução de homicídios e
feminicídios, além da racionalização do sistema penitenciário.
Paralelo à assinatura do termo, secretários estaduais de
segurança pública de todo o país foram recebidos por Temer e pelo ministro da
Justiça, para discutir a crise penitenciária e ações do Plano Nacional de
Segurança Pública.
A proposta do Amapá é que haja a vinculação de verbas
específicas para a segurança pública como existe nas áreas da saúde e educação.
Ela foi a única proposta que teve a adesão de todos os secretários brasileiros
e do ministro da Justiça. O novo Plano Nacional visa à reestruturação do
sistema prisional, além de combater a criminalidade e o alto índice de
homicídios no país. O programa compreenderá ações de enfrentamento ao tráfico
de drogas e de armas nos estados.
Ainda na pauta da reunião do ministro da Justiça com os
secretários foi discutida a criação de 27 núcleos de inteligência policial nas
capitais do Brasil e o cronograma de execução dos recursos federais liberados
para a área de segurança. Do total de um R$ 1,2 bilhão previsto no pacote de
investimentos, o Amapá ficou com R$ 44 milhões.
O recurso será investido na construção de uma nova
penitenciária que possibilitará abrir mais 1 mil vagas no regime fechado e no
reaparelhamento de todo o sistema penitenciário com a aquisição de novos
veículos, armamento, bloqueadores de celular, segurança eletrônica, scanners,
entre outros itens que integrarão o conjunto de ações voltadas para melhoria do
sistema carcerário amapaense. A verba também será investida na melhoria da
qualidade de trabalho dos agentes penitenciários.
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