DESPERDÍCIOS DE
ALIMENTOS
Novos procedimentos e mudanças de mentalidade devem ser feitos
urgentemente
Estabelecimentos do país que lidam com alimentos e
hortifrutigranjeiros não podem doar alimentos que sobram para pessoas carentes
ou entidades devido a legislação rígida, e também o brasileiro precisa mudar a
mentalidade, mesmo sabendo que isso não acontecerá de imediato. Comprar o
necessário e controlar o desperdício na hora de preparar as refeições.
Reinaldo Coelho
No Brasil ainda não é possível direcionar os alimentos
que perderam seu valor comercial para doações. Muitas verduras com aparência
feia, que são rejeitadas pelo consumidor na elaboração de seu alimento em casa,
apresentam um estrago de 61% na confecção e nas sobras alimentares.
Nos restaurantes, lanchonetes de shoppings e
supermercados, no final de expediente, é triste ver o desperdício nas lixeiras,
bolos tortas, pães e salgados, ainda em perfeito estado, são descartados e não
podem ser nem doados aos próprios funcionários.
Um casal esteve na última semana em um supermercado de
renome em Macapá, por volta das 21:30h e ao dirigir-se a padaria observou os
produtos intactos na vitrine e que já estavam sendo retirados para descarte. Ao
comentarem o destino de tantos produtos foram informados que o destino era o
lixo. Questionaram os funcionários porque não podiam recebê-los, disseram que
era proibido e o gerente ouvindo os questionamentos explicou sobre a legislação
que regula essas atividades.
“Já repassamos aos nossos funcionários alimentos que não
eram comercializados, mas estavam dentro da validade sanitária e de saúde, mas
devido um servidor que as recebeu, e depois alegou na justiça que sua filha
tinha adoecido após ingerir um dos alimentos que ele levou para sua família.
Acontece que eles não consumiram em tempo hábil e ai perdeu a validade, mas o
supermercado foi multado e teve que indenizá-lo”.
A senhora, que é advogada, e que estava com o esposo e
sua filha de sete anos, perguntaram – “Porque não estudar um meio de
reaproveitar se ainda estão dentro da validade e da qualidade. Procurem mudar o
posicionamento, criar alternativas, pois existem milhões de pessoas passando fome
no mundo e aqui em Macapá temos muitos na linha da pobreza, para quem esses
alimentos seria um banquete”.
Uma dica, segundo ela, é o processamento dos alimentos. “A
equipe dos supermercados pode resgatar os produtos que são vendidos, porque
para o consumidor estão “feios”, e transformá-los na cozinha do próprio
estabelecimento”.
“Pode-se vender um bolo de maçã com a fruta que foi
desprezada pelo cliente. É preciso mudar a mentalidade”. Mas ao mesmo tempo ela
reconhece que “isso não se altera da noite para o dia.”
Do lado do consumidor, ela cobra uma consciência na hora
de comprar. Na casa da professora de inglês Ednaer Boças é assim. Segundo ela a
preocupação em uma compra é sempre com a quantidade certa. “Quando sobra
tentamos preparar algo. Com a casca da banana, por exemplo, faço bolos. Com uma
maçã mais machucada também invento na cozinha”, diz.
Entraves Legais
Segundo os administradores de supermercados o problema
está nos “entraves legais”. Na verdade o que existe hoje é uma resolução da
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), a RDC 216/2004, que
estabelece uma série de regras para que estabelecimentos comerciais doem suas
sobras.
Trata-se de algo muito rigoroso para os empresários. A
data de validade dos produtos, por exemplo, tem uma margem de segurança muito
pequena. Se o produto venceu ontem você não pode doar, tem que ir para o lixo.
É preciso que essa legislação evolua, que o rigor seja reduzido, sem perder a
segurança alimenta e a indústria, com medo, geralmente, tem um produto que dura
90 dias. Mas para que não haja riscos coloca então que vale 60 dias. Se o
empresário colocar um produto vencido para vender e forem encontrados cinco
itens dele pela fiscalização, por exemplo, a multa é alta e dependendo do porte
da empresa pode chegar a R$ 500 mil.
Os supermercados brasileiros desperdiçaram em 2017
o equivalente a R$ 3,9 bilhões em frutas, legumes e verduras e produtos das
seções de padaria, peixaria e açougue. Na comparação com 2016 houve queda de R$
54.2 milhões. Os dados foram divulgados em Julho de 2018 pela Associação
Brasileira de Supermercados (ABRAS), na capital paulista.
Um projeto de lei que se arrasta no Congresso
há 10 anos – chamado de ‘Bom Samaritano’ – isenta de responsabilidade civil ou
penal o doador de alimentos, em caso de dano ao beneficiário decorrente do
consumo, desde que não se caracterize dolo ou negligência. Atualmente, um
industrial, produtor ou mesmo restaurante não pode doar alimentos porque, se
alguém passar mal, o doador acaba acusado de ser o responsável e pode acabar
preso.
