NOVA PROCURADORA
GERAL DA REPÚBLICA: EU FICARIA COM VERGONHA!
Dr. Nelson Pedro-Silva
Docente da UNESP – Campus de Assis
O Presidente Temer
indicou a Sra. Raquel Dodge para assumir, no lugar do Sr. Rodrigo Janot
(1956-), o cargo de Procurador Geral da República Federativa do Brasil.
Para os leitores que
não sabem ou não são informados sobre assunto, a Procuradoria Geral da República,
a meu ver, é uma das instituições mais importantes em países republicanos, como
é o caso do nosso.
Pois bem, de acordo
com nossa Constituição Federal, cabe ao Presidente da República indicar, a partir de
uma lista tríplice, a pessoa que ocupará esse cargo por dois anos. Ocorre que
nosso Presidente não reúne mais condições de governabilidade, a ponto de estar
“tocando” o seu governo por meio de atos de verdadeiro terror em relação aos
aliados e supostos inimigos e na base do fisiologismo, numa dimensão nunca
vista antes na história política brasileira. Por isso, entendo que ele deveria
ter aguardado um pouco mais, considerando que o atual Procurador só terá o
término do seu mandato em setembro de 2017.
Como se fosse um
moleque birrento, por conta da conduta funcional do atual Procurador – o qual
ele concebe como inimigo mortal –, ele indica a Sra. Raquel, para, depois de
sabatinada pelo Senado Federal, vir a ocupar o cargo em questão.
Embora não tenha sido
o seu predileto, escolheu a segunda e a que é mais simpática aos seus
interesses e aos de seus aliados. Poder-se-ia ver tal atitude como um ato de
grandeza. Porém, como alguns jornalistas disseram, a sua escolha foi motivada
unicamente por critérios políticos, entre eles: demonstrar que o seu governo,
ainda exerce a governança. Igualmente, foi impelido por pressões de setores do
PMDB, como o comandado pela família Sarney que tem desafetos em relação ao
primeiro mais votado – Sr. Nicolao Dino (1963-) –, pois ele é irmão do inimigo
de sua família, o atual governador do Maranhão Sr. Flávio Dino (1968-).
Foi, ainda, motivado
pela ideia de tentar demonstrar que ele é um ardoroso defensor das mulheres no
topo do poder (uma enganação, pois quando da montagem inicial do seu Governo
não indicou nenhuma pessoa do sexo feminino, passando a fazer isso depois de
pressões sociais, culminando com a indicação de uma mulher para a Secretaria de
Direitos Humanos, Sra. Luislinda Valos (1922-) desembargadora aposentada e
primeira juíza negra do Brasil.
Adianto que pouco me
importa se a indicação fosse de uma mulher, de um deficiente
físico, um negro, pardo, índio ou algo nesse sentido. O critério fundamental
que deve pautar as escolhas para a administração, fiscalização e defesa da
coisa pública deve ser o da COMPETÊNCIA e do DISCERNIMENTO. Sobre este aspecto,
parece-me que ninguém duvida da Sra. Raquel.
O problema, a meu
ver, é ficar “batendo” nessa tecla do gênero e usar como justificativa para a
escolha o fato de ela ser mulher. Ué, os critérios para escolhas dos homens
públicos são determinados pelo gênero e/ou pela orientação sexual? Foi isso,
inclusive, que verifiquei ao receber um convite para assistir a um filme que
seria depois debatido por um psicólogo. No convite, estava o seu nome, a foto e
a informação de que ele era gay. Indago: qual o interesse por essa informação?
Acredito que muitos leitores quando assistem a um espetáculo musical, por
exemplo, não baseia o seu interesse pelo fato de ele ser hetero ou homossexual,
bonito ou feio, nascido no Sul, Sudeste, Norte ou no Nordeste. O que o leva é o
seu gosto e as suas condições financeiras.
O que fica a me
preocupar, ao escolher a segunda mais bem votada – a despeito de ter se
colocado favorável à continuidade da Operação Lava Jato –, é
se ela não vai se comportar como o jurista Sr. Geraldo Brindeiro (1948-),
Procurador Geral da República durante o período de 1995 a 2003, em pleno
governo FHC, rotulado de “Engavetador Geral da República”.
