O pacto federativo divide as tarefas entre eles.
Por exemplo: quem cuida dos buracos na rua da sua cidade é a prefeitura; quem
cuida do policiamento é o governo do estado e quem mantém as universidades
federais é a União. Da mesma forma, é o pacto federativo que diz como são
distribuídos os recursos para cumprir essas tarefas, e quem cobra o que do
cidadão. Você paga imposto de renda para a União, IPVA para o estado e IPTU
para o município. Nessa balança, sempre a União fica com a maior parte, por
isso precisa redistribuir o que arrecada para que serviços prestados por
estados e municípios cheguem à população.
Como o Senado busca alcançar o equilíbrio do pacto
federativo — a Casa tem três representantes de cada estado e do DF,
independentemente do tamanho da população — as bancadas acharam que agora, no
momento em que se aprova a reforma da Previdência, é uma boa hora para acertar
a quantidade de dinheiro que estados e municípios vêm recebendo, até porque
muitos deles estão endividados, alguns até falidos.
O líder do governo, senador Fernando Bezerra
(MDB-PE), reconhece que a reforma da Previdência e o novo pacto federativo
caminham no mesmo ritmo.
— Mas a aprovação da reforma não está condicionada
à aprovação das medidas previstas no novo pacto federativo, cujas ações, todas
elas, são importantes para melhorar a situação fiscal de estados e municípios.
Para alguns senadores, não há mais como o governo
promover reformas sem mexer nas questões que têm deixado estados e municípios à
míngua. O senador Eduardo Braga (MDB-AM) avalia que um no
vo pacto federativo
que traga capacidade de investimento por estados e municípios é tão fundamental
quanto as reformas em discussão no Parlamento.
Já a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) entende
que a pauta é a necessidade urgente de uma agenda para garantir mais recursos
para os estados que estão em situação de maior vulnerabilidade, especialmente
os da região Nordeste.
Numa reunião entre líderes do Senado e o ministro
da Economia, Paulo Guedes, no dia 20 de agosto, ficaram definidas ações sobre o
pacto federativo que podem dar aos estados, DF e municípios algo em torno de R$
500 bilhões nos próximos 15 anos. Fernando Bezerra conta que, para isso, o
governo trabalha em duas frentes: a divisão das receitas e a flexibilização
orçamentária.
— O primeiro eixo reúne um conjunto de medidas que
levam o governo federal a repartir receitas novas, algumas oriundas da
exploração do petróleo, para que estados e municípios melhorem a situação
fiscal e recuperem a capacidade de realizar investimentos. O segundo eixo prevê
desvinculação, desindexação de despesas com pessoal e desoneração dos orçamentos
públicos — explica o líder do governo.
Paulo
Guedes com líderes do Senado: possibilidade de mais R$ 500 bilhões aos estados,
DF e municípios em 15 anos
Divisão
Os acertos para divisão das receitas incluem a
distribuição dos novos recursos da exploração do pré-sal; a ampliação, por mais
quatro anos, do prazo para que estados e municípios paguem precatórios; a
aprovação do PLP 459/2017, que regulamenta a securitização da
dívida ativa para instituições privadas; a aprovação do chamado Plano Mansueto
de socorro aos entes federados (PLP 149/2019 — leia mais abaixo) e mudanças na
Lei Kandir (Lei Complementar 87, de 1996), ou até mesmo sua revogação.
Essa lei desonera as exportações e prevê um
ressarcimento da União aos estados exportadores pelas perdas pela isenção de
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviço (ICMS) sobre produtos
vendidos para o exterior. Os estados ainda buscam o pagamento de R$ 4 bilhões
pelo governo federal pelas desonerações em 2019.
Lei Kandir
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e outros
senadores falam na possível extinção das desonerações da Lei Kandir. Em vigor
desde 1996, essa lei acaba com a cobrança do ICMS de produtos exportados para
deixá-los mais competitivos no mercado internacional.
O combinado era que a União compensaria os estados
pelo benefício tributário. Porém, a regulamentação da lei pelo Congresso nunca
ocorreu e, assim, uma decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), no ano
passado, desobrigou os repasses — o que sacrificou os estados.
