LIÇÃO DE TOLERÂNCIA
João Baptista Herkenhoff
O
mundo é uma construção coletiva. Exaltam-se benfeitores, inventores, líderes
políticos, escritores e profetas. São esquecidos os que trabalham na sombra.
Entretanto, a obra anônima de milhares suplanta em muito o acréscimo feito ao
patrimônio humano pelo pequeno grupo das pessoas que são lembradas.
O
mundo é uma construção permanente. As gerações se sucedem. Cada uma deixa sua
contribuição ao acervo geral.
O
mundo é um tecido talhado por diferentes aptidões e profissões. Não existe um
trabalho mais importante que outro.
O
mundo é uma sucessão de idades. Cada uma tem seu selo, cada uma imprime sua
marca no mosaico da vida. Crianças, adolescentes, jovens, pessoas maduras e
idosos – cada idade traz seu canto para a sinfonia universal.
O
mundo é um conflito de opiniões. Ninguém é dono da verdade. De muitas fontes
pode vir o bom conselho. Que se tenha ouvido magnânimo para receber e acolher
as inspirações para o bem.
O
mundo é feito de rupturas, mas também de convergências. Na travessia da vida é
preciso que haja pontes.
O
mundo é feito de confrontos, mas também de diálogos. Que haja mediadores
capazes de suprimir aparentes abismos.
O
mundo é feito de saudades, mas também de esperanças. Que haja sempre alma de
criança para divisar o futuro.
O
mundo requer presença, ação, cidadania. Que haja espaço para que todos falem,
sugiram, somem.
Adquiri
experiência para formular estes conceitos, no desenrolar da vida. Mas a semente
de tudo começou numa cidade e os leitores entenderão a seguir a relação das
idéias aqui colocadas.
Fui
a minha terra para celebrar com Davi Cruz e Wilson Lopes de Rezende o “Dia de
Cachoeiro”. Recebi um banho de poesia, naquele pedaço de chão abençoado. A
página que escrevo hoje, inspirada na “alma cachoeirense”, não pode ser senão
uma página dirigida à sensibilidade.
A
pedido do Prefeito, discursei, brevemente, junto ao busto de Newton Braga, o
criador da Festa.
Falei
a meus conterrâneos e aos amigos de Cachoeiro presentes ao ato sobre a
“singularidade” de nosso torrão. Com muita pertinência, nós o consideramos a
“capital secreta do mundo”.
Para
provar essa singularidade, observei que Cachoeiro é uma cidade que sempre se
abriu à tolerância, à supremacia dos grandes valores humanos. E para que essa
afirmação não caísse no vazio de um bairrismo exacerbado, citei uma passagem
ligada à vida de Demistóclides Baptista, nosso saudoso Batistinha. Fiz a remissão
histórica na presença de Moema Baptista que, como eu, foi Cachoeirense Ausente
Número 1 em anos pretéritos. Moema, sobrinha de Batistinha, confirmou com um
aceno de cabeça a exatidão do episódio.
Batistinha
estava exilado. Falece então, em Cachoeiro, sua Mãe. Avisado, o filho corre o
risco, mas ingressa, clandestinamente, no Brasil, para ir a Cachoeiro prestar a
última homenagem àquela que lhe trouxe ao mundo. Um enterro não se faz às
ocultas. Era evidente que, Batistinha, um exilado político, “foragido” da
Justiça Militar, estava na cidade. Ninguém, porém, delatou Batistinha. Ninguém
se movimentou para que Batistinha fosse preso.
Eu
arrematei a narração do fato com uma conclusão. Batistinha era um exilado
político, um proscrito. Quem, sendo cachoeirense, se atrevesse a prendê-lo,
naquelas circunstâncias, assinaria sua própria sentença de “proscrição moral”.
Cachoeiro não aceitaria um ato de tamanha indignidade.
E assim Batistinha, depois do sepultamento de sua Mãe, voltou ao exílio, peso
do
qual só se libertou quando a Anistia foi conquistada por aqueles que aqui
ficamos.
João
Baptista Herkenhoff
Juiz
de Direito aposentado
Vitória,
ES
Email
– jbpherkenhoff@gmail.com
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