Incomoda-me, mais
ainda, o fato de Temer ter “quebrado” uma tradição que já estava se
transformando em costume, a saber: o do Presidente não desrespeitar
a vontade dos procuradores, indicando o candidato mais votado, mesmo que isso
significasse prejuízos aos seus projetos de poder. Nesse ponto, os
Ex-Presidentes Lula e Dilma indicaram e reconduziram o Sr. Rodrigo Janot;
justamente a pessoa que aprovou a abertura do pedido do processo de afastamento
desta última. Nesse sentido, o Presidente tem, mais uma vez, flertado com
REGIMES DE EXCEÇÃO e isso, a meu ver, é grave, além de evidenciar sua faceta
policialesca e autoritária.
Agora, os três
aspectos que mais me assustaram, com essa indicação, foram os seguintes:
- primeiro, até o
momento estranha-me o silêncio dos Procuradores com o desrespeito a uma
tradição de se indicar o mais votado;
- segundo, o fato de
a Sra. Raquel não ter declinado o convite – ao menos – enquanto consultasse os
seus pares. Afinal, ela não foi a mais votada, demonstrando, ao agir assim, a
ausência de “vergonha na cara”, o desrespeito ao pleito e aos seus colegas, a
fome por poder, além de indiciar certo flerte com partidos políticos que, ora,
ocupam o governo atual e alguns de seus membros estão sendo denunciados pelo
atual Procurador pelo acordo feito com o Sr. Joesley Batista (JBS) e pivô da
crise política do atual Governo (pelo menos, para os acusados, pois, a meu ver,
o responsável por esse quadro é o próprio Presidente, ao agir como se fosse um
gatuno quando recebeu o citado Senhor na calada da noite, sem informar agenda e
sequer permitir a sua identificação por agentes que tem a função de
protegê-lo).
Caso fosse eu que
fizesse isso, um cidadão comum, no mínimo algum vizinho avisaria a polícia
sobre a entrada em minha residência de pessoas suspeitas. Diante disso, indago
a Sra. Raquel: Vossa Senhoria não deveria, ao menos, condicionar o seu aceite a
consulta junto aos Procuradores? Certamente, com os votos obtidos por Vossa
Senhoria e pelo terceiro candidato, seriam suficientes para que fosse
referendada. Além disso, como efeito colateral, demonstraria que o seu
compromisso é efetivamente com a defesa dos interesses da República e até
angaria simpatia e respeitabilidade daqueles que não votaram na Senhora;
- terceiro, penso que
faltou a virtude “vergonha” à provável nova Procuradora Geral da República.
Isso me assusta mais ainda, pois nos faz pensar que estamos em processo de
involução quanto à defesa da República. Digo isso porque o antônimo desse termo
é honra, dignidade, confiança, mérito, respeito, orgulho, coragem,
audácia, ousadia.
Analiso, aqui, apenas
a coragem. Aristóteles disse que o seu excesso é a temeridade; sua ausência, a
covardia. Tanto um extremo quanto o outro são vícios e distancia a pessoa da
virtuosidade, tornando regra o romance O homem sem qualidadesde
Robert Musil (1880-1942).
Por fim, cito o
filósofo francês André-Comte Sponville (1952-): De todas as virtudes, a
coragem é sem dúvida a mais universalmente admirada [...] a
coragem como capacidade de superar o medo, vale mais que a covardia ou a
poltronice [covardia] [...] a coragem é a virtude dos heróis;
e quem não admira os heróis?Contudo, [...] essa universalidade não
prova nada, seria até suspeita. O que é universalmente admirado o é, portanto,
também pelos maus e pelos imbecis.
Fico, diante disso, a
me perguntar: será que essa ausência de vergonha da Sra. Raquel Dodge ao
aceitar o convite, sendo a segunda mais votada, para ocupar o cargo de
Procuradora Geral da República, é um ato de coragem? Se o for, ela pode ser
vista como uma heroína e, portanto, figura digna de admiração? Sua escolha não
foi apenas admirada pelos maus (corruptos e concentradores de renda) e pelos
imbecis?
Não tenho respostas
para essas indagações, mas sou forçado a conceber o Presidente Temer, nas
condições que se encontra e movido pelo ódio em relação ao atual Procurador,
como uma pessoa má e muitos dos seus aliados da mesma forma ou como imbecis.
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