Cicero Bordalo Júnior (*)
No Brasil de hoje, a ciência e a verdade estatística estão sendo manipuladas por um controle político que é típico dos governos totalitários, imundos, hipócritas e egoístas. No domingo passado, dia 7 de junho, depois de anunciar 1.382 mortes por Covid-19 no país, mais tarde à noite o Ministério da Saúde alterou o número para 525. Num passe de mágica e sem qualquer explicação, o número de infectados passou de 18.912 para 12.581. E o ministério da saúde, sem um titular médico credenciado, desde o dia 15 de abril, segue investindo na política da pós-verdade, que constitui atentado contra o direito constitucional à informação, portanto, crime de responsabilidade.
Antes disso, o governo já havia manipulado o número de queimadas na Amazônia e na Mata Atlântica, no que foi vergonhosamente desmentido pelas mais respeitáveis autoridades e instituições ambientais, no Brasil e no mundo.
Se tudo não bastasse, a Controladoria Geral da União (CGU) acaba de tornar mais restrito o acesso da cidadania a documentos solicitados com base na Lei 12.527/2011, a Lei de Acesso à Informação (LAI).
Assim, as razões de veto presidencial a projetos de lei aprovados pelo Congresso Nacional, como sugeridas pelos diferentes Ministérios, tornaram-se sigilosas e vedadas ao conhecimento público.
Com isso, feriu-se de morte o direito de acesso à informação garantido pelo art. 5º, XXXIII, e art. 37, § 3º, II, da Constituição Federal.
É importante lembrar que o nazismo utilizou a mentira oficial como elemento da política de espetáculos para gerar o êxtase da raça ariana, incutir o ódio (contra judeus, ciganos e comunistas) e para enganar e dominar as massas.
O fascismo de Mussolini seguiu a mesma cartilha de manipulação da informação.
Como expõe Umberto Eco, na obra “Reconhecer o fascismo” (“Reconnaître le fascisme” Ed. Grasset, Paris, 2010), trata-se de uma política de Estado de desinformação estruturada.
Bem por isso, na Alemanha do III Reicht, Goebbels tornou-se Ministro da Propaganda para impor ao povo a xenofobia, o patriotismo suicidário, o preconceito étnico e a figura do mito “fuher”, encarnado por Adolf Hitler.
Essa política de desconstrução da verdade e da inteligência crítica não tinha limites.
Banalizou as formas mais agudas de invasão dos sentimentos humanos, como a censura, o fechamento de jornais, editoras e emissoras de rádio e televisão, a eliminação sumária dos adversários e o assassinato em massa das categorias proscritas pelo regime nazista.
Em natural revanche histórica, o regime democrático e as Constituições do II pós-guerra se qualificaram pela cidadania participativa, que procura habilitar o povo, enquanto titular da soberania, a pensar e se expressar, para tanto munindo-o das informações acerca da gestão pública e do convívio social.
Nesse projeto de idealização democrática, a liberdade de imprensa e o livre tráfico do saber são essenciais. Todavia, o boicote contra esses profissionais é descarado, existindo políticos safados que compram horários nobres na emissoras de comunicações, para abusar em mentiras, tripudiando em nossas inteligências. Tem um prefeito, no Estado do Amapá, que deveria ser chamado de fakenews, tal é a cara de pau deste sujeito cínico, em falar uma coisa em um dia, para logo depois inverter tudo, deixando cristalino o seu despreparo apocalíptico para gerir as crises sociais.
O acesso à informação verdadeira constitui valor essencial à dignidade humana.
Sem informação, sem imprensa livre e sem educação de qualidade não pode haver povo esclarecido e consciência dos direitos humanos fundamentais.
Um povo desinformado não pode exercer as virtudes elementares da cidadania que dá impulso aos destinos das nações.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, já reconhecia que “a livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem“.
De igual modo, a Declaração Universal das Nações Unidas de 1948, 2 / 2 consagrou no art. 19: “Todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.”
Bem por isso, adverte MICHEL FOUCAULT que as relações entre o poder político e o saber podem ser cruciais para o modelo de vida em sociedade.
A Lei Federal nº 12.527/11 (LAI) instituiu no Brasil um novo e saudável marco regulatório para o acesso à informação. Criou-se a “cultura da transparência”, na esteira da legislação existente nos Estados Unidos e na Inglaterra, conhecida pela sigla “FOIA” (Freedom of Information Act).
Vale mencionar que o Brasil assinou a Declaração Internacional de Chapultepec, no México, em 1994, com o objetivo de salvaguardar o direito à informação e a liberdade de imprensa.
O Estado brasileiro também foi membro-fundador do Open Government Partnership – OGP, organizado por dezenas de países para fins de tornar as ações de governo mais transparentes, permitir um maior controle popular da gestão da coisa pública e promover a erradicação da corrupção. Essa série de iniciativas deixa evidente que o direito à informação é um pressuposto indispensável do Estado Democrático de Direito.
Os governos vêm se especializando na prática da manipulação de informações, assim como seus pseudos opositores. Tal conduta, demonstra nitidamente, que os extremistas políticos usam a massa de analfabetos, como fantoches, ou melhor, como mortos vivos, que costumam trocar a boa leitura de obras literárias, pela compra de carros importados, roupas espalhafatosas e perfumes caros.
Esse estelionato estatístico jogado goela a baixo contra a população deve ser repudiado pelos democratas e coibido pelo Supremo Tribunal Federal, na qualidade de corte guardiã da Constituição.
(*) Cicero Bordalo Junior
Advogado, ex-Conselheiro Federal da OAB, ex-Presidente Nacional da Comissão da Igualdade e ex-Secretário de Justiça e de Segurança Pública do Estado do Amapá.

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