A Constituição, as
igrejas e
o governo
no Brasil – Parte I
Besaliel Rodrigues
Colocamos este título para
chamarmos a atenção à relação entre o Estado e as igrejas e o modelo de
laicidade adotado pela Constituição brasileira de 1988.
Este assunto sobre laicidade
é pouco compreendido pelos políticos e por inúmeros meios de comunicação e, de
regra, tratado com preconceito e de forma superficial.
Diz a CF, “Art. 19. É vedado
à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer
cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento
ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança,
ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;”.
Destarte, é óbvio que é
constitucionalmente proibido ao Estado brasileiro instituir igrejas, ou
bancá-las, ou atrapalhar-lhes o funcionamento ou, com elas, estabelecer
alianças. O texto constitucional é cristalino e explícito. Mas, parece que as
pessoas não leem a última frase deste dispositivo: “… ressalvada, na forma da
lei, a colaboração de interesse público”.
Esta ressalva constitucional
define o tipo de laicidade adotado pelo Constituinte originário brasileiro de
1988. Assim, existem no mundo dois tipos de Estado Laico: a) o que adota a
laicidade negativa, ou “laicismo”: “princípio político que rejeita a influência
da igreja na esfera pública do Estado, considerando que os assuntos religiosos
devem pertencer somente à esfera privada do indivíduo”; e b) o que adota a
laicidade positiva: princípio político que aceita a influência e colaboração
das igrejas na esfera pública do Estado, nos termos da Constituição e das leis
em geral, considerando que os assuntos religiosos possuem natureza de interesse
público.
Então, a Constituição
Federal adotou o modelo de laicidade positiva, fato reconhecido pelos
doutrinadores (Nóbrega, Francisco Adalberto. Deus e constituição: a tradição
brasileira, Petrópolis/RJ, 1998, p. 59ss; Estado laico e liberdade religiosa.
Cooley, Thomas. Princípios gerais de direito constitucional nos Estados Unidos
da América. Trad. Ricardo Rodrigues Gama, Campinas/SP: Russell, 2002, p. 203ss.
e Vieira, Thiago Rafael e Regina, Jean Marques. Direito religioso: questões
práticas e teóricas. Porto Alegre: Concórdia, 2018, p. 103ss.) e pelos três
poderes da República como, por exemplo, pelo STF – Supremo Tribunal Federal: “O
Brasil é uma república laica (positiva), surgindo absolutamente neutro quanto
às religiões. [ADPF 54, rel. min. Marco Aurélio, j. 12-4-2012, P, DJE de
30-4-2013.]”, mas respeitando e garantindo a religiosidade individual de cada
cidadão. Ver também RHC 134.682, rel. min. Edson Fachin, j. 29-11-2016, 1ª T,
Informativo 849.
O Brasil adotou a modalidade
de laicidade positiva, que respeita e protege a opção religiosa de cada cidadão
e reconhece a importância social das igrejas no seio da sociedade. No país
passou de fato e de direito a ser Estado laico a partir de 1890, por meio do
Decreto n&o rdm; 119-A, vigente até hoje (Ver Dec. 4.496/2002), que
declarou a separação do Estado da Igreja. A Constituição de 1824, por seu
artigo 5º, dizia: “A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a
Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto
domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma
exterior do Templo.” (sic). Então, de 1500 a 1890, ou seja, por 390 (trezentos
e noventa) anos, o Brasil era um Estado de religião oficial: o catolicismo.
Entende-se, então, a forte matiz do cristianismo católico na cultura nacional e
no direito brasileiro.
Outro ponto mal compreendido
também neste tema é sobre a noção da “separação do Estado da Igreja”. Para quem
pouco conhece o assunto, confunde tal separação com o laicismo agnóstico
(negativo) citado acima; outros, pior ainda, conf undem com a noção de Estado
ateu. Mas, na verdade, tal separação diz respeito às ordens governativas
peculiares de cada ente: Estado e Igreja.
As ordens estatal e
eclesiástica possuem a mesma hierarquia institucional e atuam em esferas
distintas. Aquela é de natureza pública e imanente; esta de natureza privada e
transcendente. Entretanto, apesar de serem de duas ordens diferentes, Estado e
organizações religiosas possuem objetivos comuns, a saber, o bem-estar da
sociedade. Para promover, então, este bem estar, buscam trabalhar com os
valores supremos da sociedade, os quais encontram-se espraiados no texto
constitucional. Daí a Constituição dizer com letras garrafais que fica “…
ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”. Continuaremos
na próxima oportunidade.
Muito bom. aguardando a continuação
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