Enquanto isso...
No Japão, ao perceberem que produtores
jogavam fora 10% de todas as verduras e legumes colhidos, por não conseguirem
vendê-los no mercado, foi criado um site chamado Tada Yasai (vegetais
gratuitos). Em vez de jogar fora os produtos mais ‘feios’, agricultores podem
doá-los por meio do site para cidadãos que se inscrevem no serviço. São cerca
de 3 mil pessoas assinantes e, todas as segundas-feiras, 10 delas recebem uma
boa quantidade de vegetais de graça (elas pagam apenas uma taxa de frete). Os
fazendeiros arcam com um pequeno custo para listar seus produtos no site e, em
troca, interessados podem comprar vegetais que também estão bons, além de se alistarem
no serviço de distribuição gratuita de alimentos. E, como a negociação é feita
diretamente com o produtor, mesmo quando o interessado compra frutas e verduras
pelo site, o preço é até 50% menor.
Quase 30 projetos sobre
combate ao desperdício de alimentos tramitam na Câmara
O Brasil ainda não tem uma política nacional que regule
iniciativas de combate ao desperdício de alimentos e defina o destino de sobras
do processo de produção, comercialização e consumo, mas na Câmara dos Deputados
tramitam atualmente quase 30 projetos de lei com esse objetivo. No entanto divergências
em torno de alguns pontos impedem o avanço das propostas.
A maioria dos projetos em análise na Casa pretende acabar
com a punição civil e criminal de doadores de alimentos. Hoje supermercados ou
empresas distribuidoras de produtos alimentícios podem ser responsabilizados
caso doem algum produto e este cause algum mal-estar ou problema de saúde à
pessoa que o recebeu.
Para pesquisadores do tema essa restrição, que consta dos
Códigos Penal e Civil, é um dos entraves ao aumento das doações de sobras de
alimentos no país. “No Brasil temos uma situação muito estranha: restaurantes,
empresas processadoras de alimentos não podem doar alimentos que sobram, porque
a responsabilidade é delas, se houver qualquer tipo de problema de saúde. É uma
legislação que vai no sentido do desperdício, porque impede o
reaproveitamento”, diz o professor Sérgio Sauer, da Universidade de Brasília
(UnB).
Um estudo feito pela consultoria legislativa do Senado
Federal mostra que o risco jurídico imposto aos doadores é um dos principais
gargalos da legislação relacionada a iniciativas de promoção da segurança
alimentar, ao lado das ineficiências técnicas de todas as etapas do processo
produtivo.
“Embora o problema da perda e desperdício de alimentos
ocorra ao longo de toda a cadeia produtiva, da produção agrícola ou pecuária
até o consumo final, estudos demonstram que só é possível promover alterações
legislativas ou inovações no marco regulatório relativo ao processo de doação
de alimentos. Porque, em tese, as cadeias produtivas já têm os incentivos
necessários para promover boas práticas de produção, comercialização,
industrialização que levariam à redução de perdas”, afirma o consultor
legislativo do Senado Marcus Peixoto.
Ele ressalta que não é possível reunir de forma
detalhada, em apenas uma lei ordinária, todos os aspectos relacionados à perda
e ao desperdício de alimentos. Por isso, há várias propostas em tramitação, mas
Peixoto destaca que o foco do Congresso deve estar na regulamentação do
processo de doação.
Bom samaritano
Uma das primeiras propostas elaboradas com o objetivo de
mudar essa situação é o Projeto de Lei (PL) 4.747, que tramita há 19 anos na
Câmara e é conhecido como Lei do Bom Samaritano. Pelo projeto, pessoas físicas
ou empresas que, por intermédio de entidades sem fins lucrativos, doarem a
pessoas carentes alimentos industrializados ou preparados ficam isentas de
responsabilidade civil ou penal, em caso de dano ou morte causados ao beneficiário
pelo consumo do bem doado.
A isenção depende, porém, de ficar comprovado que não
houve dolo ou negligência da parte do doador. A proposta aguarda aprovação dos
deputados desde 1998. Nesse período outros projetos com teor parecido foram
criados e também aguardam avanço na tramitação.
Em junho deste ano, a Comissão de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável da Câmara aprovou, por unanimidade, parecer
favorável ao Projeto de Lei 5.958/2013, que permite a “reutilização de
alimentos preparados para fins de doação”. A proposta incrementa o Decreto
986/69, que institui normas básicas sobre alimentos e permite a doação para
instituições beneficentes de alimentos industrializados que tenham sido
interditados para venda por apresentar algum tipo de avaria, embora mantenham
condições de consumo.
