EPIDEMIA INVISÍVEL
A pandemia do coronavírus
pode causar a próxima onda da crise dos dependentes químicos e a violência
domestica
A
covid-19 afeta diversas populações vulneráveis, mas os usuários de drogas
enfrentam desafios únicos. Além do aumento do consumo de álcool, mais o
isolamento social, originando o aumento da violência doméstica.
Reinaldo Coelho
O isolamento social
imposto pela pandemia de coronavírus tem provocado o abuso do álcool e de
outras drogas, o que levou a OMS (Organização Mundial de Saúde) a recomendar
que os países limitem a venda de bebida alcoólica.
No Brasil, exceto
pelo fechamento de bares, não há políticas de restrição de vendas durante a
pandemia, o que pode tornar o quadro ainda mais preocupante, segundo estudo
publicado na revista Alcohol and Drug Review.
O trabalho reuniu
pesquisadores de Brasil, Canadá, Estados Unidos e África do Sul, e de órgãos
como a OMS. O dia 26 de junho é consagrado pela Organização das Nações Unidas
como o Dia Internacional Contra o Abuso e o Tráfico Ilícito de Drogas.
Na África do Sul, por
exemplo, as seções de bebidas dos supermercados foram fechadas. Em alguns
lugares dos Estados Unidos, foi proibida a venda de álcool pela internet.
No Brasil, em vários
estados os bares foram fechados, mas os que vendem comida e bebida alcoólica
por entrega podem permanecer abertos. Muitas pessoas passando mais tempo em
casa, vêm sendo acompanhadas de um aumento expressivo no consumo de álcool por
parte da população. Conforme pesquisa da Associação Brasileira de Estudos do
Álcool e outras Drogas (Abead), houve uma alta de 38% nas vendas em
distribuidoras de bebida e de 27% nas lojas de conveniência desde a decretação
da pandemia no país.
Uma consequência
direta do aumento do consumo de álcool pode ser observada nas relações
familiares, com o acréscimo de casos de violência doméstica. O Fórum Brasileiro
de Segurança Pública (FBSP) realizou levantamento que apontou que, embora seja
observada uma diminuição nos registros de boletins de ocorrência de casos de
violência doméstica, o número de mortes relacionadas ao feminicídio aumentou:
em São Paulo, por exemplo, o crescimento foi de 46% na comparação entre março
deste ano e março de 2019. No documento que traz o detalhamento da pesquisa –
que também aponta aumento de 431% nos relatos na rede social twitter sobre
brigas entre vizinhos, entre fevereiro e abril de 2020 – a entidade afirma que
“é importante ressaltar que o álcool aumenta a probabilidade de respostas
agressivas em meio a uma discussão e diminui a capacidade cognitiva das
pessoas, por isso é um dos principais fatores criminógenos para entender
violência”.
Políticas públicas no Amapá
O Conselho Estadual
de Políticas Públicas Sobre Drogas do Estado do Amapá (Conen/AP), foi criado há
18 anos pela então governadora Dalva Figueiredo (PT) através da Lei Estadual nº
721/2002, porém nunca foi efetivado. O Conen/Ap de acordo com a legislação é
composto de 24 membros dentre os quais oito representam a sociedade civil
organizada e os demais, instituições como universidades, Ministério Público,
Segurança Pública, educação e assistência social.
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A professora da Universidade Federal do Amapá (Unifap), Elane Ferreira, é a presidente do Conen/AP |
A criação e a
funcionalidade deste conselho é algo primordial para que o ministério da
justiça possa fomentar investimentos no combate e prevenção às drogas no estado
do Amapá, principalmente por ser uma região de fronteira.
Em setembro de 2019 o
titular da secretaria Estadual de Segurança Pública deu início do processo de
escolha dos 06 novos membros do referido conselho. Destas somente quatro foram
preenchidas para integrar a primeira composição do conselho. São elas: Fazenda
Esperança Marco Lívia, Ministério da Missão Mundial, Monte Tabor e Casa de
Apoio O Peniel.
Os quatro escolhidos
foram empossados pelo governador Waldez Góes (PDT) em março de 2020, ficando na
presidência a professora da Unifap professora Elane Magno Ferreira. Esses
conselheiros são os responsáveis pela elaboração de políticas públicas no
estado e terão a missão de elaborar, coordenar, acompanhar toda a política
estadual de prevenção e tratamento de
usuários de substâncias psicoativas, e também de repressão ao tráfico dessas
substâncias. O mandato é de dois anos.
