Desembargador Gilberto de Paula Pinheiro
Tribunal de Justiça do Estado do Amapá
Ao passar, em um concurso
para Juiz de Direito, nos anos oitenta, no Estado do Pará, deixei a Promotoria
de Justiça e tomei posse, para exercer minhas funções na Comarca de Chaves, no
arquipélago do Marajó.
Em 1990, na eleição para
Presidente, convocaram-me no TRE. Havia um funcionário do TSE na reunião.
Queriam eles que, em 48 horas, fosse publicado o resultado oficial. Eu, então,
expliquei que o Município de Chaves tem 26 secções e, somente duas na sede, o
resto é espalhado. Há uma no Mocoons (outrora tribo indígena) que, após a
eleição, colocase a urna num cavalo e viaja-se, por 6 horas, até a fazenda
Laranjeira. No dia seguinte, um monomotor desce, pega a urna e leva até a sede.
Essa é fácil de resolver.
Há três seções que ficam
próximo ao Amapá, Viçosa, Valério e Arrozal, que as urnas somente chegam em
Chaves, no segundo dia, à tarde, pois, à noite não se viaja, e, nesta época,
era dia de lua cheia, e pororoca brincava de pira. (expressão cabocla relatando
a intensidade do fenômeno).
Continuei relatando que não
dava para levantar voo em monomotor, depois das 16h, pois, poderíamos pegar
chuva e chegar no início da noite em Belém. Sugeri que colocassem uma
embarcação à minha disposição. Após o encerramento, iria para Macapá e pegaria
o voo de 1h da madrugada, mas não concordaram com ideia. De repente, um
funcionário do TSE, que ouvia aquela propaganda dos Correios, que levava
correspondência a todos os lugares falou: “Então, manda pelo SEDEX”. Eu virei e
falei: “Só se for para chegar daqui a seis meses – que era o tempo que os
Correios levavam, para entregar uma correspondência, devido a completa ausência
de transporte regular”.
Voltei para Chaves sem uma
solução. Chegando, chamei o Edmílson, um “caboclo” que tinha um barquinho (um
puc-puc), e orientei que transportasse as urnas de Viçosa, Valério e Arrozal
até Chaves.
Terminou a eleição, veio o
primeiro dia, segundo dia e nada de aparecer o Edmílson. Havíamos apurado o
restante, até mesmo a de Prainha de Fora, outra urna distante que vinha de
canoa a vela, e o Edmílson, nem sinal. O Brasil inteiro já havia encerrado a
apuração. No terceiro dia, ele apareceu. Chegou com as três presidentes de
mesa. Apuramos os votos, peguei o monomotor e fui para Belém.
Qual foi a minha surpresa,
quando todas as televisões do Brasil, em seus jornais e nos momentos que
cobriam as eleições, anunciavam: “Onça atrasa a eleição no Brasil”, “Onça come
o cavalo que transportava as urnas”, “No Pará, uma onça comeu as urnas”, e
assim sucessivamente.
Os jornais de grande
circulação nacional não deixavam por menos. Minha irmã Conceição, que morava no
Rio de Janeiro, ao ler o Globo, falou para o Mário, meu cunhado: “Este lugar é
onde o Beto trabalha, é em Chaves” (Beto é meu apelido de criança).
A Marília Gabriela anunciou
que uma onça causou problema e que o TRE do Pará mandou um avião até o local, para
transportar as urnas. Enfim, virou manchete nacional. Sem contar a gozação.
Certa vez, estive em Brasília, e um cidadão comentou comigo sem saber que eu
era o Juiz de Chaves. Eu vim da Europa, e europeus gostam de menosprezar o
Brasil. Dizem por lá, que uma onça atrasou a eleição no Brasil. Enfim, por onde
andava, quando sabiam que eu era o Juiz de Chaves, pediam para contar a
história.
Até a Doutora Lídia,
Presidente do TRE, gozou de mim, um dia. Carne de onça é bom? Eu pedi um avião
de cinco lugares, para voltar no segundo turno, ou dois de três, para ajudar a
transportar as pessoas que nos ajudavam, e ela brincando falou: “Um deles é
para transportar a onça?”
Vamos à verdadeira história
da onça. O Edmílson, proprietário do puc-puc, tinha que passar pelas três
ilhas: Viçosa, Arrozal e Valério. Passou em Viçosa, e depois, ao chegar em
Arrozal, soube que uma onça havia comido umas reses suas (que já eram poucas,
pois ele era um pequeno criador). Deixou as três presidentes de seção com as
urnas, na Ilha do Valério, e foi caçar a onça. Viu o rastro, mas não matou o
animal. Voltou para o barco. Acontece que, ao ir atrás do animal, perdeu a maré
do dia, e, à noite, não dava para viajar, devido ao fenômeno da pororoca – que
espalhava paus e árvores no rio. Só pôde viajar no dia seguinte, ou seja, ao
perder a maré, perdeu um dia, chegando ao terceiro dia, em Chaves.
Quando eu falei isso para os
amigos, disseram que eu deveria ir aos programas de televisão e contar os
fatos. Eu retruquei: “Se toda a imprensa nacional está contando de um jeito,
como é que vão acreditar num Juiz de interior?”
No intervalo do primeiro
para o segundo turno, aconteceram dois fatos em Chaves: primeiro, a terra
tremeu durante cinco segundos; depois, em Ubussutuba, que fica na Ilha da
Caviana, três dias antes da eleição, um jacaré mordeu a perna de um mesário que
transportava urnas. Desta vez eu chamei todos e disse que ficassem calados: “Já
deu toda aquela confusão da onça... Se vocês falarem, vão dizer que o jacaré
comeu as urnas de Ubussutuba...”
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