Fui
contratado pra uma função, mas estou fazendo outra. Isso pode?
“Fui contratado pra função de recepcionista de uma
loja faz uns cinco meses, mas já aconteceu várias vezes do patrão mandar que eu
faça a limpeza no final do expediente. Ele pode pedir isso? Pode me demitir se
eu me negar a trabalhar na limpeza também?”
É notório que muitos trabalhadores passam pela
situação em que se sentem obrigados (e muitas vezes são) a realizarem
atividades inerentes à função diversa daquela a qual lhes foram apresentadas
quando da sua contratação.
O empregador, por muitas vezes não compreender que
seu poder diretivo não deve ser exercido de forma ilimitada, acaba por assim
fazer, pois em seu entendimento o empregado é subordinado às suas ordens que
rotineiramente são impostas.
Diante disto, no presente artigo serão inicialmente
estudados os pressupostos caracterizadores da relação empregatícia, para que
posteriormente seja estudado o princípio da inalterabilidade lesiva do contrato
de trabalho.
Por fim, serão estudados os conceitos do acúmulo de
função e desvio de função, suas diferenças, e quais medidas o empregado deve
tomar para que sejam sanadas as devidas questões apresentadas.
A relação empregatícia, segundo Gustavo Filipe
Barbosa Garcia (2015, p. 71), pode ser conceituado como negócio
jurídico em que o empregado, pessoa natural, presta serviços de forma pessoal,
subordinada e não eventual ao empregador, recebendo, como contraprestação, a
remuneração.
A Consolidação das Leis do Trabalho dispõe
expressamente nos arts. 2º e 3º os requisitos/pressupostos caracterizadores da
relação empregatícia, quais sejam: (i) Pessoalidade, ou
seja, o trabalhador o trabalhador deve realizar as atividades que lhe foram
impostas quando da sua contratação de forma pessoal; (ii) Não
eventualidade, ou seja, a prestação de serviços não deve ser de forma
eventual, esporádica; (iii) Onerosidade, a qual diz
respeito à contraprestação dos serviços realizados; (iv) Subordinação
jurídica, ou seja, o empregado está subordinado às ordens que lhe são
dirigidas pelo empregador, em que este exerce seu poder diretivo.
Desta forma, ao celebrarem o contrato de trabalho,
o empregado, em regra, está subordinado às ordens que lhe serão impostas e deve
obedecer e cumprir com o devido zelo e cuidado suas atividades.
E assim deve ser, tendo em vista que o contrato de
trabalho tem caráter bilateral, ou seja, ambas as partes possuem direitos e
deveres os quais devem ser integralmente cumpridos.
Entretanto, conforme inicialmente informado, tendo
em vista a compreensão do empregador de que possui amplo e ilimitado poder de
direção sobre o empregado, profere ordens que não poucas vezes são abusivas e
aplicadas de forma equivocada.
As cláusulas contratuais, em regra, não podem ser
alteradas, senão quando não causarem prejuízos ao empregado e com a anuência
deste último.
Essas observações encontram-se disciplinadas no
art. 468, da CLT, o qual dispõe que nos contratos individuais de
trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo
consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou
indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula
infringente desta garantia. (grifou-se)
Neste sentido, por interpretação literal do
presente dispositivo, temos que o princípio da inalterabilidade lesiva do
contrato de trabalho diz respeito que o contrato de trabalho somente pode
sofrer alteração quando houver anuência do empregado e que tal alteração não
ocasione prejuízos ao obreiro.
Por outro lado, é importante destacar que o
empregador pode realizar alteração do contrato de trabalho de forma unilateral,
ou seja, sem anuência do obreiro.
É o chamado ius variandi, o qual o
empregador exerce em face do empregado, unilateralmente, ao estabelecer certas
modificações quanto à prestação do serviço. (GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa,
2015, p. 337)
Em contrapartida, quando houver abuso do direito, o
empregado pode se opor, se valendo do conhecido direito de resistência.
Superados os esclarecimentos iniciais, o que o vem
a ser o desvio ou acúmulo e função?
O desvio de função diz respeito a uma situação a
qual o empregado é contratado para exercer uma determinada função, um conjunto
de tarefas, mas passa a ser utilizado em função diversa daquela a qual foi
contratado para exercer.