A presidente do
Conen/Ap, Elane Magno Ferreira, é doutora em Neurociências e professora da
Unifap, a reportagem conversou com ela sobre as atividades a serem desenvolvidas
pelos conselheiros do Conen/Ap.
Ela destacou que a
indicação, nomeação e posse, aconteceram com a pandemia adentrando no Estado do
Amapá e isso travou atividades inerentes a mesmo ao organizar o Conselho e dar início
a atividades de políticas públicas.
“O Estado do Amapá
era o único na federação a não possuir um Conselho Estadual de Políticas
Públicas Sobre Drogas (Conen) e a legislação inerente é
de 1996 e se faz necessário sua adequação aos momentos atuais, esse seria o
primeiro passo. Nesse momento veio a pandemia. Como o conselho é ligado à secretaria
de Segurança Público os propostos ainda são dessa alçada. Temos muitas ideias,
mais ficamos embargados pela questão legislativa, pois precisamos nos adequar
as leis atuais, pois nada tinha sido feito nesses 17 anos.”
A doutora Elane
Magno, ressaltou que devido essa paralisação e a inexistência do conselho de
fato e de direito, tem feito o Estado Amapá perder recursos federais. “Esses
recursos da União, são destinados a todas as Unidades Federativas com o Conen
ativo. E o CONEN do Amapá ainda está engatinhando, com cinco meses empossados e
isolados pela pandemia, ainda não conseguimos nos reunir e discutir projetos
sobre as atividades inerentes.”.
Esses recursos do Fundo
Especial Antidrogas, tem origens em apreensões do tráfico de drogas e que são distribuídos
para todos os Conen estaduais. “Os recursos são federais e deverão ser
aplicados pelos estados em projetos necessárias à realização das políticas
públicas destinadas à prevenção, ao tratamento, à reinserção social e ao
combate ao tráfico de entorpecentes. Além disso, é atribuição do CONEN definir
a política de captação, a administração, o controle e aplicação dos recursos
financeiros do Fundo Especial Antidrogas. Mas, para que isso aconteça, temos de
ter a legislação em dias e atualizadas. Esse é passo importante para o conselho
começar a agir”.
Porém, a reportagem
provocou a Neurocientista Elane Magno Ferreira que se posicionou sobre essa
realidade do confinamento provocado pela quarentena e que tem levado ao uso
abusivo de drogas licitas e ilícitas, aumento assim a violência doméstica.
“De fato o isolamento
social, acaba piorando as ansiedades, depressão... O homem como ser social
precisa dessa interação social, do trabalho, dos amigos, exercendo de forma
harmoniosa a sua humanidade e ai quando a tiramos, acabamos agudizando esses
transtornos, que se complicam com a junção do medo e da preocupação com a
pandemia. E as pessoas passaram a se auto administrar substancias psicoativas,
para tratar sintomas de ansiedades, depressivas, para que consigam administrar
esses problemas”.
Elane Magno reforça
que a solução seria que as pessoas procurassem, e isso tem acontecido, psicólogos
através das consultas virtuais.
“Essa situação fez
crescer a violência doméstica e o álcool é um desses impulsionador. Sabemos que
ele está relacionado há mais de 27 tipos de câncer. Apesar de ser uma droga
licita, é uma substancia que deve ser evitada. Se a pessoa perceber que está
havendo um uso excessivo, que a fuga da realidade dela pelo álcool ou outras
substancias. Que ela procure um serviço de psicologia ou de psicoterapia e com
ajuda desses profissionais consiga superar. E as que tem problemas de
alcoolismo, continue procurando o Caps AD, que continuam funcionando e tem uma
equipe especializada, com psicólogos e atividades fins muito importantes. Outro
é os Alcoólatras Anônimos (AA)”, finalizou.
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Juiz Matias Pires Neto, empossado como conselheiro titular do Conen |
Um dos membros do
Conen/Ap, O juiz Matias Pires Neto, afirmou na ocasião que, “para nós é algo
novo e por ser um órgão deliberativo e consultivo e a gente espera que com a
como instalação do Conen as decisões tomadas possam ser efetivadas, acatados e
cumpridas pelos demais poderes do Estado, me sinto lisonjeado pela indicação e
espero corresponder a altura da missão a nós decretada”, afirmou.
