Os três países mais populosos possuem os três maiores déficits
ambientais.
De José Eustáquio Diniz Alves
“Precisamos
pegadas menores, mas também precisamos de menos pés”.
(Enough is Enough, 2010)
Nos últimos 250 anos, o progresso humano tem ocorrido às custas
do regresso ambiental e o enriquecimento da humanidade tem ocorrido em função
do empobrecimento da biodiversidade. O impacto negativo sobre o meio ambiente é
tanto maior quanto cresce o tamanho da população e o volume de produção e consumo.
Não por coincidência os três países que apresentam os maiores
déficits ambientais são também os três países mais populosos do mundo, como
mostram os dados da Pegada Ecológica e da Biocapacidade da Footprint Network.
A Pegada Ecológica é uma metodologia que mede o impacto humano
sobre as áreas terrestres e aquáticas, consideradas biologicamente produtivas e
necessárias à disponibilização de recursos ecológicos e serviços, como
alimentos, fibras, madeira, terreno para construção e para a absorção do dióxido
de carbono (CO2) emitido pela combustão de combustíveis fósseis etc. A
biocapacidade mede a quantidade de área biologicamente produtiva – zona de
cultivo, pasto, floresta e pesca – disponível para responder às necessidades da
humanidade.
O país mais populoso do mundo em 2013 era a China com uma
população de cerca de 1,4 bilhão de habitantes. A Pegada Ecológica que estava
abaixo da Biocapacidade até final da década de 1960 subiu rapidamente e
transformou a China no país com o maior déficit ambiental do mundo. Em 2013, a
Pegada Ecológica total chinesa era de 5 bilhões de hectares globais (gha) para
uma Biocapacidade de 1,3 bilhão de gha. Portanto, o déficit ambiental era de
impressionantes 3,7 bilhões de gha, em 2013.
A Pegada Ecológica per capita da China era de 3,6 gha em 2013,
pouco acima da média mundial, mas muito abaixo da média das economias
avançadas. Portanto, o que mais contribui para o enorme déficit ambiental da
China é o grande volume da população.
Os Estados Unidos (EUA) apresentam o segundo maior déficit
ambiental do mundo. A Pegada Ecológica estadunidense tem estado acima da
Biocapacidade desde a década de 1960. Em 2013, a Pegada Ecológica total dos EUA
era de 2,7 bilhões de hectares globais (gha) para uma Biocapacidade de 1,2
bilhão de gha. Portanto, o déficit ambiental era de 1,5 bilhão de gha.
A Pegada Ecológica per capita dos EUA era de 8,6 gha em 2013,
bem acima da média mundial. Com uma população pouco acima de 300 milhões, fica
claro que o que mais contribui para o elevado déficit ambiental dos EUA é,
principalmente, o volume do consumo.
A Índia é o segundo país mais populoso do mundo com uma
população de cerca de 1,35 bilhão de habitantes em 2013. A Pegada Ecológica
total indiana também tem estado acima da Biocapacidade desde a década de 1960.
Em 2013, a Pegada Ecológica total da Índia era de 1,36 bilhão de hectares
globais (gha) para uma Biocapacidade de 557 milhões de gha. Portanto, o déficit
ambiental era de 703 milhões de gha.
A Pegada Ecológica per capita da Índia de 1,1 gha, em 2013,
estava bem abaixo da média mundial. Mesmo com nível de consumo baixo, o déficit
ambiental da Índia é claramente devido ao tamanho da população.
Portanto, o déficit ambiental ocorre pelo elevado volume
populacional ou pelo elevado volume do consumo. Para reduzir o déficit é
preciso reduzir a pegada ecológica, mas também o número de pés. É um equívoco
achar que o déficit ambiental global se deve, fundamentalmente, aos países
ricos e de elevado consumo. Na realidade a situação é mais grave.
A tabela abaixo mostra que a população mundial era de 7,08 bilhões
de habitantes em 2012 e tinha uma pegada ecológica per capita de 2,84 hectares
globais (gha) e uma biocapacidade de 1,7 gha. No total, a pegada ecológica
mundial era de 20,1 bilhões de gha e a biocapacidade total era de 12,5 bilhões
de gha. O déficit ecológico era de 7,9 bilhões de gha em 2012.
A pegada ecológica per capita dos países de alta renda
(desenvolvidos) foi de 6,2 gha, em 2012, para uma população de 1,1 bilhão de
habitantes, o que representava uma pegada total de 6,8 bilhões de gha. A
biocapacidade per capita era de 3,2 gha e um montante de 3,5 bilhões de gha.
Portanto, os países de alta renda tinham um déficit ecológico de 3,3 bilhões de
gha. Os países ricos tinham cerca de 15% da população mundial, mas eram
responsáveis por aproximadamente 42% do déficit ecológico total.
Sem dúvida, o alto consumo dos países desenvolvidos pressiona a
pegada ecológica do mundo. Mas mesmo numa situação hipotética de eliminação
destes países ricos da contabilidade ambiental, o mundo continuaria numa situação
de déficit, mesmo que menor, de 3,9 bilhões de hectares globais (gha).
Portanto, mesmo eliminando os países ricos do cálculo da Pegada
Ecológica mundial as atividades antrópicas do resto da população do globo
continuam superiores à capacidade de regeneração da biosfera. Os cálculos acima
não tiram as responsabilidades dos países desenvolvidos como os maiores
poluidores do Planeta. Apenas mostram a real dimensão dos problemas causados
pelos tamanhos do consumo e da população.
É compreensível que as populações dos países pobres aspirem
níveis mais elevados de desenvolvimento e consumo. Mas reproduzir o modelo dos
países ricos e poluidores seria um desastre total. Também é compreensível que
as camadas populacionais excluídas do mundo lutem por melhores escolas,
hospitais, transporte público, lazer e outros direitos de cidadania. Mas não é
aceitável e nem viável se promover o desenvolvimento humano às custas do
empobrecimento do Planeta e da biodiversidade.
O fato é que as populações dos países ricos consomem além de
qualquer medida de sustentabilidade e os países em desenvolvimento, mesmo com
um nível de consumo menor, possuem um tamanho de população que faz elevar o
déficit ecológico. A única forma de equacionar o dilema da insustentabilidade
global é caminhar para um mundo com menos gente, menos consumo, menor
desigualdade social e maior qualidade de vida humana e ambiental.
Por isto, o livro Enough is Enough (2010), com prefácio de
Herman Daly, diz: “We need smaller footprints, but we also need fewer feet” (“Precisamos
pegadas menores, mas também precisamos de menor número de pés”, p. 12).
Só com o decrescimento demoeconômico poderemos sair da situação
da superpopulação e do superconsumo, evitando a sobrecarga ambiental. A Terra
não aquenta a overdose de atividades antrópicas. Sem ECOlogia não há ECOnomia.
Referências:
O’Neill, D.W., Dietz, R.,
Jones, N. (Editors), Enough is Enough: Ideas for a sustainable economy in a
world of finite resources. The report of the Steady State Economy Conference.
Center for the Advancement of the Steady State Economy and Economic Justice for
All, UK, 2010. http://steadystate.org/wp-content/uploads/EnoughIsEnough_FullReport.pdf
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal
EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado
em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências
Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal.
E-mail: jed_alves@yahoo.com.




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