Davi
Alcolumbre: Senado discute alternativas à Lei Kandir (foto: Roque de Sá/Agência
Senado)
Uma comissão de deputados e senadores elaborou uma
proposta, que aguarda votação no Plenário da Câmara (PLP 511/2018), fixando em R$ 39 bilhões o repasse
anual para compensar os estados, já incluída a parcela destinada ao Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação (Fundeb). A União não concorda com o valor, bem
superior aos cerca de R$ 4 bilhões pagos por ano.
Se não houver acordo para a proposta ou se a Lei
Kandir for revogada pelo Congresso, os estados terão autonomia para cobrar ICMS
de alguns setores, especialmente minérios e grãos — alguns dos principais itens
no cardápio de exportações brasileiro.
Plano Mansueto
Um socorro aos estados e municípios falidos vem do
chamado Plano Mansueto (PLP 149/2019). Apesar de não haver cifras
oficiais, a expectativa é que ele renda R$ 40 bilhões para estados e municípios
nos próximos quatro anos, segundo antecipou Fernando Bezerra.
O programa dá auxílio financeiro com intenção de
promover equilíbrio fiscal, num conjunto de acordos entre a União e os outros
entes federativos que viabiliza a contratação de operações de crédito
(empréstimos) tanto para investimentos quanto para o pagamento de despesas
correntes.
— Ele é importante porque os estados poderão voltar
a contratar empréstimos com a União e organismos internacionais — explicou o
líder do governo, senador Fernando Bezerra (MDB-PE).
Mansueto
de Almeida coordenou plano para equilibrar as contas de estados e municípios em
troca de reformas (foto: Marcos Oliveira/Agência Senado)
Para participar, estados e municípios devem abrir
acesso a suas contas ao sistema contábil à Controladoria-Geral da União (CGU).
A partir do primeiro empréstimo, só serão liberados recursos para quem cumprir
as metas e ficar dentro da despesa de pessoal prevista pela Lei de
Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101, de 2000). Quanto cada um
consegue obter de crédito vai depender de quão bom pagador for o estado ou o
município, de acordo com uma lista do Ministério da Economia. Para serem
qualificados a participar do Plano Mansueto, os estados e municípios deverão
cumprir pelo menos três critérios da seguinte lista:
- Autorizar
a privatização de bancos públicos e companhias de energia, saneamento ou
gás
- Reduzir
pelo menos 10% dos incentivos tributários que concedem, além de suspender
a concessão de novos incentivos
- Retirar
do seu regime jurídico de servidores públicos as vantagens que não existem
no regime da União
- Instituir
mecanismos para limitar o crescimento de despesas correntes à variação da
inflação ou da receita
- Eliminar
vinculações de receitas que não tenham previsão constitucional
- Instituir
uma unidade de tesouraria (gestão financeira concentrada num único
organismo)
- Promover
reformas estruturantes na prestação de gás canalizado, de acordo com diretrizes
regulatórias nacionais
- Contratar
serviços de saneamento em modelo de concessão
Petróleo
Até agora a maior sinalização de que o novo pacto
federativo pode andar foi a aprovação da emenda constitucional que dará aos
estados e municípios parte do que as petrolíferas vão pagar pela exploração dos
campos de pré-sal a partir de novembro.
Estados e municípios conseguiram emplacar a
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 98/2019 que garante a todos — não só à União —
parte do que vai ser pago para explorar o excedente de petróleo encontrado no
pré-sal, o chamado bônus de assinatura (pagamento que a empresa ganhadora da
licitação realiza na assinatura do contrato de exploração).
O leilão pode render um bônus de assinatura de até
R$ 106,5 bilhões, a ser dividido entre os entes federativos. Depois de acertar
uma dívida de R$ 36 bilhões com a Petrobras, a União deve destinar 15% dos R$
70,5 bilhões arrecadados em bônus de assinatura para os estados e o DF, e
outros 15% aos municípios.
