sexta-feira, 26 de abril de 2019

RECANTO LITERÁRIO - OBDIAS ARAÚJO


LÁGRIMAS DE POETA


Porque o poeta é assim mesmo. Derme de sensibilidade aflorada. Os sentimentos vincam-lhe o rosto de igual maneira. Difícil saber se está radiante de alegria ou natimorto de infelicidade.  O rosto é o mesmo. Desgosta-lhe o filho? As lágrimas caem-lhe aos pés. Casa-se a filha? Os olhos são duas fontes de salinidade.
Várias vezes flagrei o Poeta Isnard Lima chorando, em sua alcova repleta de sonhos. Alcy chorava, chamando a todos de “mamãe”, e autoproclamando-se Nenê na intimidade”. Fernando Canto chora a saudade de sua Óbidos... Manoel Bispo é um pote de saudades.
Mas e eu? Por que estou chorando?

Estou chorando da genuína alegria. Estranha alegria sem motivo ou razão aparente. Autênticas lágrimas de felicidade como as que a muitos séculos não me molhavam o peito.
No mais, é respirar fundo e arrancar titubeantes e promissoras notas musicais de meu velho trombone.

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Não sei até quando. Mas estou aqui. O pouso foi tranquilo a comida é boa e a cama guarda ainda o perfume da amada de sempre.
Quando cheguei já encontrei o jardim florido.
Outras flores eu mesmo plantei e aguardo seus frutos.
A mulher amada já me disse (as palavras vieram com um sorrisinho sacana) que ainda este ano a família aumenta.
Ainda bem que o quarto é espaçoso! Entre o rack do velho pecê e o guarda-roupa vou acomodar uma pequena cama... 

oOo 

YORKSHIRE

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Sou um poeta solitário e triste. Um vate macambúzio. Um menestrel repleno de dor e de amargura.
No meu jardim as flores já não cantam. E os pintassilgos de celofane multicor olvidaram-me o florir.
Mas meu derradeiro poema ainda traz em si a majestade sublime das pedras.

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NOTURNO

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Dizem que lá em cima o piso é de esmeralda e as lâmpadas no teto possuem filamentos de ouro de mina.
Dizem que lá mora aNega Fulô vizinha de Circe e  Desdêmona num puxadinho de Madame Bovary.
A escada é lisa. Escorrega sob nossos joelhos e nos dias de chuva subir é impraticável.
Mas é o meu fado. Que de baixo eu vim etenho que subir. Subir. Subir.
-Vem Comigo? 

oOo 

ESCALERA

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Levanto. Ergo as mãos e vou-me embora trocando passos pela estrada afora levando aos lábios flores que colhi.
Pensando coisas de que sou cativo. As coisas que vivi e que não vivo. As coisas que não vivo e que vivi.
E assim até romper-se a Corda-Prima resignado cumpro minha lida.
Pois a vida me leva pela rima e a catar palavras levo a vida. 


oOo


 SENDERO LUMINOSO

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Poeta, meu amigo! Seresteiro das noites de Belém, das belas noites! Tu que versejas beijos e açoites! Tu que vês quando o sol nasce primeiro!
Presta atenção em mim.... Estou passando em frente à tua vida. Estou lembrando das coisas que larguei pelo caminho; do pássaro a cantar dentro do ovo que afaguei, afaguei e devolvi à segurança de seu próprio ninho.
Quando me deito na grama das praças... quando me vês ali, entregue às traças entrego-me também ao desespero.
E se eu disser que vivo como os loucos... quando eu disser que estou morrendo aos poucos... creia Poeta não há exagero!

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PENÚLTIMOS VERSOS

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Sei que um dia virás num burburinho rascante feito o vento no verão silvando entre as folhas do caminho e mudecendo os versos da canção.
Haverá lodo e sangue no teu manto. Haverá lodo e sangue no teu canto. Haverá sangue e lodo em teu olhar
Mas estou calmo. Estranhamente calmo. Feito uma garça a velejar nas nuvens. Feito um peixinho a volitar no mar.
Não tenho medo de ti nem tenho pressa. Nem sei quando virás. Ou quando irei que morto já estive. E não estou! oOo

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