A magia da boa construção de palavras...
A língua portuguesa é apaixonante. Uma língua
românica, flexiva. Como diz Leonor Buescu
(especialista em literatura), “a língua é ou faz parte do aparelho ideológico,
comunicativo e estético da sociedade que a própria língua define e
individualiza”. Apresento um texto maravilhoso de uma jovem universitária,
que revela a grandeza e a singeleza da escrita, quando bem articulada.
Imperdível para amantes da língua portuguesa, e claro também para professores.
Isso é o que eu chamo de um jeito mágico de juntar palavras simples para
formar belas frases. Deleite-se com esta redação da estudante carioca Clarice
Zeitel Vianna Silva.
'PÁTRIA MADRASTA VIL'
Onde já se viu tanto excesso de falta? Abundância de inexistência. ...
Exagero de escassez... Contraditórios? Então aí está! O novo nome do nosso
país! Não pode haver sinônimo melhor para BRASIL. Porque o Brasil nada mais é
do que o excesso de falta de caráter, a abundância de inexistência de
solidariedade, o exagero de escassez de responsabilidade. O Brasil nada mais é
do que uma combinação mal engendrada - e friamente sistematizada - de
contradições. Há quem diga que 'dos filhos deste solo és mãe gentil', mas eu digo
que não é gentil e, muito menos, mãe. Pela definição que eu conheço de MÃE, o
Brasil está mais para madrasta vil. A minha mãe não 'tapa o sol com a
peneira'. Não me daria, por exemplo, um lugar na universidade sem ter-me dado
uma bela formação básica. E mesmo há 200 anos atrás não me aboliria da
escravidão se soubesse que me restaria a liberdade apenas para morrer de fome.
Porque a minha mãe não iria querer me enganar, iludir. Ela me daria um
verdadeiro Pacote que fosse efetivo na resolução do problema, e que contivesse
educação + liberdade + igualdade. Ela sabe que de nada me adianta ter educação
pela metade, ou tê-la aprisionada pela falta de oportunidade, pela falta de
escolha, acorrentada pela minha voz-nada-ativa. A minha mãe sabe que eu só vou
crescer se a minha educação gerar liberdade e esta, por fim, igualdade. Uma
segue a outra... Sem nenhuma contradição! É disso que o Brasil precisa:
mudanças estruturais, revolucionárias, que quebrem esse sistema-esquema social
montado; mudanças que não sejam hipócritas, mudanças que transformem! A mudança
que nada muda é só mais uma contradição. Os governantes (às vezes) dão uns
peixinhos, mas não ensinam a pescar. E a educação libertadora entra aí. O povo
está tão paralisado pela ignorância que não sabe a que tem direito. Não
aprendeu o que é ser cidadão. Porém, ainda nos falta um fator fundamental para
o alcance da igualdade: nossa participação efetiva; as mudanças dentro do corpo
burocrático do Estado não modificam a estrutura. As classes média e alta - tão
confortavelmente situadas na pirâmide social - terão que fazer mais do que
reclamar (o que só serve mesmo para aliviar nossa culpa) ... Mas estão elas
preparadas para isso? Eu acredito profundamente que só uma revolução
estrutural, feita de dentro pra fora e que não exclua nada nem ninguém de seus
efeitos, possa acabar com a pobreza e desigualdade no Brasil. Afinal, de que
serve um governo que não administra? De que serve uma mãe que não afaga? E,
finalmente, de que serve um Homem que não se posiciona? Talvez o sentido de
nossa própria existência esteja ligado, justamente, a um posicionamento perante
o mundo como um todo. Sem egoísmo. Cada um por todos. Algumas perguntas, quando
auto-indagadas, se tornam elucidativas. Pergunte-se: quero ser pobre no Brasil?
Filho de uma mãe gentil ou de uma madrasta vil? Ser tratado como cidadão ou
excluído? Como gente... Ou como bicho?
Bacana, não?
Clarice Zeitel tem 26 anos. Estudante de
direito da UFRJ. Ela recebeu, em Paris, um prêmio da Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), por esta redação sobre
'Como vencer a pobreza e a desigualdade'.
Salve a escrita, a mais incrível tecnologia
da comunicação.
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