Agora resta aguardar
a dinamização do conselho para montar estratégias que venham atuar diretamente
no combate ao crescimento do uso de drogas e álcool durante a pandemia que
alastra o Brasil e o mundo.
Composição do CONEN/AP
O Governo do Estado
conseguiu organizar e constituir, de fato, a entidade, que, na manhã desta
quinta-feira, 21, elegeu a sua primeira presidente, para o biênio 2020-2021. A
professora-doutora do curso de medicina da Universidade Federal do Amapá
(Unifap), a Neurocientista, Elane Magno Ferreira foi aclamada em votação
ocorrida na sala de reuniões da Secretaria da Justiça e Segurança Pública
(Sejusp). O advogado Israelton Soto Sobral, representante da Comunidade Missionária
Monte Tabor, assumiu a vice-presidência.
Elane é biomédica,
mestre pela UFPA e doutora em neurociências pela Unifesp, com período no
hospital universitário de Erlangen-Nuremberg/Alemanha. Ela é professora adjunta
da Unifap, lotada no colegiado de medicina, e, também, pesquisadora na área de
epilepsia.
A professora assume o
cargo com conhecimento dos desafios à frente, mas, já com propostas de apoio
aos usuários de drogas, e foco na prevenção.
“Temos representantes
de entidades direta e indiretamente envolvidas com o enfrentamento às drogas.
Juntos, cada um no seu campo de trabalho, podemos criar políticas públicas de
combate às drogas, ao crime organizado e ao tráfico de entorpecentes, com foco
na educação e prevenção. É importante criarmos uma rede de apoio ao usuário e à
família dele”,
frisou.
Composição do Conen
Amapá
Por lei, são
previstos 18 membros, sendo seis de entidades da sociedade civil e os demais de
órgãos distintos. Porém, essa primeira formação contará com 13 pessoas, visto
que somente quatro da sociedade civil foram habilitados e nove órgãos
encaminharam suas indicações. São eles:
_ Elane de Nazaré Magno Ferreira – presidente,
representante da Unifap
_ Israelton Soto
Zuniga Sobral – vice-presidente, representante da Comunidade Missionária Monte
Tabor
_ André Barbosa
Picanço – representante da Casa de Apoio “O Peniel”
_ Marinaldo Costa dos
Santos – representante do Centro de Recuperação Ministério Missão Mundial
_ Henrique Costa dos
Santos – representante da Fazenda da esperança Marco Lívia
_ José Carlos Corrêa
de Souza – representante da Sejusp
_ Rômulo Lima Pantoja
– representante da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa)
_ Sônia Goreti Matos
Fernandes – representante da Polícia Militar do Amapá
_ Yzabelle Cristina
da Costa Soares Canuto – representante da Delegacia Geral da Polícia Civil
_ Paulo Sérgio
Coutinho de Souza – representante da Secretaria de Estado da Educação
_ Eder Geraldo Abreu
– representante do Ministério Público
_ Matias Pores Neto –
representante do Tribunal de Justiça do Amapá
_ Joryosvaldo Queiroz
Oeiras – representante da Assembleia Legislativa do Amapá
AÇÕES EXISTENTE NO AMAPÁ
A maioria das ações
de apoio e de recuperação de dependentes químicos no Amapá vem sendo realizadas
de maneira precária, tanto pelo poder público, através dos Centro de Atenção
Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD) que atualmente atende a 120 usuários
mensalmente. Um dos que buscou tratamento foi Gerivam dos Santos. Para ele, o
apoio recebido no centro foi essencial para a reabilitação. “Comecei a fazer
tratamento aqui em janeiro de 2015. Minha vida estava na lama com conflitos na
família. Hoje em dia, tudo está caminhando bem e o apoio que recebi aqui foi
essencial pra isso”.
È necessário expandir
os Capas no Amapá e atingir maior número de dependentes. O centro está
localizado na Av. Cora de Carvalho, esquina com a Rua Hamilton Silva.
Muitas ONGs estão
atuando na área de ajuda a dependentes químicos, principalmente organizações
mantidas pro igrejas. Porém, uma tem se destacado e tem um assento eleito e
empossado no Conen/Ap, a Casa de Apoio Peniel.
