ENTREVISTA:
José Eustáquio Diniz Alves,
doutor em demografia e professor titular do Mestrado em Estudos Populacionais e
Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGET
(Agência Patrícia Galvão)
Para demógrafo, crise de representatividade expressa nas manifestações em todo
país é ainda mais grave no caso das mulheres e o Brasil não pode se declarar
como um regime totalmente democrático ao excluir mais da metade da população
dos espaços de decisão e poder.
IPG – Gostaria que o senhor
comentasse as demandas que apareceram de forma muito contundente na pesquisa
pela reforma política para permitir maior espaço para mulheres na política e
maior paridade entre homens e mulheres nas candidaturas e nos parlamentos. A
que o senhor atribui a premência dessas demandas?
José Eustáquio – Pensando
nessas mobilizações todas que tiveram no Brasil nesse último mês, a maioria dos
analistas está chamando atenção para a questão de uma crise de
representatividade – ou seja, mostram que a população não se sente representada
pelos partidos e por aquelas pessoas que deveriam ser representantes dessa
mesma população.
Essa crise de
representatividade ficou muito evidente – o que revela uma certa burocratização
da política, um distanciamento em relação às necessidades da população etc.
Acho que esse é o quadro geral.
Agora, no caso das mulheres,
essa crise fica mais evidente ainda se você pensar que as mulheres são maioria
da população e do eleitorado e têm uma representação no Congresso de menos de 10%.
As mulheres não se sentem representadas por essa política e por esses partidos
que estão aí.
A pesquisa confirma tudo
isso que as mobilizações populares de junho deixaram muito claro. Quer dizer, o
discurso que é feito e as questões que são colocadas em prática estão muito
distantes da realidade da população como um todo, mas especialmente da
população feminina.
As mulheres sentem de uma
maneira mais forte essa crise de representatividade da democracia e da política
brasileira hoje em dia.
IPG – Na pesquisa apareceu
também uma visão crítica das entrevistadas e dos entrevistados sobre o papel
dos partidos em garantir 50% de mulheres entre suas candidaturas. O senhor
poderia comentar este papel?
José Eustáquio – É a
primeira vez na história do Brasil que é muito forte essa crítica aos partidos.
É como se tivesse uma ‘partidocracia’ – os partidos são autárquicos, como se
fosse uma oligarquia bastante distante da população como um todo e,
especialmente, das mulheres.
E aí tem alguns números que
são impressionantes. Por exemplo, nenhum partido brasileiro hoje em dia é
presidido por uma mulher. As pessoas sentem isso, sabem que, apesar de ter uma
mulher na Presidência da República, isso não se refletiu no sentido da
paridade.
Houve aumento no número de
ministras, ele é recorde na história brasileira, mas ainda é muito pequeno, não
chega nem em 30%. Houve aumento de mulheres em empresas públicas, como na
Presidência da Petrobras e do próprio IBGE, que em quase 80 anos de história
tem pela primeira vez uma mulher no comando.
Quer dizer, houve alguns
avanços, mas ainda estamos distantes dos 50%. E isso em nível federal, nos
estadual e municipal a situação é mais gritante ainda, há poucas mulheres
prefeitas, vereadoras e nas chefias das secretarias municipais – as pessoas
sentem muito isso nas cidades brasileiras.
IPG – O que representa esse
déficit na paridade entre homens e mulheres nos espaços de poder?
José Eustáquio – Se a gente
defende e diz que o Brasil é uma democracia, essa democracia tem que
representar a sociedade que está sustentando e garantindo seu funcionamento.
Caso contrário, viramos uma oligarquia, um regime de poucos mandando em muitos.
Se queremos que a população
decida e participe dessa forma democrática, a composição dessa população tem
que estar minimamente representada nas esferas de poder e decisão.
E, hoje em dia, as mulheres
são mais da metade da população, mais da metade do eleitorado, já possuem um
nível educacional maior do que o dos homens, vivem mais que os homens, estão
entrando no mercado de trabalho. Até nas Olimpíadas, nas duas últimas edições,
das seis medalhas de ouro que o Brasil conquistou, as mulheres ganharam quatro
– ou seja, até no esporte o Brasil conseguiu uma projeção maior no ranking das
Olimpíadas graças às mulheres.
Quer dizer, se as mulheres
contribuem com o mercado de trabalho, se contribuem para o sustento das
famílias, se em todo o trabalho reprodutivo as mulheres têm um peso muito maior
– por que elas vão ficar fora da democracia? Um regime democrático que exclui a
maioria da população não pode se dizer totalmente democrático.
Além do mais, a literatura
internacional mostra que a qualidade de vida e o nível de desenvolvimento de um
país melhora quando há uma maior participação das mulheres na vida política. Ou
seja, quanto menor for a exclusão feminina, maior é o bem-estar daquela
sociedade.
Claro que não estou dizendo
que se Ruanda tiver maioria feminina no parlamento ela vai ter um nível de vida
maior do que o da Suíça. O que eu quero dizer é que se não tivesse essa participação
feminina, a situação seria pior em Ruanda. Ou seja, a literatura mostra que
quando se tem uma participação com mais equidade de gênero isso acaba se
refletindo nas políticas sociais e na qualidade de vida da população.
IPG – O sistema eleitoral
brasileiro, tal como está hoje, dificulta o acesso de mulheres ao sistema
representativo?
José Eustáquio – Totalmente,
porque hoje temos um sistema em que todo mundo concorre com todo mundo, não só
o candidato de um partido com o de outro partido, mas os candidatos concorrem
com os candidatos do seu próprio partido. Quem tiver mais votos é que vai se
eleger.
É diferente, por exemplo, de
um sistema que tem uma lista fechada e em que todo mundo trabalha por aquela
lista e você elege os mais votados da lista. Ou então, é diferente de um
sistema misto, em que se vota na lista e nas pessoas, e em que uma parte dos
candidatos vai ser eleita pela lista do partido e outra parte vai ser eleita
diretamente pelas pessoas.
Ou seja, existem várias
configurações para fazer um sistema mais justo na hora da campanha, porque o
sistema atual prejudica particularmente as mulheres. Como as mulheres não estão
nas estruturas partidárias, elas não ocupam os principais cargos dos partidos,
então elas também não têm acesso adequadamente ao tempo de televisão, aos
recursos financeiros, à rede de capital político desse partido.
De um modo geral, o sistema
eleitoral brasileiro é muito ruim para garantir o avanço das mulheres na vida
política do país.
Nenhum comentário:
Postar um comentário