As lições sobre o óleo que
manchou o litoral do Brasil
Alexander Turra e Robson
Capretz*
As imagens das manchas de
óleo que invadiram a costa brasileira e borraram nossas praias e mangues
continuam vivas em nossas memórias. Mais de nove meses depois, muitas perguntas
seguem sem respostas. Ainda não se sabe o local do acidente, quando o vazamento
começou, nem a quantidade ou a origem do óleo. As investigações conduzidas pela
Marinha trabalham com as hipóteses de derramamento acidental, intencional,
operação ship to ship ou o naufrágio de um navio petroleiro. O
maior acidente ambiental brasileiro trouxe luz à importância de protegermos
nossa costa, mares e oceano.
Independentemente da falta
de respostas, o fato é que esse foi um acidente em larga escala, de difícil
contenção e que deixou grandes lições para o Brasil. O oceano desempenha papel
de extrema importância para o equilíbrio do planeta. É responsável pela
estabilidade do clima, pela produção de alimentos e estocagem de carbono; além
de movimentar a economia, envolvendo setores como transporte, recursos
minerais, energia, turismo e fármacos. É também fonte de renda de populações
tradicionais e está ligado a valores culturais em praticamente todas as nações.
No entanto, o privilégio
de o Brasil ter uma extensa costa com rica diversidade biológica e de paisagens
vem acompanhado de grande vulnerabilidade. Isso exige que algumas ações sejam
tomadas para garantir que, na eventualidade de um novo episódio danoso como o
visto no ano passado, a sociedade e o poder público tenham condições de agir
mais rapidamente.
Um dos principais
aprendizados é a necessidade de grande integração entre governos, órgãos
ambientais, organizações da sociedade civil e academia para serem definidas
estratégias breves e eficazes de contingenciamento. No episódio de 2019, foram
afetadas 906 localidades em 127 municípios de 11 estados, num total de 3,6 mil
quilômetros de costa. Portanto, são essenciais agilidade para reduzir prejuízos
e buscar respostas; transparência no diálogo e na divulgação das informações;
parceria com a comunidade científica para interpretar os eventos; e comunicação
centralizada para a disseminação responsável de informação.
Outra lição é que o Brasil
tem de estar melhor preparado para atender emergências. É preciso que seja
desenvolvida tecnologia para identificar e monitorar em tempo real manchas que
se aproximam da costa pela superfície ou abaixo dela e todos os navios que passem
ao longo da costa brasileira – em especial os navios-tanque. Também é preciso
definir procedimentos e indicadores prévios de alerta, como o desligamento
do transponder de um navio ou padrão suspeito de navegação, de
forma a permitir ação rápida da Marinha.
É necessário solicitar
ações e procedimentos mais rigorosos de combate a fraudes no sistema de
rastreamento de embarcações pela Organização Marítima Internacional (IMO) e de
responsabilização por crimes ambientais. Não se pode perder de vista também o
fortalecimento da Marinha, o treinamento de profissionais e voluntários, a
implantação de instrumentos de vigilância independentes, a elaboração e
implementação de protocolos de reação, a alocação de recursos públicos e
privados para a prevenção e contingência de acidentes, assim como o
fortalecimento de instituições responsáveis pelo comando e gestão de riscos.
Considerando que os
acidentes marítimos correspondem a apenas 10% da quantidade de óleo despejado
no mar todos os anos, também são necessárias medidas para inibir descargas
ilegais de óleo, lavagem de tanques e fontes atmosféricas oriundas da queima de
efluentes. Diante de um cenário tão complexo e de um território tão amplo,
somente com a participação e o envolvimento de diferentes setores da sociedade,
o Brasil poderá criar mecanismos eficazes de proteção do bioma marinho e sua
biodiversidade. As lições foram passadas. Resta saber se todos aprenderam.
Alexander Turra é membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza
(RECN), professor titular do Instituto Oceanográfico da USP e responsável pela
Cátedra UNESCO para Sustentabilidade dos Oceanos
Robson Capretz é ecólogo e coordenador de Ciência e Conservação da Fundação
Grupo Boticário de Proteção à Natureza

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