Amapá e o jeito de ser do povo daqui
Saiba como se formou a identidade
regional e qual foi a influência da criação do ex-Território Federal neste
processo.
Maiara Pires
Há quem diga que o Amapá era um,
antes da criação do ex-Território Federal em 13 de setembro de 1943 – quando
ele foi desmembrado do Pará – e virou outro, após essa data. Mas, há quem
também defenda a desconstrução dessa ideia ressaltando que, desde cedo, o
amapaense veio construindo o seu próprio caminho.
É o caso da historiadora Maura Leal
da Silva. “O Amapá não é uma terra sem história como é colocado por algumas
pessoas, de que não existia nada antes da criação do ex-Território. Já existia
uma população vivendo aqui, uma ocupação, uma história. E isso precisa ser
levado em consideração”, defende ela, reforçando a importância de se conhecer o
passado para compreender o presente.
O desmembramento do Pará se desenha,
então, como um capítulo da história republicana brasileira não apenas, para a
formação do território nacional como, sobretudo, para dar visibilidade à
criação da identidade de um povo que ficou conhecido pela sua resistência,
antes mesmo de 1943. E com um jeito todo peculiar de ser amapaense.
Jeito esse cantado pelos compositores
amazônidas Joãozinho Gomes e Val Milhomem que expressam o amor por essa terra
em versos emocionados: “Quem nunca viu o Amazonas / Nunca irá entender a vida
de um povo / De alma e cor brasileiras / Suas conquistas ribeiras / Seu ritmo
novo / Não contará nossa história por não saber e por não fazer jus / Não
curtirá nossas festas tucujus / Quem avistar o Amazonas, nesse momento, e
souber transbordar de tanto amor / Este terá entendido o jeito de ser do povo
daqui / Quem nunca viu o Amazonas / Jamais irá compreender a crença de um povo
/ Sua ciência caseira, a reza das benzedeiras, o dom milagroso”.
Identidade regional
Essa e outras canções de compositores
locais surgiram entre as décadas de 1980 e 90, conta a historiadora Maura Leal,
quando o Amapá estava prestes a se tornar Estado, daí o surgimento do que hoje
se conhece por MPA (Música Popular Amapaense). Pois, essas canções afloraram o
sentimento de amapalidade, principalmente, na década de 1990.
“Em 1988, quando se lança a proposta
de transformar o território em Estado, defendida por políticos locais, a
justificativa que eles vão buscar é exatamente a de que a região já tinha a sua
identidade regional fundamentada, de que ele já se diferenciava de outros
estados. E essa defesa era justificada com a ideia da integração. O Amapá é
brasileiro como qualquer outro Estado. Então, enquanto qualquer outro Estado,
ele também tem o mesmo direito. Ele deve ganhar as mesmas condições dentro
desse debate”, esclarece Maura Leal.
E um dos exemplos da característica
de resistência é a cultura do marabaixo, que nasceu em Mazagão e ganhou grande
repercussão em Macapá, através do mestre Julião Ramos e dona Gertrudes
Saturnino. Juntos, nos bairros Laguinho e Favela, eles deram vida a essa
manifestação e a cultivaram com muita fé, amor e devoção. O relato é de
Danniela Ramos, bisneta de Julião Ramos, que ajuda a manter viva essa tradição no
Amapá.
“Mesmo quando o marabaixo quis
morrer, por conta de falta de incentivo, preconceito e discriminação que
sofremos até hoje, o nosso povo sempre resistiu, lutou pra que essa cultura se
mantivesse viva através da fé e devoção aos santos homenageados e amor por essa
cultura”, conta Danniela. É que, em todo o Estado, o marabaixo é uma grande
homenagem aos santos padroeiros das comunidades negras e se consagrou como a
maior e mais autêntica manifestação cultural do Amapá.
Ex-Território
Ainda com relação à ideia de que tudo
mudou no Amapá, após a criação do ex-Território Federal, Maura Leal conta que
ela é sustentada porque, de fato, foi uma época efervescente, quando houve a
abertura de ruas, construção de hospitais e prédios públicos que abrigariam a
estrutura administrativa que se formava. “Dos governadores que passaram pelo
Amapá, os que mais receberam recursos foram Janary Nunes [1943-1955], Ivanhoé
Martins [1967-1972] e Annibal Barcellos [1979-1985]. Foram os períodos em que o
Amapá mais se desenvolveu, principalmente, a cidade de Macapá”, ressalta a
historiadora.
Ela conta ainda que, a ideia de
criação dos territórios federais dentro da política brasileira sempre veio com
a visão de que eram etapas preparatórias, transitórias. Não eram períodos
permanentes, mas, sim, temporários até que estas regiões pudessem se manter
economicamente, uma vez que, manter estas regiões como territórios era muito
dispendioso para a União, de onde vinham os recursos. O que não é muito
diferente dos dias atuais, quando o Amapá, mesmo transformado em Estado em
1988, continua dependente de recursos do governo federal.
“A quantidade de pessoas que vieram
para o Amapá atraídas pela promessa da criação dessa nova unidade política,
porque aqui tinha emprego, é enorme. E o Território vai empregar muita gente
deixando essa herança quando o Amapá vira Estado. Tanto que, até hoje, uma
característica local muito forte é uma quantidade excessiva de funcionários
públicos. Quase todo mundo depende do Estado”, compara Maura.
A historiadora também reforça que o
projeto de Território Federal levou uma migração muito grande de pessoas pra
dentro da capital, inchando a cidade, colocando Macapá entre as capitais com um
número muito alto de habitantes, comparada a outras capitais do país. “Mas, é
uma cidade pouco desenvolvida, com pouca estrutura, muitas pontes, porque as
pessoas encontraram nesses espaços as possibilidades de moradia, bairros com
extrema dificuldade estrutural. Pode não parecer, mas são heranças deixadas
pelo ex-Território”, lembra.
Cultura
O jeito de ser do povo daqui, às
vezes, se confunde com o jeito de ser do povo de lá, do Pará. O desmembramento
das terras do Estado paraense trouxe costumes, linguagem, gastronomia,
religiosidade e música que foram incorporados à cultura local.
É o caso do Círio de Nazaré, que se
tornou uma das mais importantes manifestações religiosas do Estado, sendo
celebrado há 83 anos, quando o Amapá ainda era parte do Pará. E até hoje
arrasta multidões pelas ruas e avenidas de Macapá.
Aqui também se encontram comidas
típicas paraenses como o vatapá e o tacacá. Mas, sempre com um toque amapaense,
como por exemplo, o famoso camarão no bafo, que ganhou até festival só pra ele
no Amapá. Dizem que ele se popularizou a partir da praia de Fazendinha pela
maneira como ele é servido: com pimenta ou tucupi e a farofa.
Outra influência dos paraenses é o
ritmo melody que, inclusive, já tem representação do movimento com a Federação
das Equipes e Fã-Clubes de Melody (Fefam). Estas e outras heranças como, até
mesmo o jeito de falar, rememoram a história dos amapaenses.
Fotos: Maksuel Martins
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