Raimundinha Ramos encerra sua
participação neste mundo deixando um rico legado cultural e de lutas como
herança.
Reinaldo Coelho
Essa semana estaremos prestando uma
homenagem fúnebre a um dos ícones do movimento negro do Amapá, uma personagem
do dia a dia do Bairro do Laguinho, mais precisamente da General Osório onde
residia Raimunda de Nazaré da Silva Ramos, a Raimundinha, vizinha de frente da
maior e mais tradicional Universidade de Samba do Amapá “Boêmios do Laguinho”.
Leia o texto de Mariléia Maciel que é conterrânea de bairro da nossa pioneira
que está no mais alto patamar da vida.
Raimunda de Nazaré da Silva Ramos, a
Raimundinha, junto com outros pioneiros do movimento negro, esteve à
frente da histórica luta para construir o Centro de Cultura Negra do Amapá
(CCNA), em 1998, no bairro do Laguinho, e foi sua primeira presidente,
acumulando duas vitorias, a construção do espaço, e a cadeira de
presidente assumida por uma mulher negra. Essa sempre foi a vida da
funcionária pública Raimunda Ramos, de muita luta, conquistas e derrotas, mas
sem perder a esperança de um mundo sem desigualdade e com mais justiça para o
povo negro.
Foi em sua gestão que a União dos
Negros do Amapá (UNA), entidade que Raimundinha foi pioneira, passou
a ocupar o CCNA, colocando o movimento como protagonista do cenário
que se desenhava no Amapá, estado em que a maioria da população é
negra, continuando a missão de abrir portas para os irmãos de raça e
sangue. Descendente de escravos, filha de Raimundo Tavares Ramos, remanescente
do quilombo do Curiaú, e Honorina da Silva Ramos, tinha orgulho de sua origem,
e gostava de ser chamada carinhosamente de Preta, até os 62 anos em que esteve
lutando nesta vida.
“Raimundinha organizou, evidenciou,
deu nome, sobrenome endereço ao movimento negro, com a criação do Centro,
quando passamos a ter calendário e datas para comemorar, e colocar o movimento
em pauta. Ela pensava o Centro como espaço de união, e conseguiu, mesmo com os
percalços, e dentro deste espaço colocou a Semana da Consciência Negra, o
Encontro dos tambores, a Missa dos Quilombos, que são fortes símbolos de nossa
resistência. Hoje o movimento negro divide-se entre antes, durante e depois de
Raimundinha, que sempre lutou por seriedade e união”, disse Armystrong Souza,
amigo e ex-presidente da UNA.
Nascida no bairro Laguinho, Raimunda
Ramos esteve rodeada de cultura regional, e se esforçou para manter as
tradições das danças, vestimentas e música. Frequentava as rodas de marabaixo,
louvava a Santíssima Trindade e Divino Espírito Santo, e ainda São
Benedito, dançava ao som dos tambores, tomava bênção e pedia
conselhos dos mais antigos. Atravessava a cidade e ia rodar a saia na Favela,
ou no quilombo de suas raízes, Curiaú, onde dançava no salão até a alvorada.
Não há como falar de Boêmios do
Laguinho sem lembrar de Raimundinha, que sempre dava um jeito de usar vermelho
e branco, em época da festa ou não. De sua varanda via o movimento dos ensaios,
recebia o povo para um bate-papo na sombra da árvore, e atravessava a rua para
acompanhar a folia, até o dia do desfile, quando vestia calça branca
e o manto da Nação Negra, com a cobra ou guará, e saia na FAB ou na Ivaldo
Veras. Ela nasceu junto com a agremiação, cresceu com ela, acompanhou sua
evolução, da sede de madeira à alvenaria, brincando na sede ou no Theatro do
Samba.
“Raimundinha representa a luta contra
o racismo, a intolerância, o preconceito, e nunca desistiu dessa árdua batalha
contra as condições impostas às pessoas afrodescendentes. Boemista, ela foi
minha amiga pessoal, desde a juventude da Igreja São Benedito,
quando aproximava da religião os jovens através da música, esporte e lazer.
Segue deixando um abismo na cultura, vai fazer falta. Seu empenho é reconhecido
inclusive no meio acadêmico que a identifica como símbolo, um ícone do
Laguinho”, disse Fernando Canto, presidente de Boêmios do Laguinho.
Luta é a palavra que define
Raimundinha Ramos, e sempre foi o verbo mais conjugado por ela, que não media
esforços para estar à frente ou como personagem do movimento negro, lutando por
respeito. Com o corpo enfeitado por algum objeto que a identificasse como negra
orgulhosa de suas raízes, com sua força e coragem, viajava o país levando
nossas tradições e histórias, liderando as comitivas de negros que se sentiam
representados por ela, colocando o Amapá no mapa nacional dos estados que lutam
por igualdade e respeito com a memória e conquistas do povo negro.
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