Quanto ao acúmulo de função, trata-se de uma situação
em que o empregado exerce, de forma concomitante, outra função além daquela já
exercida quando da sua contratação.
O presente caso trata-se do acúmulo de função,
tendo em vista que houve contratação para recepcionista e ao final do
expediente realiza atividades inerentes à limpeza.
Observe que há funções concomitantes,
recepcionista e faxineiro, sendo esta última realizada ao final do expediente.
Diante disto, o empregado não somente pode como
deve se opor à ordem proferida, pois trata-se de atividade diversa daquela a
qual lhe compete, pois foi contratado para realizar atividades inerentes a uma
função específica.
Caso o empregador aplique sanções/punições quando
houver a recusa pelo empregado, este último pode se utilizar do poder
judiciário para sanar todas as questões envolventes do contrato de trabalho.
Neste caso, qual providência tomar?
O empregado deve requerer rescisão indireta do
contrato de trabalho.
A rescisão indireta é uma modalidade de cessação do
contrato de trabalho, postulada pelo empregado, em razão de falta grave
praticada pelo empregador, o que torna inviável ou indesejada a
continuidade da relação empregatícia.
As hipóteses de rescisão indireta encontram-se
previstas no art. 483, da CLT, in verbis:
Art. 483 - O empregado poderá
considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
a) forem exigidos serviços
superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou
alheios ao contrato;
b) for tratado pelo empregador
ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
c) correr perigo manifesto de
mal considerável;
d) não cumprir o empregador as
obrigações do contrato;
e) praticar o empregador ou
seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa
fama;
f) o empregador ou seus
prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria
ou de outrem;
g) o empregador reduzir o seu
trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a
importância dos salários.
Logo, o empregador ao buscar obrigar o empregado a
realizar funções diferentes de forma concomitante, não somente deixou de
cumprir com as obrigações do contrato de trabalho, mas talvez possa ter tratado
o empregado com rigor excessivo, o que traz como consequência a ocorrência da
rescisão indireta do contrato de trabalho.
A rescisão indireta do contrato de trabalho tem o
mesmo efeito da despedida sem justa causa, ou seja, serão devidas todas verbas
rescisórias ao empregado, inclusive multa indenizatória de 40% do FGTS e seguro
desemprego.
No presente caso, se fosse reconhecida rescisão
indireta, além das diferenças salariais decorrentes do acúmulo de função, serão
devidas também verbas rescisórias ao empregado como se fosse despedido sem
justa causa.
Neste sentido:
ACÚMULO FUNCIONAL. Verificado
acúmulo funcional, é devido o acréscimo salarial correspondente. RESCISÃO
INDIRETA. DANO MORAL. O acúmulo de funções mediante ameaça e
constrangimento, junto com assédio moral comprovados, ensejam a
rescisão indireta do contrato de trabalho, bem como indenização por danos
morais em valor adequado e compatível. (01487-2015-017-10-00-0 RO, Data de
Publicação: 16/06/2017, Data de Julgamento: 07/06/2017, Órgão Julgador: 3ª
Turma, Juiz(a) da Sentença: Elysangela de Souza Castro Dickel, Relator: Desembargador
Ricardo Alencar Machado) (grifou-se)
RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO
DE TRABALHO. ACÚMULO DE FUNÇÕES. ASSÉDIO MORAL. Hipótese em que as
condutas da empresa foram lesivas à reclamante e suficientemente graves para
justificar a rescisão indireta do contrato de trabalho. (Processo
00168224120135160001 0016822-41.2013.5.16.0001, Publicação: 02/01/2017,
Relator: JAMES MAGNO ARAUJO FARIAS) (grifou-se)
Diante do exposto, caso o empregador não cumpra com
as obrigações do contrato de trabalho e profira ordens obrigatórias para que o
empregado cumpra funções diversas de forma concomitante, a este último serão
devidas as diferenças salariais, além do direito de postular em juízo a
rescisão indireta e pagamento de verbas rescisórias.
REFERÊNCIAS
BRASIL. DECRETO-LEI N.º 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>
Garcia, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de
direito do Trabalho – 8. Ed. rev., atual. E ampl. – Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015.
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