Há dois anos uma casa
de apoio aberta em Macapá, por um ex-dependente químico tem ajudado a recuperar
vidas, antes tidas como sem solução. O local funciona com doações e mensalidades
simbólicas pagas pelas famílias. Contudo, atualmente, precisa de ajuda. A Casa
de Apoio Peniel fica localizada na Rua Remos Amoras, no Bairro do Muca, zona
sul da cidade. Ela foi criada pelo amapaense André Barbosa, de 39 anos. A
matriz da entidade fica no Pará e foi aberta há sete anos.
Sem muitas doações, o
lugar é mantido com o trabalho de rua dos internos, que andam em ônibus e por
semáforos da cidade, trocando adesivos por alimentos ou pequenas quantias em
dinheiro.
Impacto
O impacto da COVID-19
nos mercados de drogas e, embora seus efeitos ainda não sejam totalmente
conhecidos, o fechamento de fronteiras e outras restrições relacionadas à
pandemia já causaram escassez de drogas nas ruas, levando ao aumento de preços
e à redução da pureza.
O aumento do
desemprego e a redução de oportunidades causados pela pandemia também podem
afetar desproporcionalmente as camadas mais pobres, tornando-as mais
vulneráveis ao uso e ao tráfico e cultivo de drogas para obterem sustento,
aponta o relatório da Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc) divulgado em
abril de 2020.
O constante e
persistente crescimento do mercado mundial de drogas ilícitas, que atinge a
cifra astronômica de quase 900 bilhões de dólares ao ano, desafia a compreensão
de pesquisadores, governantes, formuladores de políticas sociais, autoridades
responsáveis pelos órgãos de vigilância e repressão e da sociedade como um
todo. Trata-se de um panorama agravado pela indústria e comércio de
medicamentos e substâncias como o álcool e o tabaco que, embora legalizadas,
são fonte de grandes prejuízos para a saúde e para a vida social.
A diretora-executiva
do UNODC, Ghada Waly, explicou que os grupos vulneráveis e marginalizados,
jovens, mulheres e as camadas mais pobres pagam o preço do problema das drogas
no mundo.
“A crise da COVID-19
e a retração econômica ameaçam agravar ainda mais os riscos das drogas, quando
nossos sistemas sociais e de saúde estão à beira de um colapso e nossas
sociedades estão lutando para lidar com esse problema”.
Continuando a
diretora da Unodc detalhou as necessidades dos países em desenvolvimento. “Precisamos
que todos os governos demonstrem maior solidariedade e apoiem, principalmente
os países em desenvolvimento, no combate ao tráfico ilícito de drogas e
ofereçam serviços baseados em evidências para os transtornos associados ao uso
indevido de drogas e doenças relacionadas, para que possamos alcançar os
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, promover a justiça e não deixar
ninguém para trás”, afirmou a diretora-executiva do UNODC.
TRAFICANTES MONTAM
NOVAS ROTAS
Devido à COVID-19, os
traficantes podem ter que encontrar novas rotas e métodos, e as atividades
ligadas ao tráfico e remessas pelo correio podem aumentar, apesar de a cadeia
de suprimentos postais internacionais ter sido interrompida.
Ao observar outros
efeitos da atual pandemia, o relatório alerta que se os governos reagirem igual
à crise de 2008, quando reduziram orçamentos de drogas, intervenções para
prevenção, serviços de tratamento. As operações de interceptação e a cooperação
internacional também podem se tornar menos prioritárias, facilitando a operação
por parte dos traficantes.
Tendências no uso de drogas
Enquanto a cannabis
foi a substância mais consumida no mundo em 2018, com uma estimativa de 192
milhões de pessoas que a usaram. O uso
de drogas aumentou muito mais rapidamente entre os países em desenvolvimento,
durante o período 2000-2018, do que nos países desenvolvidos. Adolescentes e
jovens representam a maior parcela daqueles que usam drogas, enquanto os jovens
também são os mais vulneráveis aos efeitos das drogas, pois são os que mais
consomem e seus cérebros ainda estão em desenvolvimento.
Pobreza, marginalização
Pobreza, pouca
educação e marginalização social continuam sendo fatores importantes que
aumentam o risco de ocorrência de transtornos associados ao uso de drogas. Além
disso, os grupos vulneráveis e marginalizados também podem enfrentar barreiras
para obter serviços de tratamento devido à discriminação e ao estigma.
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