terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

ARTIGO

Década Internacional de Afrodescendentes
Wellington Anselmo Martins e Lueluí Aparecida de Andrade

Onde estão as pessoas negras na grande mídia brasileira? Como são representadas pela nossa imprensa? Em que quantidade se fala dos afrodescendentes? Grandes meios de comunicação, como a Folha de S.Paulo e o portal EBC, estão dedicando espaço para promover a “Década Internacional de Afrodescendentes”?
Em Assembleia Geral, a ONU estabeleceu uma extensiva campanha de conscientização. Registrada na resolução 68/237, as Nações Unidas proclamaram, de 2015 a 2024, a Década Internacional de Afrodescendentes. Com o avanço do racismo e da xenofobia no mundo contemporâneo, não basta apenas um único dia do ano dedicado à Consciência Negra. Do 20 de Novembro, passa-se agora para uma década inteira tematizada pela afrodescendência.
A palavra afrodescendente refere-se “às pessoas que descendem de africanos, especificamente da África negra; muitas dessas pessoas que foram trazidas para a América como escravos” (Dicionário Aurélio, 2010). Extensivamente, o termo afrodescendência também aplica-se a todos os que se inspiram na cultura negra, na sua estética e nas suas religiões: o cabelo afro, as roupas tradicionais, os rituais e, claro, a black music.
A Década Internacional de Afrodescendentes tem por objetivo geral, segundo as Nações Unidas, “reforçar a participação de pessoas negras de modo pleno e igualitário em todos os aspectos da sociedade: econômicos, sociais, culturais, civis e políticos, sempre promovendo o reconhecimento da irrevogabilidade dos Direitos Humanos universais” (Afro-década. ONU, 2016).
Nesse sentido, eleva-se, principalmente, o imperativo de que “Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie: seja de raça, cor, origem nacional ou nascimento” (Artigo II) e, ainda, especificamente, “Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas” (Artigo IV), da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, da qual o Estado brasileiro é signatário e promotor.
Após analisar a cobertura feita pela grande mídia brasileira sobre a Década Internacional de Afrodescendentes, chega-se ao resultado de que, de 1º de janeiro de 2014 até 31 de outubro de 2016, o jornal Folha de S.Paulo fez cinco (5) publicações citando a “Década Internacional de Afrodescendentes”, enquanto o portal EBC, no mesmo período, fez treze (13) publicações. Tais dados midiáticos tão escassos, para um período de quase três anos, salientam a desatenção desses meios de comunicação com relação à campanha mundial apresentada pela ONU.
Ou seja, continua-se hoje reproduzindo a contradição histórica: discursa-se pela afirmação dos Direitos Humanos, mas às vezes pratica-se uma participação social desumana ou, mesmo, racista. Tal contradição não é exclusividade atual. O eminente humanista Immanuel Kant (1724-1804), um dos alicerces da noção de dignidade da pessoa humana, já chegou a escrever quando jovem: “Os negros da África não possuem, por natureza, nenhum sentimento que se eleve acima do ridículo. Tão essencial é a diferença entre essas duas raças humanas, que parece ser tão grande em relação às capacidades mentais quanto à diferença de cores” (Kant. Observações Sobre o Sentimento do Belo e do Sublime, 1990).
Enfim, afirma-se por isso a necessidade de promoção da Década Internacional de Afrodescendentes. Afirma-se o direito de a pessoa negra ter espaço na grande mídia. Afirma-se a inalienabilidade dos Direitos Humanos que, com a sua implementação, repudiam necessariamente toda e qualquer forma de racismo e xenofobia. O mundo democrático não deve mais tolerar a aqueles que são intolerantes.


Wellington Anselmo Martins, mestrando em Comunicação (Unesp); graduado com licenciatura-plena em Filosofia (USC); bolsista de pesquisa de pós-graduação (Capes). Contato: 
am.wellington@hotmail.com
Lueluí Aparecida de Andrade, graduada em Direito (ITE), graduada em Comunicação Social/Jornalismo (Unesp), mestranda em Comunicação (Unesp).

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