domingo, 25 de junho de 2017

MEUS DIREITOS






Fui contratado pra uma função, mas estou fazendo outra. Isso pode?
“Fui contratado pra função de recepcionista de uma loja faz uns cinco meses, mas já aconteceu várias vezes do patrão mandar que eu faça a limpeza no final do expediente. Ele pode pedir isso? Pode me demitir se eu me negar a trabalhar na limpeza também?”

É notório que muitos trabalhadores passam pela situação em que se sentem obrigados (e muitas vezes são) a realizarem atividades inerentes à função diversa daquela a qual lhes foram apresentadas quando da sua contratação.
O empregador, por muitas vezes não compreender que seu poder diretivo não deve ser exercido de forma ilimitada, acaba por assim fazer, pois em seu entendimento o empregado é subordinado às suas ordens que rotineiramente são impostas.
Diante disto, no presente artigo serão inicialmente estudados os pressupostos caracterizadores da relação empregatícia, para que posteriormente seja estudado o princípio da inalterabilidade lesiva do contrato de trabalho.
Por fim, serão estudados os conceitos do acúmulo de função e desvio de função, suas diferenças, e quais medidas o empregado deve tomar para que sejam sanadas as devidas questões apresentadas.
A relação empregatícia, segundo Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2015, p. 71), pode ser conceituado como negócio jurídico em que o empregado, pessoa natural, presta serviços de forma pessoal, subordinada e não eventual ao empregador, recebendo, como contraprestação, a remuneração.
A Consolidação das Leis do Trabalho dispõe expressamente nos arts. 2º e 3º os requisitos/pressupostos caracterizadores da relação empregatícia, quais sejam: (i) Pessoalidade, ou seja, o trabalhador o trabalhador deve realizar as atividades que lhe foram impostas quando da sua contratação de forma pessoal; (ii) Não eventualidade, ou seja, a prestação de serviços não deve ser de forma eventual, esporádica; (iii) Onerosidade, a qual diz respeito à contraprestação dos serviços realizados; (iv) Subordinação jurídica, ou seja, o empregado está subordinado às ordens que lhe são dirigidas pelo empregador, em que este exerce seu poder diretivo.
Desta forma, ao celebrarem o contrato de trabalho, o empregado, em regra, está subordinado às ordens que lhe serão impostas e deve obedecer e cumprir com o devido zelo e cuidado suas atividades.
E assim deve ser, tendo em vista que o contrato de trabalho tem caráter bilateral, ou seja, ambas as partes possuem direitos e deveres os quais devem ser integralmente cumpridos.
Entretanto, conforme inicialmente informado, tendo em vista a compreensão do empregador de que possui amplo e ilimitado poder de direção sobre o empregado, profere ordens que não poucas vezes são abusivas e aplicadas de forma equivocada.
As cláusulas contratuais, em regra, não podem ser alteradas, senão quando não causarem prejuízos ao empregado e com a anuência deste último.
Essas observações encontram-se disciplinadas no art. 468, da CLT, o qual dispõe que nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia. (grifou-se)
Neste sentido, por interpretação literal do presente dispositivo, temos que o princípio da inalterabilidade lesiva do contrato de trabalho diz respeito que o contrato de trabalho somente pode sofrer alteração quando houver anuência do empregado e que tal alteração não ocasione prejuízos ao obreiro.
Por outro lado, é importante destacar que o empregador pode realizar alteração do contrato de trabalho de forma unilateral, ou seja, sem anuência do obreiro.
É o chamado ius variandi, o qual o empregador exerce em face do empregado, unilateralmente, ao estabelecer certas modificações quanto à prestação do serviço. (GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa, 2015, p. 337)
Em contrapartida, quando houver abuso do direito, o empregado pode se opor, se valendo do conhecido direito de resistência.
Superados os esclarecimentos iniciais, o que o vem a ser o desvio ou acúmulo e função?
