domingo, 3 de março de 2019

DESPERDÍCIOS DE ALIMENTOS




DESPERDÍCIOS DE ALIMENTOS
Novos procedimentos e mudanças de mentalidade devem ser feitos urgentemente

Estabelecimentos do país que lidam com alimentos e hortifrutigranjeiros não podem doar alimentos que sobram para pessoas carentes ou entidades devido a legislação rígida, e também o brasileiro precisa mudar a mentalidade, mesmo sabendo que isso não acontecerá de imediato. Comprar o necessário e controlar o desperdício na hora de preparar as refeições.

Reinaldo Coelho

No Brasil ainda não é possível direcionar os alimentos que perderam seu valor comercial para doações. Muitas verduras com aparência feia, que são rejeitadas pelo consumidor na elaboração de seu alimento em casa, apresentam um estrago de 61% na confecção e nas sobras alimentares.
Nos restaurantes, lanchonetes de shoppings e supermercados, no final de expediente, é triste ver o desperdício nas lixeiras, bolos tortas, pães e salgados, ainda em perfeito estado, são descartados e não podem ser nem doados aos próprios funcionários.

Um casal esteve na última semana em um supermercado de renome em Macapá, por volta das 21:30h e ao dirigir-se a padaria observou os produtos intactos na vitrine e que já estavam sendo retirados para descarte. Ao comentarem o destino de tantos produtos foram informados que o destino era o lixo. Questionaram os funcionários porque não podiam recebê-los, disseram que era proibido e o gerente ouvindo os questionamentos explicou sobre a legislação que regula essas atividades.

“Já repassamos aos nossos funcionários alimentos que não eram comercializados, mas estavam dentro da validade sanitária e de saúde, mas devido um servidor que as recebeu, e depois alegou na justiça que sua filha tinha adoecido após ingerir um dos alimentos que ele levou para sua família. Acontece que eles não consumiram em tempo hábil e ai perdeu a validade, mas o supermercado foi multado e teve que indenizá-lo”.
A senhora, que é advogada, e que estava com o esposo e sua filha de sete anos, perguntaram – “Porque não estudar um meio de reaproveitar se ainda estão dentro da validade e da qualidade. Procurem mudar o posicionamento, criar alternativas, pois existem milhões de pessoas passando fome no mundo e aqui em Macapá temos muitos na linha da pobreza, para quem esses alimentos seria um banquete”.
Uma dica, segundo ela, é o processamento dos alimentos. “A equipe dos supermercados pode resgatar os produtos que são vendidos, porque para o consumidor estão “feios”, e transformá-los na cozinha do próprio estabelecimento”.
“Pode-se vender um bolo de maçã com a fruta que foi desprezada pelo cliente. É preciso mudar a mentalidade”. Mas ao mesmo tempo ela reconhece que “isso não se altera da noite para o dia.”
Do lado do consumidor, ela cobra uma consciência na hora de comprar. Na casa da professora de inglês Ednaer Boças é assim. Segundo ela a preocupação em uma compra é sempre com a quantidade certa. “Quando sobra tentamos preparar algo. Com a casca da banana, por exemplo, faço bolos. Com uma maçã mais machucada também invento na cozinha”, diz.

Entraves Legais

Segundo os administradores de supermercados o problema está nos “entraves legais”. Na verdade o que existe hoje é uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), a RDC 216/2004, que estabelece uma série de regras para que estabelecimentos comerciais doem suas sobras.
Trata-se de algo muito rigoroso para os empresários. A data de validade dos produtos, por exemplo, tem uma margem de segurança muito pequena. Se o produto venceu ontem você não pode doar, tem que ir para o lixo. É preciso que essa legislação evolua, que o rigor seja reduzido, sem perder a segurança alimenta e a indústria, com medo, geralmente, tem um produto que dura 90 dias. Mas para que não haja riscos coloca então que vale 60 dias. Se o empresário colocar um produto vencido para vender e forem encontrados cinco itens dele pela fiscalização, por exemplo, a multa é alta e dependendo do porte da empresa pode chegar a R$ 500 mil.
Resultado de imagem para muitos projetos de leis sobre o desperdicio de alimentos estão na camara federal
Os supermercados brasileiros desperdiçaram em 2017 o equivalente a R$ 3,9 bilhões em frutas, legumes e verduras e produtos das seções de padaria, peixaria e açougue. Na comparação com 2016 houve queda de R$ 54.2 milhões. Os dados foram divulgados em Julho de 2018 pela Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS), na capital paulista.
Um projeto de lei que se arrasta no Congresso há 10 anos – chamado de ‘Bom Samaritano’ – isenta de responsabilidade civil ou penal o doador de alimentos, em caso de dano ao beneficiário decorrente do consumo, desde que não se caracterize dolo ou negligência. Atualmente, um industrial, produtor ou mesmo restaurante não pode doar alimentos porque, se alguém passar mal, o doador acaba acusado de ser o responsável e pode acabar preso.

