A retomada histórica das economias da
China e da Índia, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
A China e a Índia são não só os
dois países mais populosos do mundo, mas também são a pátria de duas grandes
civilizações, com uma rica e milenar história econômica e cultural. O gráfico
acima mostra que, em 2022, a soma dos PIBs da China e da Índia (Chíndia)
ultrapassará a soma dos PIBs dos Estados Unidos da América (EUA) e da União
Europeia (EU), segundo dados do FMI (WEO, abril de 2017), em poder de paridade
de compra (ppp). Este processo vai consolidar o processo de Orientalização do
mundo, que é a vota do eixo dinâmico da economia mundial para a Ásia, depois do
interregno da Ocidentalização que ocorreu nos últimos dois séculos.
O gráfico abaixo mostra a
participação das oito principais economias do mundo, com o PIB medido em poder
de paridade de compra (PPP), do ano 1 ao ano de 2008, com base em cálculos de
Angus Maddison. Nota-se que, durante, pelo menos, dois milênios, a China e a
Índia representavam cerca de 50% do PIB mundial até 1820. Após o início da
Revolução Industrial e do domínio energético e militar, os países ocidentais
tomaram a frente no processo de desenvolvimento econômico e passaram a ter um
peso crescente no PIB mundial.
Entre 1700 e 1820 a economia da
Índia encolheu significativamente, em especial depois que a Inglaterra ampliou
seu domínio sobre o subcontinente indiano. O fortalecimento da Companhia
Britânica das Índias Orientais foi se consolidando gradativamente e, em meados
do século XVII, a companhia havia estabelecido entrepostos comerciais nas
cidades de Bombaim, Calcutá e Madras, até se tornar um “país dentro de outro
país”. Em 1773, o parlamento britânico instituiu o cargo de governador-geral da
Índia. O domínio inglês significou o declínio da civilização indiana.
A partir do domínio sobre a
Índia, a Inglaterra iniciou a “Guerra do Ópio” contra a China a partir de 1839.
Entre 1820 e 1870, no auge da Primeira Revolução Industrial, o tamanho relativo
das economias da China e da Índia caíram para menos de 30% do PIB mundial,
enquanto crescia a presença Ocidental (Europa e EUA).
Em 1900, os 5 países ocidentais
considerados (EUA, Alemanha, França, Inglaterra e Itália) passaram a
representar 40% do PIB mundial. O Japão ainda tinha uma pequena participação
global no início do século XX, perdendo espaço para a Itália. Durante a primeira
metade do século XX, a China e a Índia, além de sofrerem as consequências das
duas grandes guerras mundiais, passaram por várias crises internas até a
Independência da Índia, em 1947, e a Revolução Comunista na China, em 1949.
Também as três primeiras décadas, após estes eventos históricos, não foram
fáceis para os dois gigantes asiáticos. Em 1970, a China e a Índia
representavam menos de 10% do PIB mundial. Por outro lado, os cinco países
ocidentais, mais o Japão, passaram a representar quase 50% da economia
internacional.
Mas a partir do final da década
de 1970, a correlação de forças começou a mudar e, principalmente a China, mas
depois a Índia, passaram a apresentar taxas de crescimento muito maiores do que
o resto do mundo e especialmente em relação aos países do G-7. O gráfico abaixo
mostra que entre 1970 e 2011 a China e a Índia iniciaram um processo de
recuperação histórico e já representavam mais de 20% do PIB mundial, no início
do século XXI. O primeiro gráfico mostra que em 2022, a Chíndia vai representar
cerca de 30% do PIB mundial, mesma proporção de 1870. Em 2050, os dois países
mais populosos do mundo podem chegar a 40% do PIB mundial, recuperando o espaço
perdido nos séculos XIX e XX.
Como disse Martin Wolf, EM
artigo no jornal Financial Times, “In the grip of a great convergence”
(4/01/2011): “In the past few centuries, what was once the European and then
American periphery became the core of the world economy. Now, the economies that
became the periphery are re-emerging as the core”.
Em 2011, escrevi um artigo no
site Aparte do IE/UFRJ, perguntando: “Por tudo isto, será que a ocidentalização
da economia mundial pode ser pensada como um fenômeno restrito aos séculos XIX
e XX? A China e a Índia vão voltar a ser as duas grandes economias da
comunidade internacional? O mundo está em um processo de desocidentalização? O
Oriente do Norte vai ser a nova base de uma Orientalização do globo? O Consenso
de Beijing vai vencer o Consenso de Washington? Será que a chamada
excepcionalidade americana é um fenômeno que vai ficar restrito ao século XX?”
De lá para cá, o processo de
Orientalização do mundo só se consolidou, especialmente depois que a China
lançou o projeto “One Belt, one Road” (OBOR) que visa a interligação da
Eurásia, por terra e por mar. Os países do Leste estão consolidando uma aliança
estratégica entre China, Índia e Rússia (RIC, ou triângulo estratégico) que vai
abarcar partes da Europa e da África.
Com o isolacionismo e o
bairrismo implantados por Donald Trump nos Estados Unidos e o caos provocado
pelo Partido Conservador no Reino Unido, que gerou o Brexit, as duas potências
de língua inglesa que dominaram o mundo nos séculos XIX (século inglês) e XX
(século americano) devem contribuir para a perda da hegemonia ocidental, nessa
fase de perda de brilho e do lusco-fusco do ocaso.
Uma nova governança
internacional pode estar se formando com a liderança do protagonismo da China e
seus aliados Índia e Rússia e seus parceiros Paquistão, Irã e Turquia. O ponto
que enfraquece o processo de Orientalização é o conflito fronteiriço entre
China e Índia e os constantes conflitos entre Índia e Paquistão. China e Índia
são os dois principais países dos BRICS e não tem nada a ganhar com conflitos
territoriais e disputas bairristas.
Se a iniciativa OBOR da China
contar com o apoio da Índia (respeitando os interesses indianos), o eixo da
economia mundial vai mudar ainda mais rápido. A Europa tende a voltar ao papel
de periferia da Eurásia e os Estados Unidos, embora continuando a ser um grande
país, provavelmente, deixarão de ser a potência hegemônica e perderão o título
de xerife do mundo.
José Eustáquio Diniz Alves,
Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do
mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola
Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista
em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
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