O desvio de função diz respeito a uma situação a qual o empregado é contratado para exercer uma determinada função, um conjunto de tarefas, mas passa a ser utilizado em função diversa daquela a qual foi contratado para exercer.
Quanto ao acúmulo de função, trata-se de uma situação em que o empregado exerce, de forma concomitante, outra função além daquela já exercida quando da sua contratação.
O presente caso trata-se do acúmulo de função, tendo em vista que houve contratação para recepcionista e ao final do expediente realiza atividades inerentes à limpeza.
Observe que há funções concomitantes, recepcionista e faxineiro, sendo esta última realizada ao final do expediente.
Diante disto, o empregado não somente pode como deve se opor à ordem proferida, pois trata-se de atividade diversa daquela a qual lhe compete, pois foi contratado para realizar atividades inerentes a uma função específica.
Caso o empregador aplique sanções/punições quando houver a recusa pelo empregado, este último pode se utilizar do poder judiciário para sanar todas as questões envolventes do contrato de trabalho.
Neste caso, qual providência tomar?
O empregado deve requerer rescisão indireta do contrato de trabalho.
A rescisão indireta é uma modalidade de cessação do contrato de trabalho, postulada pelo empregado, em razão de falta grave praticada pelo empregador, o que torna inviável ou indesejada a continuidade da relação empregatícia.
As hipóteses de rescisão indireta encontram-se previstas no art. 483, da CLT, in verbis:
Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;
b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
c) correr perigo manifesto de mal considerável;
d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;
e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;
f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.
Logo, o empregador ao buscar obrigar o empregado a realizar funções diferentes de forma concomitante, não somente deixou de cumprir com as obrigações do contrato de trabalho, mas talvez possa ter tratado o empregado com rigor excessivo, o que traz como consequência a ocorrência da rescisão indireta do contrato de trabalho.
A rescisão indireta do contrato de trabalho tem o mesmo efeito da despedida sem justa causa, ou seja, serão devidas todas verbas rescisórias ao empregado, inclusive multa indenizatória de 40% do FGTS e seguro desemprego.
No presente caso, se fosse reconhecida rescisão indireta, além das diferenças salariais decorrentes do acúmulo de função, serão devidas também verbas rescisórias ao empregado como se fosse despedido sem justa causa.
Neste sentido:
ACÚMULO FUNCIONAL. Verificado acúmulo funcional, é devido o acréscimo salarial correspondente. RESCISÃO INDIRETA. DANO MORAL. O acúmulo de funções mediante ameaça e constrangimento, junto com assédio moral comprovados, ensejam a rescisão indireta do contrato de trabalho, bem como indenização por danos morais em valor adequado e compatível. (01487-2015-017-10-00-0 RO, Data de Publicação: 16/06/2017, Data de Julgamento: 07/06/2017, Órgão Julgador: 3ª Turma, Juiz(a) da Sentença: Elysangela de Souza Castro Dickel, Relator: Desembargador Ricardo Alencar Machado) (grifou-se)
RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO. ACÚMULO DE FUNÇÕES. ASSÉDIO MORAL. Hipótese em que as condutas da empresa foram lesivas à reclamante e suficientemente graves para justificar a rescisão indireta do contrato de trabalho. (Processo 00168224120135160001 0016822-41.2013.5.16.0001, Publicação: 02/01/2017, Relator: JAMES MAGNO ARAUJO FARIAS) (grifou-se)
Diante do exposto, caso o empregador não cumpra com as obrigações do contrato de trabalho e profira ordens obrigatórias para que o empregado cumpra funções diversas de forma concomitante, a este último serão devidas as diferenças salariais, além do direito de postular em juízo a rescisão indireta e pagamento de verbas rescisórias.
REFERÊNCIAS
BRASIL. DECRETO-LEI N.º 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>
Garcia, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de direito do Trabalho – 8. Ed. rev., atual. E ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015.


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