Enquanto isso...
 
Banco de alimentos no Japão ajuda famílias carentes e evita o desperdício
No Japão, ao perceberem que produtores jogavam fora 10% de todas as verduras e legumes colhidos, por não conseguirem vendê-los no mercado, foi criado um site chamado Tada Yasai (vegetais gratuitos). Em vez de jogar fora os produtos mais ‘feios’, agricultores podem doá-los por meio do site para cidadãos que se inscrevem no serviço. São cerca de 3 mil pessoas assinantes e, todas as segundas-feiras, 10 delas recebem uma boa quantidade de vegetais de graça (elas pagam apenas uma taxa de frete). Os fazendeiros arcam com um pequeno custo para listar seus produtos no site e, em troca, interessados podem comprar vegetais que também estão bons, além de se alistarem no serviço de distribuição gratuita de alimentos. E, como a negociação é feita diretamente com o produtor, mesmo quando o interessado compra frutas e verduras pelo site, o preço é até 50% menor.

Quase 30 projetos sobre combate ao desperdício de alimentos tramitam na Câmara
O Brasil ainda não tem uma política nacional que regule iniciativas de combate ao desperdício de alimentos e defina o destino de sobras do processo de produção, comercialização e consumo, mas na Câmara dos Deputados tramitam atualmente quase 30 projetos de lei com esse objetivo. No entanto divergências em torno de alguns pontos impedem o avanço das propostas.

A maioria dos projetos em análise na Casa pretende acabar com a punição civil e criminal de doadores de alimentos. Hoje supermercados ou empresas distribuidoras de produtos alimentícios podem ser responsabilizados caso doem algum produto e este cause algum mal-estar ou problema de saúde à pessoa que o recebeu.
Para pesquisadores do tema essa restrição, que consta dos Códigos Penal e Civil, é um dos entraves ao aumento das doações de sobras de alimentos no país. “No Brasil temos uma situação muito estranha: restaurantes, empresas processadoras de alimentos não podem doar alimentos que sobram, porque a responsabilidade é delas, se houver qualquer tipo de problema de saúde. É uma legislação que vai no sentido do desperdício, porque impede o reaproveitamento”, diz o professor Sérgio Sauer, da Universidade de Brasília (UnB).
Um estudo feito pela consultoria legislativa do Senado Federal mostra que o risco jurídico imposto aos doadores é um dos principais gargalos da legislação relacionada a iniciativas de promoção da segurança alimentar, ao lado das ineficiências técnicas de todas as etapas do processo produtivo.

“Embora o problema da perda e desperdício de alimentos ocorra ao longo de toda a cadeia produtiva, da produção agrícola ou pecuária até o consumo final, estudos demonstram que só é possível promover alterações legislativas ou inovações no marco regulatório relativo ao processo de doação de alimentos. Porque, em tese, as cadeias produtivas já têm os incentivos necessários para promover boas práticas de produção, comercialização, industrialização que levariam à redução de perdas”, afirma o consultor legislativo do Senado Marcus Peixoto.
Ele ressalta que não é possível reunir de forma detalhada, em apenas uma lei ordinária, todos os aspectos relacionados à perda e ao desperdício de alimentos. Por isso, há várias propostas em tramitação, mas Peixoto destaca que o foco do Congresso deve estar na regulamentação do processo de doação.

Bom samaritano


Uma das primeiras propostas elaboradas com o objetivo de mudar essa situação é o Projeto de Lei (PL) 4.747, que tramita há 19 anos na Câmara e é conhecido como Lei do Bom Samaritano. Pelo projeto, pessoas físicas ou empresas que, por intermédio de entidades sem fins lucrativos, doarem a pessoas carentes alimentos industrializados ou preparados ficam isentas de responsabilidade civil ou penal, em caso de dano ou morte causados ao beneficiário pelo consumo do bem doado.

A isenção depende, porém, de ficar comprovado que não houve dolo ou negligência da parte do doador. A proposta aguarda aprovação dos deputados desde 1998. Nesse período outros projetos com teor parecido foram criados e também aguardam avanço na tramitação.

Em junho deste ano, a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara aprovou, por unanimidade, parecer favorável ao Projeto de Lei 5.958/2013, que permite a “reutilização de alimentos preparados para fins de doação”. A proposta incrementa o Decreto 986/69, que institui normas básicas sobre alimentos e permite a doação para instituições beneficentes de alimentos industrializados que tenham sido interditados para venda por apresentar algum tipo de avaria, embora mantenham condições de consumo.
Doze projetos foram apensados à proposta. Um deles é o PL 6898/17 que propõe a criação da Política Nacional de Combate ao Desperdício de Alimentos. Já aprovada no Senado, a proposta permite a doação de alimentos conforme regras a serem regulamentadas e isenta o doador de responsabilidade jurídica. O projeto não considera a doação como relação de consumo entre o doador e o beneficiado.
Existem ainda propostas mais amplas, que visam à instituição de uma política nacional de erradicação de alimentos na qual é incluída a questão do desperdício.