Doze projetos foram apensados à proposta. Um deles é o PL
6898/17 que propõe a criação da Política Nacional de Combate ao Desperdício de
Alimentos. Já aprovada no Senado, a proposta permite a doação de alimentos conforme
regras a serem regulamentadas e isenta o doador de responsabilidade jurídica. O
projeto não considera a doação como relação de consumo entre o doador e o
beneficiado.
Existem ainda propostas mais amplas, que visam à
instituição de uma política nacional de erradicação de alimentos na qual é
incluída a questão do desperdício.
Plataforma de doação
Um dos últimos projetos que tiveram movimentação na
Câmara, o PL 3.070/2015, de autoria do deputado Givaldo Vieira (PT-ES), inclui
entre os princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos o estímulo à
redução do desperdício de alimentos e retira a punição aos potenciais doadores.
Segundo Givaldo, a proposta difere das outras por incorporar a questão do
desperdício na legislação ambiental. O projeto acrescenta à Lei de Resíduos
Sólidos um tratamento diferente do que é dado aos resíduos de alimentos.
“Em vez de criar uma lei isolada, fomos à Lei de Resíduos
Sólidos, uma lei ambiental forte, e fizemos alterações, dando um tratamento
diferenciado aos resíduos de alimentos e uma destinação, que seria a doação
para humanos, uso animal, compostagem e, em último caso, geração de energia com
a massa orgânica não aproveitada para consumo humano ou animal e compostagem”, disse
o deputado à Agência Brasil.
Para organizar a destinação dos resíduos ainda com
condições de consumo, o projeto prevê a criação da plataforma nacional de
oferta de alimentos. Na ferramenta, que seria online, potenciais doadores e
aqueles capazes de captar a doação fariam um cadastro sob supervisão de um
órgão federal. O deputado explica que o objetivo é estimular a criação dos
chamados bancos de alimentos, instituições públicas ou administradas em
parceria com organizações sociais que fazem a intermediação do processo de
doação de alimentos sociais.
A proposta legislativa já passou por três comissões e foi
aprovada em julho na de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Apesar de
pronto para ser votado em plenário, o projeto deve aguardar uma longa fila de
medidas provisórias e propostas de maior impacto político e econômico que
tramitam na Casa, como as reformas política e da Previdência.
“Minha expectativa é neste semestre tratar com as
lideranças partidárias e com o presidente da Câmara para ver se a gente
consegue um consenso para pautar no plenário, o mais rápido possível, e dar um
passo importante para o marco legal de combate ao desperdício. Se aprovado,
iria para o Senado, onde poderia ser enriquecido de maneira que, quem sabe ao
longo do próximo ano, o país possa ter uma lei que vise objetivamente combater
ao desperdício de alimentos, sobretudo nesse momento grave de crise econômica”,
ressalta Givaldo Vieira.
Se a proposta for aprovada no Congresso, ainda deve
passar por regulamentação. Precisariam ser regulamentados os pontos que tratam
das questões sanitárias e os que definem os critérios para que o alimento seja
doado. O assunto já tem sido debatido com a Agência de Vigilância Sanitária (ANVISA).
Falta de criatividade está
entre as razões, mesmo que inconscientemente
Tisa Moraes
Pouco conhecimento sobre as propriedades dos
alimentos, pouca criatividade para prepará-los e falta de planejamento para
dosar o consumo. Estes são alguns dos principais motivos que levam os
brasileiros, diariamente, a jogar comida fora.
Segundo pesquisa conduzida pela agência
Edelman, a pedido da Unilever, 61% dos brasileiros assumem descartar alimentos
que estavam em perfeito estado de consumo. Entre os mais desperdiçados, estão
os perecíveis, como saladas, vegetais e frutas.
O hábito é reflexo do fenômeno chamado
“cegueira da geladeira”, que faz com que muitas pessoas não “vejam” ou ignorem
alguns gêneros alimentícios no refrigerador. É uma prática que acontece, na
maioria das vezes, inconscientemente e que, por isso, merece atenção.
O dado, já bastante alarmante, ganha peso
ainda maior quando considerada a pouca tradição dos brasileiros em aproveitar
todas as partes dos alimentos, como folhas, talos, cascas e sementes – que,
geralmente, têm destino certo: o lixo. “Estas são as partes que têm grande
valor nutricional, por terem mais fibras, vitaminas e minerais. Elas não
precisam ser jogadas fora”, ensina a nutricionista Aline Bataier Maronezi
Martins, coordenadora do Programa Mesa Brasil do Sesc de Bauru.
Além de gerar economia no bolso, lidar de
maneira mais coerente com os alimentos disponíveis dentro de casa pode
proporcionar a descoberta de novos sabores. Neste sentido, a criatividade
precisa ser colocada em prática, até mesmo para revitalizar as preparações do
dia, como o mais usual arroz, que pode servir como base para um risoto ou uma
torta salgada.
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