Carta ao PT foi escrita à mão por Palocci do cárcere
Documento histórico que atinge Lula e o PT foi cirurgicamente
montado por petista na cela, onde divide espaço com lobista e passa os dias a
se exercitar
Ricardo Brandt, Fausto Macedo e Júlia Affonso
01 Outubro 2017 | 05h04
Antonio Palocci. Foto: Rodolfo Buhrer/Reuters
Na manhã da quinta-feira, 27, o detento Antônio Palocci Filho
retomou as conversas com os advogados para montagem dos anexos de sua delação
premiada, que é negociada com a força-tarefa da Operação Lava Jato. Foi quando
recebeu pela primeira vez notícias da repercussão da bomba relógio colocada no
colo do ex-presidente Lula: sua carta ao PT de desfiliação. Um artefato que
atinge o coração do partido, criado pelos dois há 36 anos, que enfrenta sua
pior crise.
A carta ao PT foi redigida por Palocci, de próprio punho, da
cadeia e entregue aos advogados para ser digitada e impressa. O garrancho de médico
virou três páginas e meia de um documento assinado por ele na terça-feira, 25.
Explosivas, as palavras do ex-ministro da Fazenda de Lula e da Casa Civil de
Dilma Rousseff foram endereçadas à presidente nacional do partido, a senadora
Gleisi Hoffmann, no dia seguinte, a simbólica data de 26 de outubro, quando
completou um ano de prisão.
Cirurgicamente montada e retocada, a carta coloca o PT e Lula
contra a parede, ao reconhecer que seus dois governos e de sua sucessora foram
corrompidos pelo “tudo pode”, pelos “petrodolares”, defende um acordo de
leniência para o partido e diz que ele acredita que o ex-presidente, um dia,
fará o mesmo.
Uma das preocupações era não revelar fatos além dos que havia
confesso 20 dias antes, diante do juiz federal Sérgio Moro, no processo em que
é réu com Lula no caso do terreno do Instituto Lula e do apartamento de São
Bernardo, que ocultariam propinas da Odebrecht. Qualquer revelação pode
comprometer as negociações de delação com a Lava Jato.
No dia 6, Palocci confessou negociar propinas com a Odebrecht
e incriminou Lula ao revelar um suposto “pacto de sangue” entre o ex-presidente
e o empresário Emílio Odebrecht, em 2010, em que foi acertado R$ 300 milhões em
corrupção ao PT.
Condenado a 12 anos de prisão em outro processo da Lava Jato,
a estratégia foi buscar diretamente com o juiz federal Sérgio Moro uma via
alternativa para obter uma redução de pena, ou um limitador, como colaborador
da Justiça – paralelamente às tratativas da delação.
A carta lista 7 pontos sobre o procedimento aberto pelo PT
contra ele e as afirmações que fez a Moro sobre seus crimes e os de Lula. Desde
então, Palocci passou de quadro histórico do partido e da ascensão de operário
a presidente – ele foi um dos mentores da Carta ao Povo Brasileira -, a inimigo
número 1 dos petistas, em especial dos “fanáticos” lulistas. No libelo ele
questiona: “somos um partido sob a liderança de pessoas de carne e osso ou
somos uma seita guiada por uma pretensa divindade?”.
Mãe. Em seu ponto mais delicado para Lula, Palocci questiona
a estratégia de defesa do ex-companheiro de atribuir à ex-primeira-dama Marisa
Letícia (morta em fevereiro) as responsabilidades pelos “presentes” e cita o
sítio de Atibaia (SP), “os apartamentos” – o triplex do Guarujá e o 121 do Hill
House, em São Bernardo – e o imóvel para o Instituto Lula. Segundo os
processos, bens dados em propinas ao ex-presidente.
Acusado de ser frio e mentiroso por Lula, no depoimento a
Moro que o ex-presidente deu no dia 13, foi a menção à mãe, Antônia de Castro
Palocci, que mais irritou Palocci sobre as respostas do ex-presidente, após ele
confesssar seus crimes e sugerir que o ex-companheiro fizesse o mesmo.
Lula disse que gostou “muito do Palocci”. “Tive boa relação
com Palocci, acho que o Brasil deve ao Palocci, mas lamentavelmente o Palocci
se prestou a um serviço pequeno, porque inventar inverdades para tentar
criminalizar uma pessoa que ele sabe que não cometeu os crimes que ele alegou é
muito desagradável.”
“Eu fico pensando como é que está pensando a mãe dele agora
que é militante do PT e fundadora do PT. Eu fico imaginando como estão as
pessoas que militavam com ele no PT. É lamentável. Eu, sinceramente, não tenho
raiva do Palocci. Não leve essa imagem que eu tenho raiva do Palocci. Eu tenho
pena dele ter terminado uma carreira tão brilhante da forma como ele terminou.”
Na carta ao PT, Palocci escreve: “Fiz isso pela minha
família”.
Cárcere. Na cadeia, Palocci virou “atleta”, título que divide
com o presidente afastado da Odebrecht, Marcelo Bahia Odebrecht que está preso
desde junho de 2015. Ele fechou acordo de delação premiada em dezembro de 2016
e aguarda até início de 2018 para progredir para a prisão domiciliar. Os dois
estão em alas separadas da custódia da Superintendência da Polícia Federal, em
Curitiba.
Detido na mesma cela que o lobista o operador de propinas
Adir Assad, Palocci lê muito, escreve, mas principalmente se dedica a caminhar
no exíguo espaço do cárcere.
Na manhã da última quinta recebeu os advogados ansioso por
notícias. Além de ver jornais, quis saber sobre as primeiras impressões dos
defensores sobre a reação pública e de aliados sobre sua carta de desfiliação.
As reuniões com os advogados Adriano Bretas, Tracy Reinaldet,
André Pontarolli e Matteus Macedo nas últimas semanas são diárias – com
excessão dos finais de semana, feriados e quartas, quando o dia é de visita da
família. As conversas com os advogados se intensificaram depoiis que evoluíram
as negociações com o Ministério Público Federal. Procurados, eles não
comentaram.
Em quase quatro meses de tratativas com os advogados, Palocci
já tem quase 50 anexos montados, que estão sendo discutidos com procuradores da
força-tarefa. As negociações ainda não foram fechadas. O conteúdo atinge não só
Lula e o PT, mas também Dilma, outras empresas ainda não pegas no radar da Lava
Jato e bancos.
Considerado por investigadores um estrategista que ainda não
falou tudo o que sabe, um ponto que incomoda a equipe é a suspeita de que
Palocci esteja tentando preservar patrimônio. Se o acordo com o MPF for
fechado, envolverá a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba e na Procuradoria
Geral da República (PGR) e deverá ser homologado pela Justiça para que tenha
validade.
A interlocutores, o ex-ministro revelou preocupação, ao redigir
a carta, que o documento não soasse como um “recado” aos ex-companheiros.
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