quinta-feira, 25 de julho de 2019

DIREITO & CIDADANIA - Besaliel Rodrigues


A Constituição, as 

igrejas e o governo 

no  Brasil – Parte I

Besaliel Rodrigues 

Colocamos este título para chamarmos a atenção à relação entre o Estado e as igrejas e o modelo de laicidade adotado pela Constituição brasileira de 1988.
Este assunto sobre laicidade é pouco compreendido pelos políticos e por inúmeros meios de comunicação e, de regra, tratado com preconceito e de forma superficial.
Diz a CF, “Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;”.
Destarte, é óbvio que é constitucionalmente proibido ao Estado brasileiro instituir igrejas, ou bancá-las, ou atrapalhar-lhes o funcionamento ou, com elas, estabelecer alianças. O texto constitucional é cristalino e explícito. Mas, parece que as pessoas não leem a última frase deste dispositivo: “… ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.
Esta ressalva constitucional define o tipo de laicidade adotado pelo Constituinte originário brasileiro de 1988. Assim, existem no mundo dois tipos de Estado Laico: a) o que adota a laicidade negativa, ou “laicismo”: “princípio político que rejeita a influência da igreja na esfera pública do Estado, considerando que os assuntos religiosos devem pertencer somente à esfera privada do indivíduo”; e b) o que adota a laicidade positiva: princípio político que aceita a influência e colaboração das igrejas na esfera pública do Estado, nos termos da Constituição e das leis em geral, considerando que os assuntos religiosos possuem natureza de interesse público.
Então, a Constituição Federal adotou o modelo de laicidade positiva, fato reconhecido pelos doutrinadores (Nóbrega, Francisco Adalberto. Deus e constituição: a tradição brasileira, Petrópolis/RJ, 1998, p. 59ss; Estado laico e liberdade religiosa. Cooley, Thomas. Princípios gerais de direito constitucional nos Estados Unidos da América. Trad. Ricardo Rodrigues Gama, Campinas/SP: Russell, 2002, p. 203ss. e Vieira, Thiago Rafael e Regina, Jean Marques. Direito religioso: questões práticas e teóricas. Porto Alegre: Concórdia, 2018, p. 103ss.) e pelos três poderes da República como, por exemplo, pelo STF – Supremo Tribunal Federal: “O Brasil é uma república laica (positiva), surgindo absolutamente neutro quanto às religiões. [ADPF 54, rel. min. Marco Aurélio, j. 12-4-2012, P, DJE de 30-4-2013.]”, mas respeitando e garantindo a religiosidade individual de cada cidadão. Ver também RHC 134.682, rel. min. Edson Fachin, j. 29-11-2016, 1ª T, Informativo 849.
O Brasil adotou a modalidade de laicidade positiva, que respeita e protege a opção religiosa de cada cidadão e reconhece a importância social das igrejas no seio da sociedade. No país passou de fato e de direito a ser Estado laico a partir de 1890, por meio do Decreto n&o rdm; 119-A, vigente até hoje (Ver Dec. 4.496/2002), que declarou a separação do Estado da Igreja. A Constituição de 1824, por seu artigo 5º, dizia: “A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo.” (sic). Então, de 1500 a 1890, ou seja, por 390 (trezentos e noventa) anos, o Brasil era um Estado de religião oficial: o catolicismo. Entende-se, então, a forte matiz do cristianismo católico na cultura nacional e no direito brasileiro.
Outro ponto mal compreendido também neste tema é sobre a noção da “separação do Estado da Igreja”. Para quem pouco conhece o assunto, confunde tal separação com o laicismo agnóstico (negativo) citado acima; outros, pior ainda, conf undem com a noção de Estado ateu. Mas, na verdade, tal separação diz respeito às ordens governativas peculiares de cada ente: Estado e Igreja.
As ordens estatal e eclesiástica possuem a mesma hierarquia institucional e atuam em esferas distintas. Aquela é de natureza pública e imanente; esta de natureza privada e transcendente. Entretanto, apesar de serem de duas ordens diferentes, Estado e organizações religiosas possuem objetivos comuns, a saber, o bem-estar da sociedade. Para promover, então, este bem estar, buscam trabalhar com os valores supremos da sociedade, os quais encontram-se espraiados no texto constitucional. Daí a Constituição dizer com letras garrafais que fica “… ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”. Continuaremos na próxima oportunidade.

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