Plataforma de doação
 
Plataforma permite doação ou troca de alimentos saudáveis
Um dos últimos projetos que tiveram movimentação na Câmara, o PL 3.070/2015, de autoria do deputado Givaldo Vieira (PT-ES), inclui entre os princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos o estímulo à redução do desperdício de alimentos e retira a punição aos potenciais doadores. Segundo Givaldo, a proposta difere das outras por incorporar a questão do desperdício na legislação ambiental. O projeto acrescenta à Lei de Resíduos Sólidos um tratamento diferente do que é dado aos resíduos de alimentos.
“Em vez de criar uma lei isolada, fomos à Lei de Resíduos Sólidos, uma lei ambiental forte, e fizemos alterações, dando um tratamento diferenciado aos resíduos de alimentos e uma destinação, que seria a doação para humanos, uso animal, compostagem e, em último caso, geração de energia com a massa orgânica não aproveitada para consumo humano ou animal e compostagem”, disse o deputado à Agência Brasil.
Para organizar a destinação dos resíduos ainda com condições de consumo, o projeto prevê a criação da plataforma nacional de oferta de alimentos. Na ferramenta, que seria online, potenciais doadores e aqueles capazes de captar a doação fariam um cadastro sob supervisão de um órgão federal. O deputado explica que o objetivo é estimular a criação dos chamados bancos de alimentos, instituições públicas ou administradas em parceria com organizações sociais que fazem a intermediação do processo de doação de alimentos sociais.
A proposta legislativa já passou por três comissões e foi aprovada em julho na de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Apesar de pronto para ser votado em plenário, o projeto deve aguardar uma longa fila de medidas provisórias e propostas de maior impacto político e econômico que tramitam na Casa, como as reformas política e da Previdência.
“Minha expectativa é neste semestre tratar com as lideranças partidárias e com o presidente da Câmara para ver se a gente consegue um consenso para pautar no plenário, o mais rápido possível, e dar um passo importante para o marco legal de combate ao desperdício. Se aprovado, iria para o Senado, onde poderia ser enriquecido de maneira que, quem sabe ao longo do próximo ano, o país possa ter uma lei que vise objetivamente combater ao desperdício de alimentos, sobretudo nesse momento grave de crise econômica”, ressalta Givaldo Vieira.
Se a proposta for aprovada no Congresso, ainda deve passar por regulamentação. Precisariam ser regulamentados os pontos que tratam das questões sanitárias e os que definem os critérios para que o alimento seja doado. O assunto já tem sido debatido com a Agência de Vigilância Sanitária (ANVISA).

Falta de criatividade está entre as razões, mesmo que inconscientemente


Tisa Moraes

Pouco conhecimento sobre as propriedades dos alimentos, pouca criatividade para prepará-los e falta de planejamento para dosar o consumo. Estes são alguns dos principais motivos que levam os brasileiros, diariamente, a jogar comida fora.
Segundo pesquisa conduzida pela agência Edelman, a pedido da Unilever, 61% dos brasileiros assumem descartar alimentos que estavam em perfeito estado de consumo. Entre os mais desperdiçados, estão os perecíveis, como saladas, vegetais e frutas.
O hábito é reflexo do fenômeno chamado “cegueira da geladeira”, que faz com que muitas pessoas não “vejam” ou ignorem alguns gêneros alimentícios no refrigerador. É uma prática que acontece, na maioria das vezes, inconscientemente e que, por isso, merece atenção.
O dado, já bastante alarmante, ganha peso ainda maior quando considerada a pouca tradição dos brasileiros em aproveitar todas as partes dos alimentos, como folhas, talos, cascas e sementes – que, geralmente, têm destino certo: o lixo. “Estas são as partes que têm grande valor nutricional, por terem mais fibras, vitaminas e minerais. Elas não precisam ser jogadas fora”, ensina a nutricionista Aline Bataier Maronezi Martins, coordenadora do Programa Mesa Brasil do Sesc de Bauru.
Além de gerar economia no bolso, lidar de maneira mais coerente com os alimentos disponíveis dentro de casa pode proporcionar a descoberta de novos sabores. Neste sentido, a criatividade precisa ser colocada em prática, até mesmo para revitalizar as preparações do dia, como o mais usual arroz, que pode servir como base para um risoto ou uma torta salgada.

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