sábado, 21 de dezembro de 2019

CRÔNICA DE NATAL


                            Todo dia é Natal

Por Lucimara Souza


Dezembro traz o cheiro, as cores, o espírito do Natal. A chegada desse mês sempre me trouxe alegria, desde criança. Não falo da alegria de comprar e ganhar presentes ou da comilança nas ceias. Eu adorava ver minha avó montando o presépio, meus pais enfeitando a casa e a árvore de Natal. Participar das Novenas Natalinas, da missa da véspera (mesmo que fosse pra cochilar no colo da minha mãe) e ter minha família reunida era igualmente delicioso.

Embora minha família tente manter a mesma tradição, o que eu vejo hoje é uma preparação para o Natal ocupando um campo extremamente capitalista, indo contra aquele espírito que eu aprendi a enxergar ainda criança. Os tempos mudaram. As pessoas e os valores também.
Eu acreditei, sim, em Papai Noel. Por pouco tempo, mas acreditei. É uma figura de sentimento bom, um ser a propagar o bem. Meus pais nunca me disseram que Papai Noel não existia, entretanto, também nunca alimentaram a ilusão em mim. Ainda pequena, eu já achava impossível um homem daquele tamanho entrar pela janela do meu quarto ou em uma chaminé qualquer por aí. Além disso, eles me ensinaram que presentes poderiam vir em qualquer época do ano, não me deixando acreditar que Natal é época obrigatória de se ganhar presentes. Fizeram certo? Pra mim, sim. Isso permitiu que meus irmãos e eu não ficássemos frustrados se não ganhássemos o presente no dia de Natal. Nem por isso eu deixei de ser criança, de sonhar, de imaginar.
Hoje, vejo que crianças acreditam muito mais em Papai Noel do que eu acreditei. Eu acho bonito ver essa inocência toda. Ainda que essa inocência atualmente tenha vontades demais, gostos caros demais. Isso assusta um pouco. Aliás, por falar em susto, o que vi estes dias nos meios de comunicação me fez refletir e confirmou minha opinião acerca da educação que muitos pais estão destinando a seus filhos, a seus “inocentes” filhos.
Como em todos os anos, homens, geralmente idosos, de olhar sereno, e que gostam de crianças, são contratados ou saem de forma voluntária para fazerem o papel do Papai Noel, a fim de levarem alegria às pessoas. Saem em suas “carruagens”, passeando pelas cidades, distribuindo presentes, balas e sorrisos.
Entretanto, para surpresa de um destes homens, voluntário, representando o Papai Noel, o passeio foi bem frustrante. O “bom velhinho” foi apedrejado em um bairro, ironicamente chamado de Porto Seguro, em Itatiba, simplesmente porque as guloseimas que distribuía acabaram. Apedrejado por um grupo de crianças. Crianças sem limites, crianças sem educação, crianças intolerantes, que não admitem frustrações, crianças que nunca souberam o sentido do Natal. Crianças que nunca tiveram pais que os instruíssem, que os educassem, que transmitissem o valor do respeito ao próximo.
Se a falta do doce, algo tão simples e barato, que podia ser comprado em qualquer mercadinho no bairro pelos pais destas crianças, gerou essa agressividade, fiquei imaginando se o presente fosse algum objeto de maior valor. Realmente não sei se o Papai Noel estaria vivo pra contar história hoje.
É muito decepcionante assistir a atitudes como estas de seres “humanos” ainda tão jovens. Será este o reflexo do ódio que contamina o país? Quando ouço ou leio: “a criança é o futuro do país!”, tenho medo de crianças como estas vivendo o amanhã. Alguém precisa fazer alguma coisa pra mudar a mente dos pais – apenas machos e fêmeas – que só têm o trabalho de colocar o filho no mundo.
Sabe… Eu vivo dizendo que acredito na força do amor. Acho que só este sentimento pode salvar o mundo e combater toda maldade, crueldade e intolerância, mas minha esperança se abala diante dessas notícias…

Ultimamente o Natal ocupa um espaço muito menos espiritual do que antigamente. A tradição ganhar e somente ganhar, de comer determinados tipos de comida ou de qualquer outra atitude imposta culturalmente pelo homem abafaram o legítimo sentido do dia, induzindo pessoas a se preocuparem com tudo, menos com o menino Jesus.
Não é errado dar presentes, tampouco recebê-los, no entanto, é preciso saber que tudo o que envolve Natal tem uma simbologia. O gesto de distribuir balas, pelo Papai Noel, como o de Itatiba, simboliza a tradição de se oferecer presentes, os mesmos presentes ofertados ao menino Jesus pelos Reis Magos. É um gesto simbólico, não é uma obrigação.
É triste, mas a chama da fé, ainda que esmoreça, não pode apagar.
Que estes dias que antecedem a data sirva de meditação para nós, a fim de que nosso coração se abra e celebre com alegria um verdadeiro Natal feliz, a real beleza da vida.
De que adianta o presente caro e a ausência dos valores? De que adianta a mesa farta e poucas pessoas para dividir? De que adianta a mensagem bonita e a atitude contrária? De que adianta a casa toda enfeitada e iluminada se o principal da festa nem foi convidado?
Que tenhamos consciência de que Natal é todos os dias, que todos os dias o Menino Jesus deve nascer em nós, que todos os dias devemos praticar o cristianismo, que todos os dias devemos propagar o bem, e que tudo isso deve ser ensinado no berço às nossas crianças.



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