Senado
aprovou PEC que divide recursos do pré-sal entre União, estados e municípios
(foto: Agência Petrobras)
Além do bônus de assinatura, as empresas de
petróleo pagam royalties pelo que efetivamente retiram dos poços brasileiros e
esse dinheiro vai parar no Fundo Social (regulado pela Lei 12.351, de 2010), sendo usado pela União em
educação e saúde. O governo já trabalha com a possibilidade de liberar parte do
fundo para estados e municípios. Esse repasse, segundo o ministro Paulo Guedes
cogitou, ocorreria de forma progressiva, sendo 30% (cerca de R$ 6 bilhões) para
os entes em 2020, chegando a 70% (R$ 32 bilhões) em 2029.
Securitização
Está na Câmara e já foi aprovada pelo Senado a
proposta que autoriza União, estados, Distrito Federal e municípios a
venderem, por preço menor, o direito a créditos devidos pelo setor privado (PLS 204/2016). A prática é conhecida como
securitização e pode representar uma entrada de cerca de R$ 107 bilhões a curto
prazo nos cofres dos entes federados.
Os bancos ou financeiras, por exemplo, antecipariam
o pagamento para os entes federados do que eles ainda têm direito de receber
das empresas e pessoas de créditos tributários e não tributários,
inclusive inscritos em dívida ativa. Para terem interesse na operação — e
lucrar —, essas instituições pagariam a União, estados, Distrito Federal e
municípios um valor até 70% menor do que eles têm direito se esperassem para
receber depois de ações judiciais e execução da dívida.
Atualmente, as dividas ativas de União, estados,
Distrito Federal e municípios somam R$ 3,6 trilhões — um valor crescente, pois
cada vez mais pessoas e empresas ficam inadimplentes com o fisco. A maior parte
é devida à União, cerca de R$ 2,2 trilhões. Os estados têm a receber cerca de
R$ 947 bilhões e os municípios, R$ 445 bilhões.
Desse dinheiro, cerca de 10%, aproximadamente R$
357 bilhões, são devidos por bons pagadores que sofrem momentaneamente os
efeitos da crise econômica, mas que devem quitar seus débitos eventualmente. Ao
securitizar esses R$ 357 bilhões, os entes federados poderiam receber a curto
prazo cerca de 30% do valor, R$ 107 bilhões, sendo que R$ 28 bilhões iriam para
estados, R$ 66 bilhões para a União e cerca de R$ 13 bilhões para os maiores
municípios brasileiros.
José
Serra é autor de projetos que podem trazer alívio para as contas públicas
(foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)
Parlamentares que concordam com a securitização
dizem que, mesmo com o desconto de 70%, a medida trará alívio decisivo para as
finanças públicas. Por essa lógica, melhor seria receber R$ 107 bilhões hoje do
que, talvez, receber R$ 357 bilhões em 10 anos. Os contrários à proposta dizem
que o acordo é ruim para os entes federados: o desconto, ou deságio,
representaria parcela muito grande do valor total do crédito que os entes têm a
receber.
O autor do projeto é o senador José Serra
(PSDB-SP). Para ele, a proposta moderniza o sistema de recolhimento de
impostos.
Precatórios
Também é de Serra a proposta que pode melhorar o
caixa dos estados e municípios. Ela prolonga o prazo de quitação de uma dívida
grande, os precatórios. Pela lei atual, os entes devem quitar precatórios
devidos desde 25 de março de 2015 até o dia 31 de dezembro de 2024, incluindo
débitos vencidos e os que vencerão dentro desse período. O valor precisa ser
atualizado pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) Especial aplicado
sobre as receitas correntes líquidas (artigo 101 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias).
Um terço dos senadores apoiaram a tramitação da
proposta de Serra, que dá mais quatro anos para que R$ 105 bilhões em
precatórios sejam quitados. Assim, em vez de 2014, o prazo final seria 31 de
dezembro de 2028. Ao apresentar a PEC 95/2019, Serra disse que a postergação é
interessante aos gestores públicos, que precisam garantir a prestação dos
serviços públicos básicos à sociedade, como educação, saúde e segurança”.
Quando justificou a proposta, o senador reconheceu
que o país não conseguiu reverter a crise econômica, e o pagamento de R$ 17,5
bilhões em precatórios por ano poderia comprometer políticas públicas. Os R$
105 bilhões devidos, quando diluídos nos próximos dez anos, virariam R$ 10,5
bilhões por ano, o que representaria R$ 7 bilhões a menos por ano.
