João Baptista Herkenhoff
Se todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos (artigo I), se todo homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos na Declaração (artigo II), os homens, antes de mais nada, precisam de comer para viver e sobreviver.
Existem presentemente cerca de um
bilhão de pessoas subnutridas no mundo. A
maioria das pessoas que passam fome são mulheres e crianças. As
mortes por fome, segundo dados da ONU, suplantam as mortes por sida, malária e
tuberculose somadas.
Insuficiência alimentar na infância
provoca danos irrecuperáveis para sempre. Por este motivo a fome é a mais
violenta negação dos direitos humanos. Não tem coerência afirmar que todos os
homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos:
- se a expectativa média de vida nos países ricos é, em dobro ou em triplo, a expectativa média de vida em alguns países pobres; se mesmo no seio dos países pobres, a expectativa média de vida dos ricos da população é, em dobro ou em triplo, a expectativa média de vida dos pobres da população.
- se a expectativa média de vida nos países ricos é, em dobro ou em triplo, a expectativa média de vida em alguns países pobres; se mesmo no seio dos países pobres, a expectativa média de vida dos ricos da população é, em dobro ou em triplo, a expectativa média de vida dos pobres da população.
Aparecem recursos para acabar com
doenças transmissíveis que, nos países pobres, ameaçam, pela contaminação
mundial, a saúde dos ricos da Terra.
Por que não se tomam medidas para
acabar com a fome?
Por que a Humanidade terá de transpor um
novo milênio carregando, nos ombros, a imoralidade e a antijuridicidade da
fome?
Grande Josué de Castro, que merece
estátuas modeladas em ouro, em bronze, ou simplesmente em pão,
em todos os Horizontes e em todos os
Continentes, inclusive na sede da ONU!
Belo profeta brasileiro que denunciou,
com pioneirismo, as causas sociais da Fome.
Josué
de Castro mostrou a fome como “problema social”.
Graciliano
Ramos, nos seus romances, retratou a fome como problema político. A fome não brota do céu. A fome tem causas na terra, nas injustiças
imperantes.
Josué
e Graciliano sofreram exílio e prisão por dizer uma verdade tão óbvia.
No Brasil deste século, a grande
figura profética, na luta contra a fome, foi o sociólogo Herbert de Souza, ou
simplesmente o Betinho, como ficou carinhosamente conhecido.
A fome tem pressa, disse Betinho, com
extrema racionalidade.
Condenado
a morrer, Betinho lutou, até o último momento, pela vida.
Mas
não tanto pela sua vida, lutou muito mais pela vida do povo brasileiro, dos
marginalizados e oprimidos, dos que são massacrados pela injustiça brutal que é
a fome.
Não poderia haver, na sociedade
brasileira contemporânea, figura que pudesse simbolizar melhor esse grito
contra a fome.
Betinho estava predestinado para ser o
líder da cruzada que empunhou.
Morto Betinho, a luta deve
continuar. E deve continuar com mais
vigor ainda, sob a chama da vida de Betinho,
sob a inspiração deste ser humano incomum
que, com muita razão, Frei Leonardo Boff proclamou como “santo”.
Que se multiplique por este país, de
todas as formas possíveis, o eco ao apelo que Betinho fez, em nome dos que não
têm calorias nem para protestar.
A sobrevivência de sistemas
democráticos está bastante ligada à construção de sociedades que eliminem a
miséria.
Nessas
sociedades democráticas, florescerão os direitos referidos nos dois primeiros
artigos da Declaração (liberdade, igualdade, fraternidade),
desaparecerão
as negações de direito mencionadas em outros artigos (as discriminações em
geral) e terão acolhida os demais Direitos Humanos.
A miséria não justifica o antidireito.
Nem
justifica a plataforma de ditadores que dizem pretender vencer os desafios
econômicos eliminando as liberdades.
A miséria degrada a condição
humana.
E o faz com tanta violência
que torna difícil para o miserável a luta por outros direitos que não apenas o
de comer.
João Baptista Herkenhoff
Juiz de
Direito aposentado (ES) e escritor
Email –
jbpherkenhoff@gmail.com


Nenhum comentário:
Postar um comentário