Flexibilização orçamentária
Depois das estratégias no Congresso para melhorar a
distribuição dos recursos, a segunda frente de trabalho do governo para
viabilizar o novo pacto federativo é a flexibilização orçamentária, trabalhada
em três conceitos: a desvinculação das receitas, a desindexação de despesas e a
desoneração dos orçamentos públicos.
Desvinculação
O orçamento tem receitas que são vinculadas a áreas
específicas e, muitas vezes, acaba o ano e o dinheiro não usado fica
“estacionado”, sem poder ser remanejado. É o que acontece com os recursos
disponíveis em diversos fundos, como, por exemplo, o Fundo Penitenciário e o
Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Para o governo, isso dificulta a gestão. Um
orçamento muito engessado é ainda pior com um cobertor é curto já que, quando
sobra numa área, geralmente está faltando em outra.
No Congresso há um movimento para tornar o Orçamento
mais impositivo, ou seja, com execução obrigatória principalmente das emendas
feitas pelos parlamentares. Na visão de muitos, a aprovação do orçamento
impositivo retira ainda mais a flexibilidade da gestão do governo e agora o
governo tenta retomar parte dessa desvinculação.
Votação
da reforma da Previdência na CCJ do Senado (foto: Marcos Oliveira/Agência
Senado)
Mas há um porém. A crise previdenciária é em parte
associada à Desvinculação das Receitas da União (DRU), que deixou 30% das
receitas da seguridade social “remanejáveis”. Na prática, ela permitiu que o
governo aplique os recursos de Previdência, assistência social e saúde pública
em qualquer despesa considerada prioritária e na formação de superavit
primário. A DRU também possibilita o manejo de recursos para o pagamento de
juros da dívida pública. Com o passar do tempo, contudo, essa manobra deixou a
seguridade social descoberta.
Congresso e governo tentam limitar o uso dos
recursos da seguridade para evitar rombos na nova Previdência, que já passou
pela Câmara e tramita com urgência no Senado (PEC 6/2019).
— A ideia é que, sem desvincular as despesas de
seguridade, essas receitas sejam usadas diretamente nessa área. Esse, aliás,
foi um dos pontos que surgiu no debate da reforma da Previdência — sintetiza o
consultor de Orçamento Flávio Diogo Luz.
Indexação
Muitas vezes, o gasto do governo com despesas é
indexado. As aposentadorias seguem o Índice Nacional de Preços ao Consumidor
(INPC). Os benefícios de prestação continuada (BPC), pagos aos inválidos, por
exemplo, são indexados pelo salário mínimo. Essa indexação também compromete as
finanças da União.
É por isso que o governo trabalha com a
possibilidade de desindexar. Uma tentativa foi oferecer metade do salário
mínimo para a população carente de 60 a 70 anos na reforma da Previdência. A
ideia, contudo, não agradou os deputados e foi retirada do texto da PEC 6/2019
ainda na Câmara.
Desoneração do Orçamento
A desoneração do Orçamento vai sempre trabalhar em
duas vias: tanto a redução das despesas quanto o aumento das receitas. A ordem,
portanto, é enxugar despesas fazendo reformas como a administrativa — para
reduzir o pagamento de pessoal — e a da Previdência. Por outro lado, a intenção
também melhorar a arrecadação de receitas, e isso deve ser conseguido com a
próxima reforma que tramitará no Congresso: a tributária.
O Senado já trabalha num texto para reestruturar o
sistema de impostos e contribuições nacionais (PEC 110/2019). O senador Roberto
Rocha (PSDB-MA) é o relator da proposta, já promoveu diversas audiências
públicas com especialistas e está próximo de apresentar seu relatório para
votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
— A ideia é simplificar o sistema tributário
exatamente para incentivar o pagamento de impostos. A tendência de reduzir
custo e insegurança para as empresas acaba por incentivar a arrecadação —
avalia o consultor Flávio Diogo Luz.
Fonte: Agência Senadotivo busca reestruturar finanças de estados e município
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